Líderes querem que FMI e Banco Mundial financiem US$ 1 trilhão para o clima

Líderes globais estão pressionando o Banco Mundial e outros bancos internacionais de desenvolvimento a reformular suas práticas de empréstimos para ajudar as nações mais pobres a enfrentar as mudanças climáticas e o aumento do peso das dívidas.

O esforço, que ocorre no momento em que os países pobres passam por dificuldades econômicas amplificadas pela guerra na Ucrânia, ganhou força durante a COP 27 neste mês. As nações concordaram em criar um fundo que pagará pelos danos relacionados ao clima em países vistos como particularmente vulneráveis. 

Os defensores da ideia afirmam que as nações ricas precisam reformular seus bancos de desenvolvimento para que eles possam fornecer recursos a juros abaixo dos do mercado — ou “concessionais” — às nações em desenvolvimento, para pagar por projetos de energia limpa e infraestrutura. Tais esforços poderiam expandir os empréstimos com segurança em até US$ 1 trilhão, afirmam eles. 

“Precisamos de um aumento dos financiamentos concessionais”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, durante a COP 27. Ele está entre os líderes que apoiam a chamada Iniciativa Bridgetown, defendida pela premiê de Barbados, Mia Mottley. A iniciativa pede um uso mais agressivo de recursos financeiros do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para ampliar os empréstimos aos países de baixa e média renda em US$ 1 trilhão. 

Separadamente, um painel do G20 (grupo das principais economias do mundo) fez em julho recomendações voltadas para aumentar os empréstimos dos bancos em “várias centenas de bilhões de dólares no médio prazo” através de um uso mais eficiente de seus balanços, incluindo o aumento da tolerância ao risco. 

As propostas não pedem especificamente uma nova infusão de capital tradicional das nações ricas. Em vez disso, elas dependem da alavancagem de capital já existente e do uso de instrumentos financeiros como os direitos especiais de saque do FMI, um ativo de reserva internacional que os países podem usar para emprestar recursos a juros baixos. Outras ferramentas como as garantias de empréstimos e securitização de projetos também estão sendo discutidas. 

A agência de análise de risco Moody’s Investors Service disse em novembro esperar que os bancos adotem a maior parte, se não todas, das recomendações do painel do G20, que têm apoio dos EUA e de outras grandes economias. 

Respondendo às discussões da COP 27, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, disse que a instituição pretende divulgar um estudo antes do fim do ano, estabelecendo um roteiro para ampliação de seu papel para que ele reflita as pressões recentes dos países-membros, incluindo as recomendações do painel do G20. 

Reconhecendo os esforços que o banco está fazendo para enfrentar as mudanças climáticas e outros desafios com que as nações em desenvolvimento se deparam, Malpass disse que acolheu os pedidos por um papel mais ativo do banco. “Isso está de acordo com a nossa capacidade de evoluir consistentemente como instituição para atender às necessidades de desenvolvimento em constante mudança.” 

John Kerry, enviado do presidente Joe Biden para o clima, disse em um evento paralelo à COP 27, que uma reformulação precisa ser feita antes do segundo trimestre de 2023 para permitir “um desembolso significativo” do capital dos bancos, o que poderia liberar de US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões sem uma nova infusão de capital para os bancos. “Se você alavancar, talvez tenha mais de US$ 1 trilhão. Isso é coisa real.” 

Os países emergentes e em desenvolvimento, com exceção da China, precisarão de US$ 1 trilhão anual até 2025, e de US$ 2,4 trilhões até 2030, para financiar os investimentos necessários para limitar o aquecimento global a 1,5°C, em consonância com o previsto no acordo de mudança climática de Paris, segundo previsão de um grupo especializado convocado por líderes das COPs 26 e 27. 

Embora autoridades governamentais e investidores possam cobrir algumas das necessidades, cerca de US$ 1 trilhão terá de ser captado externamente todo ano, disse o grupo especializado. 

O estimado US$ 1 trilhão em gastos anuais será coberto por uma combinação de fontes de financiamento públicas e privadas, e consta em separado das discussões em torno de um aumento não recorrente de empréstimos de US$ 1 trilhão da parte de bancos de desenvolvimento. 

As iniciativas ocorrem num momento em que países ricos descumpriram sua promessa climática de fornecer US$ 100 bilhões em subsídios e empréstimos anuais para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a mudança climática até 2020. 

Os gastos dos governos ricos durante a pandemia e a ajuda à Ucrânia tornam ainda mais difícil para os EUA e outros a tarefa de oferecer contribuições diretas para ajudar o mundo em desenvolvimento. 

Além dos custos necessários para enfrentar a mudança climática, o aumento dos preços da energia e dos alimentos provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia sobrecarregou os orçamentos e aumentou os níveis de endividamento em muitas nações em desenvolvimento. O rápido aumento dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano) elevou os custos dos que tomaram empréstimos em dólar. Neste ano, os 73 países mais pobres devem US$ 44 bilhões em serviço da dívida para bancos bilaterais e privados, mais do que recebem em ajuda externa. 

A confluência desses fatores fez com que os países concentrassem as atenções no Banco Mundial e em outras instituições de crédito, que foram criticadas por sua postura de empréstimos avessa ao risco e por seu foco insuficiente em financiamento climático. 

“Precisamos que os bancos, em especial o Banco Mundial, sejam extremamente arrojados em suas iniciativas nesse campo, já que ele é o instrumento multilateral mais flexível que temos disponível”, disse Rachel Kyte, especialista em financiamento de desenvolvimento e política energética da Faculdade Fletcher da Universidade Tufts. 

Os países em desenvolvimento reclamaram da escassez de empréstimos financeiramente acessíveis para cumprir as metas climáticas. A Bridgetown Initiative estima que o custo do capital necessário para financiar um projeto de energia renovável do setor privado é de 4% nos países ricos, comparativamente aos 15% necessários em países em desenvolvimento. 

Sumant Sinha, CEO a ReNew Power, uma das maiores empresas indianas de energia renovável, disse que há escassez de financiamento via empréstimos para projetos de energia renovável na Índia, acrescentando, “o mercado de bancos internacionais ou o mercado de empréstimos consorciados simplesmente não existe, e [as instituições] multilaterais, as únicas outras fontes de financiamento, estão prestando um serviço muito precário, para ser franco”. 

Um porta-voz do Banco Mundial disse que o banco reserva parcelas significativas de seus recursos para financiar ações climáticas, com 36% do total dos empréstimos tendo sido alocados para esse fim durante o atual ano fiscal, iniciado em 1 de julho. 

Segundo o Centro de Desenvolvimento Global, um instituto de análise e pesquisa de Washington, os bancos de desenvolvimento multilaterais empenharam, coletivamente, cerca de US$ 63 bilhões em financiamento climático ao longo de 2021. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/11/24/plano-de-us-1-trilhao-para-ajudar-nacoes-em-desenvolvimento-com-mudancas-climaticas-ganha-forca.ghtml

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