‘Nosso menu é muito darwiniano’, diz CEO do McDonald’s

Passo de carro pelas usinas petroquímicas e por outdoors de advogados especializados em divórcio de Nova Jersey com um desespero crescente. Não só porque o trânsito me faz chegar atrasado; é que eu recebi uma das tarefas menos apetitosas da história de “À mesa com o FT”. Estou indo a uma unidade do McDonald’s para me encontrar com Chris Kempczinski, o executivo-chefe da rede. 

Se avaliarmos pelos 65 milhões de clientes que suas 39 mil lojas alimentam em um dia, poderíamos chamar Kempzinski de o gestor de restaurante mais bem-sucedido do mundo. Mas são poucos os aficionados da gastronomia que se manifestam entusiasticamente sobre seus menus, e não teremos carta de vinhos para saborear. 

Sabendo disso, enfiei uma garrafa na minha mochila, na esperança de que ela poderia relaxar um executivo que aprendeu sua disciplina de marketing na Procter & Gamble (P&G), na Faculdade de Negócios de Harvard e no Boston Consulting Group. 

Kempczinski é um gestor de marcas acima de tudo, e escolheu um restaurante tinindo de novo para nosso encontro. O salão de refeições, lavado e esfregado para a ocasião, o equivalente corporativo a uma visita oficial, está fechado para o público e mesmo assim alvoroçado: Kempczinski foi para lá vindo da sede para uma de suas primeiras vistorias “in loco” desde que a pandemia o paralisou em Chicago. 

Enquanto posa com franqueados para uma foto de máscara, me ocorre que nunca vi tantos ternos e terninhos em uma hamburgueria. Mas é que a rede ainda está se familiarizando com Kempczinski. 

Ele foi nomeado para o cargo máximo apenas um ano atrás, quando o conselho de administração demitiu seu antecessor, Steve Easterbrook, devido a um relacionamento com uma funcionária, consensual, mas proibido pela política da empresa. 

Kempczinski, repentinamente promovido a partir de seu papel de presidente da empresa nos EUA, estava mal acabando de tranquilizar os investidores e a começar a fazer um circuito por suas operações mundiais quando a covid-19 chegou. A crise sanitária colocou uma empresa que prospera com a padronização diante de incontáveis incógnitas. Suas vendas pelo critério “mesmas lojas”, que compara as unidades em funcionamento há mais de um ano, caíram 22% em março e 39% em abril. 

Olho para as telas do cardápio digital. Eu tinha planejado pedir um Big Mac mas sou influenciado pelo anúncio de um Quarterão com Queijo “novo, mais picante e mais suculento”. Peço um acompanhado de nuggets, aceito a sugestão de batatas-fritas e Coca-Cola grandes e um sundae de caramelo quente. 

“Chris K”, como os funcionários o chamam, pede um lanche de filé de peixe, uma batata frita média, uma Coca Zero de proporções modestas e um sorvete de baunilha simples. Parece um tanto pobre, mas este não é seu primeiro pedido do dia no McDonald’s. 

“Como isso todo dia”, ele me diz com vivacidade (duas vezes por dia, na verdade, de segunda a sexta). Isso soa como maldição aos meus ouvidos, mas Kempzinski se acostumou com uma dieta típica da casa ao ascender na carreira no setor de alimentos industrializados. Na PepsiCo ele prosperou bebendo litros e litros de água Aquafina e chá Lipton. Na Kraft, diz, “eu não era muito chegado ao [molho] Miracle Whip. Mas comia toneladas de macarrão com queijo”. 

O executivo, de 52 anos, mantém a boa forma por correr ao menos 90 quilômetros por semana e por pedir seus sanduíches de peixe sem molho tártaro e Egg McMuffins sem bacon. Após um ano seguindo seu regime, que soa brando, ele diz: “Você tem de saber escolher do seu jeito no cardápio”. 

Seus clientes estão fazendo isso. Lojas fechadas pelas medidas de isolamento social reduziram os lucros do McDonald’s para o nível mais baixo em 13 anos no segundo trimestre, mas o fast-food está demonstrando ser um dos setores da economia mais resilientes, principalmente nos EUA. No terceiro trimestre, as vendas do grupo tinham caído apenas 2%, e em seu mercado de origem subiram 4,6%, ajudadas pelo fato de 95% das lojas americanas terem “drive thru”. 

A combinação de comida afetiva e contato mínimo no preparo tem sido vitoriosos. Kempczinski e eu recebemos os pedidos. Quando pego meu lanche, vejo que esqueci o ketchup. Um funcionário elegantemente uniformizado se apressa em oferecer quatro sachês. Essa não é a experiência de McDonald’s a que estou acostumado. 

Garçons que monitoram as mesas de perto não fazem parte dos planos de Kempczinski, mas a pandemia acentuou seu foco em promover os “três Ds”: drive- thru, pedido digital (de “digital ordering” em inglês) e delivery, que se tornaram fontes muito maiores de crescimento neste ano do que ele poderia ter imaginado. Sua estratégia exigirá mais investimento em seu aplicativo para celular, um novo programa de fidelidade nos EUA e novos itens para o cardápio. 

