O premiê do Reino Unido, Boris Johnson, disse ontem que não terá encontros pessoais com líderes da União Europeia (UE) a não ser que eles concordem em mudar aspectos cruciais do acordo de divórcio do Reino Unido com o bloco, algo que autoridades dos demais 27 países-membros têm rejeitado. Essa posição de Johnson abalou a moeda britânica ontem.
A declaração de Johnson foi o primeiro tiro no que prometem ser alguns meses tensos entre os dois lados com relação aos termos da saída do Reino Unido do bloco, prevista para 31 de outubro.
A posição do novo premiê britânico – e a possibilidade de que ela possa desencadear uma separação caótica da UE, junto com uma nova eleição no Reino Unido – levou a libra a cair 1,3%, para seu nível mais baixo em relação ao euro desde setembro de 2017. Sua atitude de que “sem acordo” é o posicionamento de princípio do Reino Unido alimentou temores sobre o impacto econômico que o país sofrerá se deixar a UE sem um acordo para suavizar a separação.
Johnson foi escolhido como premiê do Reino Unido na semana passada pelo governista Partido Conservador, com base no entendimento de que conseguiria entregar o Brexit, um projeto que já foi adiado duas vezes, e conter o insurgente e eurocético Partido Brexit, que tem capitalizado o fracasso dos conservadores em finalizar a separação da UE.
O centro da estratégia de Johnson é propagandear a opção de abandonar o bloco sem um acordo e preparar o país para esse rompimento abrupto. Ele tem dito que é a única forma de garantir que os líderes da UE ofereçam ao país termos melhores para o divórcio. Não se sabe se o líder britânico pretende ir até o fim e promover, de fato, a saída brusca da UE se a estratégia falhar.
Desde que se tornou primeiro-ministro do Reino Unido, na semana passada, Johnson tem sido fiel à sua palavra. “O acordo de retirada está morto e precisa ser abandonado, mas há margem para se chegar a um novo acordo”, disse ontem durante visita à Escócia. Mais cedo, sua porta-voz apresentou a decisão do premiê de recusar reuniões a não ser que os líderes da UE mudem sua posição sobre voltar a negociar. “O Reno Unido vai deixar a UE em 31 de outubro aconteça o que acontecer”, afirmou ela.
O governo de Johnson prepara uma campanha publicitária para estimular as empresas a se prepararem para a perspectiva de um fim repentino de mais de quatro décadas de comércio sem barreiras com a UE. Uma comissão de ministros sêniores criada especialmente para garantir que o governo esteja pronto para um Brexit sem acordo realizou sua primeira reunião ontem. Funcionários disseram que o governo vai desembolsar novos recursos para assegurar que o país esteja pronto para a saída em outubro, mas não revelaram o montante.
Para Johnson a aposta é bem grande. Ontem, a Confederação de Empresas Britânicas alertou que nem o Reino Unido nem a UE estão preparados para uma saída sem acordo. Não está claro se a UE vai propor termos melhores. Embora esteja no poder, o Partido Conservador não tem maioria no Parlamento e, por isso, a UE teme fazer concessões a Johnson apenas para que o Parlamento rejeite de novo o acordo de saída. Líderes da UE têm descartado repetidamente a hipótese de reabrir as negociações do acordo de separação acertado com a antecessora de Johnson, Theresa May.
Johnson também pode ter de enfrentar uma rebelião parlamentar se seguir adiante com seu plano de sair da UE a qualquer custo. O Parlamento britânico pode votar a favor de bloquear uma saída sem acordo, como já fez antes, ou parte
parlamentares conservadores pode se unir à oposição e votar pela dissolução do governo. Isso levanta a perspectiva de uma eleição geral repentina e imprevista.
O premiê também está enredado em uma negociação com outra união: o próprio Reino Unido. Na sua primeira semana completa no poder, Johnson está visitando País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte (que, junto com a Inglaterra, formam o país) para garantir aos eleitores que um Brexit abrupto não vai prejudicar os laços que unem o Reino Unido.
No referendo de 2016, os escoceses rejeitaram de forma esmagadora a proposta de o Reino Unido abandonar a UE. O Partido Nacional Escocês está usando o Brexit como pretexto para propor um segundo plebiscito sobre a independência, com o argumento de que a Escócia não quer sair da UE.
A Irlanda do Norte, por sua vez, pode sofrer as consequências mais graves da turbulência econômica se o Reino Unido abandonar o bloco sem um acordo de separação. Para analistas, isso pode alimentar uma mudança de longo prazo no sentido da unificação com a República da Irlanda. Johnson, que se deu o título de “ministro da união”, disse ontem que o Reino Unido se beneficiaria de continuar unido. Ele tem chamado repetidamente os quatro componentes do Reino Unido de “o quarteto fantástico”.