Índia, novo fator de expansão global

Com a postura revisionista sobre os acordos comerciais adotada pelo governo Trump e a consequente onda de protecionismo, o comércio internacional vem desacelerando desde 2017. Essa tendência, agravada pela recente intensificação da contenda comercial entre EUA e China, traz impactos negativos sobre a atividade produtiva no mundo. Hoje, um dos fatores capazes de contrabalancear esses efeitos é a forte expansão econômica da Índia.
Desde o início da década passada a economia da Índia cresce a taxas elevadas, com expansão anual média do PIB acima de 7%. A inflação apresenta trajetória de queda desde 2012, beirando hoje a casa dos 2% ao ano (dados do FMI). Os números do lado fiscal estão em patamar sustentável e a relação dívida/PIB, que beirava os 85% em 2003, está abaixo dos 70%. Do ponto de vista macro, portanto, a Índia está com a casa arrumada.
Do ponto de vista setorial, o país reúne três conjuntos de destaques. O primeiro, mais tradicional e com lastros históricos e culturais, envolve a agricultura, os setores têxtil e de mineração, e a fabricação de joias. A esse conjunto se juntaram, ao longo da segunda metade do século XX, a indústria química e farmacêutica, o parque de refinarias, as manufaturas modernas e maquinarias, e a siderurgia e a fabricação de cimento. O terceiro conjunto de setores, mais recente e moderno, se relaciona ao boom de investimentos em tecnologia da informação no país: softwares, serviços de comunicação e internet (acessibilidade à rede, aplicativos de celular e e-commerce).
A Índia já é o maior mercado mundial (em número de usuários ativos) do Facebook e do Whatsapp e o terceiro maior do Twitter. No país da Bollywood, o Instagram e o YouTube também estão na moda. A expansão da internet na Índia requererá maciços investimentos em infraestrutura de telecomunicações. O número de usuários indianos da rede saltou de pouco mais de 200 milhões no início de 2014, para quase 600 milhões ao final de 2018, devendo superar os 800 milhões até 2025, com a crescente inclusão da população rural (dados da Telecom Regulatory Authority of India).
No tocante ao comércio exterior, com a expansão da corrente de comércio à taxa média de 14% ao ano de 2003 a 2018, a participação da Índia no intercâmbio mundial de bens saltou de 0,8% para 2,5%. Seu índice de abertura econômica (exportações mais importações de bens em relação ao PIB) passou de pouco menos de 22% para cerca de 34% no período (a título de comparação, o Brasil tem um índice de abertura econômica da ordem de 20%). Em função do crescimento acelerado, a balança comercial indiana vem se deparando com déficits crescentes. Em 2018, com US$ 322 bilhões em exportações e US$ 618 bilhões em importações, o saldo ficou negativo em US$ 296 bilhões (dados do Comtrade/ONU).
O grande desafio da Índia é aproveitar a demografia favorável para crescer expandindo a capacidade produtiva e o mercado interno, enquanto mitiga a carência de infraestrutura sem descuidar do déficit energético
Naturalmente, os maiores beneficiários da ascensão da Índia são seus vizinhos asiáticos e os fornecedores de equipamentos de telecomunicações (China e EUA), com grandes oportunidades também para venda de smartphones. O setor automobilístico e o de partes e peças associadas são outra aposta para os próximos anos. Os fornecedores de commodities também ganharão com o crescimento do mercado indiano. Com as projeções de crescimento mantendo-se na casa dos 7%, a demanda de energia do país terá a maior alta no mundo. A importação de petróleo bruto pela Índia, hoje da ordem dos
4,4 milhões de barris equivalentes diários (dados da Opep), crescerá à taxa de 5% ao ano pelos próximos dez anos. A demanda por gás deve crescer na casa dos 7% ao ano (dados da International Energy Agency).
China, Japão e Índia são os três maiores PIBs da Ásia e ocupam hoje, respectivamente, a segunda, a terceira e a quinta posições na lista das maiores economias mundiais (estando EUA e Alemanha no primeiro e quarto postos). Combinando as previsões do FMI, do Banco Mundial e da OCDE, em dez anos, a Índia ultrapassará a Alemanha e o Japão, tornando-se a segunda maior economia da Ásia e a terceira mundial.
De fato, ao longo da próxima década China e Índia continuarão sendo os grandes motores do crescimento regional, que vem deslocando o centro de gravidade da economia do planeta em direção ao continente asiático. Os dois países, que hoje são responsáveis por 19% do PIB do planeta, responderão em 2028 por quase 25% da produção global contribuindo, além disso, com cerca de 40% da expansão da atividade econômica mundial.
Ademais, com uma população jovem e em crescimento, a Índia ultrapassará a China como país mais populoso do mundo até 2025. As projeções da ONU indicam também que o percentual da população indiana entre 15 e 64 anos subirá de 64% em 2018 para 67% em 2028.
A Índia tem hoje a tarefa de contornar a desaceleração do ritmo de crescimento experimentada no primeiro trimestre de 2019, quando a economia expandiu-se à taxa anualizada de 5,8%. As eleições legislativas, encerradas em maio passado com a reeleição do atual Primeiro Ministro e a manutenção de maioria no Parlamento pelo partido da situação, reduziram incertezas e trouxeram expectativas de continuidade de avanços na regulação e, com isso, impulso extra aos investimentos no país.
O recente corte na taxa básica de juros de 6% para 5,75% também contribuirá para esse objetivo. Para os próximos anos, o grande desafio da Índia envolve aproveitar a demografia favorável para crescer expandindo a capacidade produtiva e o mercado consumidor interno, enquanto mitiga a carência de infraestrutura sem descuidar do déficit energético. Cumprido esse roteiro, a Índia se firmará como polo dinâmico da economia global, atuando como novo vetor do crescimento mundial.

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