Pergunto a Kempczinski por que um dos maiores compradores de carne bovina não aderiu à tendência das proteínas alternativas, como o Burger King, com seu hambúrguer vegetal. “Não é questão de ‘se’, mas de ‘quando’”, responde ele, segurando uma batata frita sem ketchup. Pouco depois da nossa refeição, a empresa confirma ter desenvolvido um hambúrguer à base de plantas, que lançará “quando os clientes estiverem preparados”. Mas Kempczinski parece duvidar que os dias dos hambúrgueres estejam contados. 

“Temos um cardápio muito darwiniano. O que vende, pomos no cardápio; o que não vende, tiramos”, diz ele. “Tem de haver determinado nível de demanda. A gente não ganha nada vendendo um ou dois produtos por hora.” 

Certamente com um orçamento de marketing de US$ 4 bilhões, o McDonald’s e seus franqueados conseguirão criar demanda, sugiro. Ele concorda, mas diz que alimentos à base de vegetais simplesmente não são tradicionais o suficiente, pelo menos por enquanto. 

E sobre as bebidas alcoólicas? A cerveja consta dos cardápios do McDonald’s da Alemanha até a Co reia do Sul, mas não nos EUA. “É muito mais complicado aqui”, diz ele, descrevendo um cipoal de regulações estaduais. Mas digamos que eu tenha trazido vinho, arrisco, estou certo ao pensar que a lei de Nova Jersey nos permitiria bebê-lo? Ele concorda que sim. Diante disso, empurro meu balde de Coca-Cola para o lado e saco a garrafa. “Vou te fazer companhia”, concorda ele, com entusiasmo. 

No filme “Kingsman: Serviço Secreto”, Samuel Jackson diz a Colin Firth que um cheeseburguer do McDonald’s vai muito bem com seu Lafite ‘45”. Como a garrafa mais barata dessa safra custa US$ 2.999, peguei um cabernet lá de casa mesmo. Despejo o vinho em duas taças de plástico que trouxe, confirmo que ajuda o hambúrguer a descer e abordo um assunto mais incômodo. 

Easterbrook tirou Kempczinski da Kraft em 2015, e os dois se tornaram amigos enquanto criavam uma estratégia que incluía cafés da manhã servidos o dia inteiro, telas digitais para ajudar os clientes a personalizar os pedidos e contratos com empresas como o Uber para fazer entregas em domicílio. 

Um dia, na volta de uma corrida, Kempczinski soube, por mensagens no celular, que a diretoria demitira Easterbrook e o tornara CEO do grupo. A notícia foi “uma espécie de choque” que o fez se indagar sobre o impacto para seu amigo, sua própria carreira e a organização que ele teria de levar de volta aos eixos. 

Nove meses depois, a situação tornou-se mais atordoante – e uma dor de cabeça ainda maior – para Kempczinski quando o McDonald’s processou Easterbrook, acusando-o de ter mentido sobre outros três relacionamentos e aprovado uma concessão de ações para uma das funcionárias envolvidas “durante o período em que mantiveram relações sexuais”.

O processo, que Easterbrook contesta, visa recuperar um pacote de indenização no valor estimado de US$ 40 milhões. Há poucos casos semelhantes na história empresarial dos Estados Unidos. 

“Acho que se pode dizer que Steve foi um executivo extremamente talentoso que se comportou muito mal”, diz. “Não há como ignorar isso”, acrescenta. Mas, para quem quem tinha Easterbrook em alta conta, “foi decepcionante, e simplesmente um golpe”. 

Kempczinski tem usado a queda de Easterbrook para levar a empresa a pensar sobre seus valores com a mesma seriedade com que encara seu cardápio. O mesmo conjunto de princípios deve se aplicar a todos, “seja você o CEO ou o funcionário que trabalha na estação de fritura”, diz ele, enquanto come seu sanduíche de peixe. 

Com aparência de bom moço, uma esposa, dois filhos e um cachorro, Kempczinski parece ser feito sob encomenda para pregar uma mensagem ética. Em seu primeiro discurso como CEO, enfatizou sua criação “muito católica” e disse à equipe para “simplesmente fazer a coisa certa”. 

E contudo, aponto, o McDonald’s é acusado regularmente de fazer a coisa errada. A empresa enfrentou uma sucessão de ações judiciais acusando-a de fazer pouco para impedir o assédio sexual e a discriminação racial em suas lojas. Uma companhia que dita cada detalhe de como os franqueados devem preparar a comida tem sido menos rigorosa em obrigá-los a seguir seus outros padrões? Esses casos chamam 

uma atenção desproporcional porque são muito conflitantes com a consideração que as pessoas têm pelo McDonald’s, responde Kempczinski. 

Ele também argumenta que persuadir os franqueados a adotarem seus valores será mais eficaz do que estipular regras. Isso não impediu que o McDonald’s se tornasse um alvo preferencial dos ativistas americanos que fazem campanha por um salário mínimo de US$ 15 por hora. A empresa não faz lobby contra salários mais altos nos EUA, insiste Kempczinski, e opera com sucesso em outros países onde os valores por hora chegam até a US$ 23. Mas ele duvida que os rivais a seguiriam se ela aumentasse salários unilateralmente. Além disso, argumenta, “não é tarefa do McDonald’s definir políticas sociais em torno de coisas como qual é o salário certo”. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/11/30/nosso-menu-e-muito-darwiniano-diz-ceo.ghtml

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