Marco legal das ‘Big Techs’: fim da hegemonia?

Todos os dias as pessoas têm contato com as Big Techs. Ao acordar, elas verificam o celular para confirmar a previsão do tempo e, logo pela manhã, têm acesso ao Google. No caminho do trabalho, elas checam as redes sociais e, ao mesmo tempo, acessam o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. Assim que chegam em casa, em busca de um pouco de relaxamento, essas mesmas pessoas decidem assistir a um filme na Netflix. E, deste modo, as Big Techs fazem parte do dia a dia de todo o mundo.

Empresas como Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google são companhias que começaram como pequenas startups e que hoje dominam o mercado da tecnologia e representam um novo cenário econômico.

As Big Techs funcionam por intermédio de plataformas abastecidas pelos usuários e seus dados, que, uma vez mapeados em algoritmos, facilitam o cálculo da estratégia de conteúdo direcionado a eles.

Assim, essas empresas organizam um grande fluxo de informações por meio de processos que permanecem fora do olhar público, bem como do olhar social.

Afinal, o que é válido ou não no universo das Big Techs? Que tipo de conteúdo deve ser excluído? Qual o limite de circulação da informação nessas plataformas, tendo em vista serem ambientes em que os usuários formam opiniões, falam sobre política e impactam diretamente nos processos eleitorais e, consequentemente, no processo democrático? Até que ponto essa grande indústria pode afetar a verdade factual?

Alguns desses questionamentos puderam ser respondidos no Marco Regulatório das Big Techs, aprovado pela União Europeia (UE). Entende-se que a democracia só poderia estabelecer um marco regulatório por meio de organismos multilaterais – tal qual a União Europeia.  Ainda será preciso um enfrentamento global, como no caso das questões climáticas.

O marco das Big Techs traz alguns critérios destinados às gigantes do mundo digital, sobretudo no que diz respeito à influência que essas empresas exercem na decisão dos usuários, bem como o estabelecimento de maior concorrência.

Nesse sentido, a ideia da UE é dar mais poder a quem utiliza as ferramentas e permitir que pequenas empresas possam fazer parte deste nicho de mercado, gerando concorrência – pauta que já vinha sendo levantada não apenas pela União Europeia, mas também por China e Estados Unidos.

Na legislação, merecem destaque os processos antitruste, que visam a evitar a hegemonia das grandes empresas, para que as pequenas e startups também possam concorrer no mundo digital. Ademais, os usuários serão igualmente favorecidos, pois terão mais autonomia e poder de escolha.

Duas propostas foram aprovadas: 1) Lei de Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês), que visa a combater práticas comerciais consideradas inadequadas; e 2) Lei de Serviços Digitais (DAS, na sigla em inglês), que impõe um filtro a conteúdos considerados ilegais e nocivos.

Com a vigência da DMA – que estabelece os processos antitruste –, as Big Techs não poderão privilegiar marcas ou produtos, ou impedir que softwares já instalados sejam removidos ou trocados, sob pena de multa de 10% sobre o faturamento global. Ademais, ponto importante é que os usuários poderão optar por não receber recomendações com base no perfil.

A DAS, por outro lado, fará com que as Big Techs tenham de passar por auditorias independentes – sob pena de pagamento de multa equivalente a 6% do faturamento global. Além disso, vai permitir que autoridades e pesquisadores tenham acesso a dados e algoritmos – medida que visa a trazer mais transparência ao grande fluxo de informações a que as Big Techs têm acesso.

A legislação também almeja proibir a publicidade direcionada a crianças ou baseada em dados confidenciais, como religião, raça, gênero e opiniões políticas. Os padrões obscuros, chamados de dark patterns – táticas que induzem as pessoas a fornecerem dados pessoais –, também serão proibidos.

De acordo com a Forbes, os dois projetos se baseiam nas experiências da chefe antitruste da UE, Margrethe Vestager, em investigações sobre as empresas. Ela criou uma força-tarefa que deve contar com cerca de 80 funcionários.

A iniciativa para com o marco surgiu de uma série de pressões de usuários e pequenos negócios que, sufocados pelas gigantes da tecnologia, buscam mais concorrência e almejam o fomento das startups.

As chances de o marco respingar seus efeitos no Brasil são grandes, considerando que a lei europeia acaba sempre por influenciar a lei brasileira, como foi o caso da General Data Protection Regulation (GDPR), que inspirou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

É apenas uma questão de tempo para que o marco legal comece a gerar efeitos em outros países. Um dos efeitos do marco no Brasil já é o Projeto de Lei n.º 2.630, o famoso PL das fake news, que nasceu com o intuito de combater a desinformação, mas que já traz ideais presentes no marco legal das Big Techs.

Regular este universo parece ser um caminho sem volta para as próximas décadas.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,marco-legal-das-big-techs-fim-da-hegemonia,70004127288

Comentários estão desabilitados para essa publicação