Moda de segunda mão cresce na esteira da economia circular

Em um mundo onde a indústria da moda emite cerca de 2,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa e a produção convencional de algodão responde por 22,5% do uso total de pesticidas, segundo a Global Fashion Agenda, negócios pautados na economia circular valorizam o uso de roupas de segunda mão e crescem pela demanda de um público mais conectado à internet e preocupado com as próprias ações de sustentabilidade. O conceito de recommerce, ou comércio reverso, ganha espaço e abre portas a novas empresas.

Segundo um relatório da Thredup divulgado neste ano, o mercado de revenda de roupas deve dobrar até 2025 e faturar R$ 77 bilhões em todo o mundo. O crescimento é motivado pela maior qualidade dos produtos ofertados e pela facilidade de vender e comprar online. Somente no ano passado, 36,2 milhões de pessoas venderam peças usadas pela primeira vez, um movimento derivado da pandemia que, para muitos, deixou as roupas paradas no guarda-roupa.

Mas, em vez de vender, por que não alugá-las? Essa é parte da proposta da Closet Bobags, em que o cliente pode alugar uma roupa para experimentar antes de comprar. Isso permite avaliar se a peça realmente faz sentido no corpo e no dia a dia da pessoa. Depois desse “drive thru”, ela decide se compra ou devolve. Por R$ 199, é possível ficar quatro dias com um vestido estampado da Gucci, por exemplo. Estima-se que 30% dos aluguéis se convertam em venda.

“É uma forma de negócio não linear, em que a gente consegue ter ciclos longos, com produtos de qualidade que precisam durar para serem usados melhor”, diz Isabel Braga Teixeira, fundadora e CEO da empresa. Roupas, bolsas, acessórios e óculos são fornecidos por marcas, pessoas físicas e a partir de um inventário próprio comprado de segunda mão. Personalidades como Claudia Raia e Malu Mader possuem acervo na plataforma, cuja receita é destinada a ações sociais.

A empreendedora conta que, neste ano, a oferta de produtos cresceu 500% em relação ao ano passado. “A gente vê um movimento forte das pessoas terem passado mais de um ano em casa vendo que não fazia sentido ter tanta coisa no armário.” O relatório da Thredup estima que, no mundo, 9 bilhões de peças de roupa quase não são usadas ou ficam ociosas nos armários.

Há dez anos com o negócio, Isabel acredita que ainda é preciso criar um mercado. “O efeito da economia circular ainda é pequeno, mas tem cada vez mais marcas olhando para isso.” O ambiente agradece: comprar itens usados emite 17,4 vezes menos gás carbônico na atmosfera do que adquirir uma peça nova, além da economia de energia e água.

Economia circular depende de consumidor consciente

“A ideia de estender a vida útil de um produto é inerente à economia circular. Porém, existe um desafio que é o reflexo dessa economia compartilhada, de venda de produtos de qualidade e preço mais barato. Será que também não vai gerar um novo consumo, que quando a pessoa vê barato compra dois em vez de um?”, questiona Beatriz Luz, diretora da Exchange 4 Change Brasil, organização que impulsiona a transição para a economia circular.

Ela diz que, se de um lado há pessoas interessadas em gerar impacto social e ambiental, do outro precisa haver uma cultura que também preza por isso. A especialista observa que a pandemia fez crescer esse mercado porque os recursos ficaram escassos, então aceita-se comprar algo usado. A percepção se confirma nas 33 milhões de pessoas que compraram roupas de segunda mão pela primeira vez em 2020, das quais 76% planejam investir mais nesse setor até 2025.

Beatriz considera o movimento positivo, porque “otimiza os recursos naturais e gera receita”, além do potencial de impactar uma mudança maior na indústria. “Se a tendência do segundo uso crescer, o fabricante vai ter de aumentar a qualidade do produto, o que gera valor ao longo do tempo, que é outro princípio da economia circular.”

Pautada no upcycling, Sarah Almeida fundou a marca Florent em 2019, que transforma uma roupa em outra diferente e usa a técnica de desfibragem para criar peças novas. O objetivo é manter uma matéria-prima em uso e diminuir poluentes e resíduos. A empresária conta que muitos clientes compram mais pelo design e estilo do que pelo conceito. Tanto que só descobrem o que é economia circular quando chegam à marca.

Então, para disseminar os princípios, ela investe em conversas sobre o tema nos stories do Instagram, em posts no feed e no blog e pretende fazer vídeos mais educativos. “A gente sente que o mercado está amadurecendo, principalmente porque tem alguns gargalos que fazem a pessoa entrar nesse universo do consumo sustentável, que é o lifestyle vegano, mais fashionista, que gosta de peça única. E a gente está nesse trabalho de mostrar o que a gente se propõe a solucionar”, diz Sarah. Por questões internas, ela não fala do faturamento, mas afirma que a base de clientes aumentou.

Moda circular é impulsionada pelo e-commerce

Gustavo ChapChap, diretor do Comitê de e-Commerce da Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi), diz que as redes sociais e as plataformas de e-commerce deram alcance maior à economia circular. Para os pequenos empreendedores de moda que atuam com o comércio reverso, ele entende que os canais de venda já consolidados são um caminho favorável.

“Elas conseguem trazer um nível de acesso e alcance enormes para a pessoa que teria um alcance limitado e lidaria com uma série de rotinas pós-venda. Elas cobram uma comissão que não é barata, mas entregam pagamento seguro, garantia de recebimento, ferramenta para envio, equipe de atendimento, investem em publicidade e trazem clientes de vários lugares. Isso só é possível pelo digital”, afirma.

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