‘Janela para pouso suave nos EUA está se fechando’

Um cenário de recessão vai se delineando nos Estados Unidos e o diretor-gerente e consultor econômico global da Pimco, Joachim Fels, diz acreditar que a possibilidade de um “soft landing” (“pouso suave”) já não é a alternativa mais provável hoje. Em conversa com o Valor, Fels afirma que “ainda existe uma janela para um pouso suave [quando o banco central consegue esfriar a economia para controlar a inflação sem causar recessão], mas ela está se fechando rapidamente”. “Nosso cenário-base é de uma recessão no fim deste ano ou no início de 2023.” 

O economista aponta, porém, que uma recessão, caso se confirme, não deve ser profunda, dado que a recuperação curta desde a crise gerada pela pandemia de covid-19 não teve tempo para gerar muitos desequilíbrios econômicos. “Mas ela pode se prolongar porque o Fed não virá ao resgate com tanto ímpeto quanto ocorreu em recessões anteriores. Isso porque a inflação não fica tão alta desde o início dos anos 1980 (…). Achamos que a expectativa de um corte rápido nos juros no ano que vem é equivocada.” 

Mesmo prevendo o risco de recessão, Fels não espera que o Federal Reserve (Fed) consiga conduzir a inflação à meta em um futuro próximo e também não acredita que o BC americano efetue um corte de juros antes que os índices de preços voltem à meta de 2% ao ano. “Em 2023, ainda esperamos que a inflação fique entre 3,5% e 4%, cerca de metade da taxa atual. Qualquer corte na taxa, caso ocorra, será no mínimo em 2024”, disse na entrevista, que aconteceu antes da divulgação do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de agosto, na última terça. 

O resultado do CPI surpreendeu os mercados financeiros com uma leitura acima do esperado, alimentando os receios sobre a resiliência das pressões inflacionárias. Depois de indicar uma leitura estável em julho, na comparação com junho, o CPI registrou uma alta de 0,1% em agosto, contrariando as expectativas dos investidores, que eram de uma desaceleração no período. 

O dado reforçou os temores de que o Fed será forçado a elevar os juros mais agressivamente na próxima semana para conter a inflação. O dólar, que vem recebendo suporte das perspectivas de mais altas de juros, disparou após a divulgação dos dados, voltando a superar o euro. 

Mesmo antes dessa última disparada do dólar, Fels disse acreditar que a moeda americana “parece sobrevalorizada de acordo com muitas métricas tradicionais”, mas que há dois grandes pontos favorecendo a sua valorização. O primeiro é o diferencial de juros em relação a outras economias desenvolvidas, considerando que o Fed está muito mais avançado no processo de aperto monetário do que o Banco Central Europeu (BCE) ou o Banco da Inglaterra (BoE). E ele espera que a lacuna cresça ainda mais. “Acreditamos que o Fed continuará sendo mais agressivo do que o BCE, pelo menos nos próximos meses. Isso favorece o dólar.” 

O outro ponto são as incertezas geopolíticas, que favorecem a moeda americana, muitas vezes usada como ativo de proteção. “As divisões entre os EUA e a China e, obviamente, as divisões entre a Rússia e o resto do mundo estão se alargando. Com o mundo assim, o dólar sempre estará em alta demanda como um porto seguro.” 

Além do diferencial de juros, o economista acredita que a probabilidade de uma recessão na Europa também é maior do que nos EUA. Não apenas porque a Europa está atrasada em relação ao Fed no seu processo de aperto monetário, como também pelo fato de que a zona do euro está muito mais próxima do que os EUA da guerra na Ucrânia. “Isso tem um impacto tremendo na confiança das empresas e dos consumidores europeus.” 

“Um último ponto sobre a Europa é que há uma probabilidade muito maior de haver uma escassez no fornecimento de combustível e energia nos próximos meses. Talvez haja ruptura em setores importantes que ainda dependem do gás russo.” Esses riscos, por sua vez, são ampliados pelo fato de que “durante muitos anos, tivemos pouquíssimo investimento no petróleo por conta de questões relacionadas a ESG”, o que deve dar alguma sustentação aos preços mesmo em caso de uma recessão. 

A crise energética, inclusive, é um grande incentivo para a adoção mais agressiva de fontes de energia renováveis. “Esse movimento já estava para acontecer antes da guerra na Ucrânia e da última alta no custo da energia. Acreditamos que o movimento vai acelerar, principalmente na Europa.” 

Em relação ao Brasil, a perspectiva de uma recessão econômica global representa um desafio difícil para os países emergentes, diz. Ele ressalta que “mercados emergentes” é uma classificação muito heterogênea, mas que a situação das commodities “cria oportunidades interessantes que o Brasil pode aproveitar. Mas os investidores também querem ver as políticas fiscais corretas”. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/09/15/janela-para-pouso-suave-nos-eua-esta-se-fechando.ghtml

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