E3 mostra indústria de games à espera de ‘nova fase’

Um bom fã de games sabe que, às vezes, é preciso esperar um tempo até uma nova fase ser carregada. Na maior feira de games do mundo, a E3, realizada na última semana em Los Angeles, essa indústria mostrou que conhece bem essa lição: fez anúncios tímidos para o curto prazo e olhou bastante para o futuro. A começar pela promessa de uma nova geração de consoles, que só deve chegar aos consumidores no fim de 2020, amparada por processadores potentes e suporte a novas tecnologias. 
Quem mais fez promessas nessa E3 foi a Microsoft. Em sua conferência, a empresa prometeu para 2020 o sucessor do Xbox One, lançado em 2013. Chamado de Projeto Scarlett, o videogame deve ser capaz de reproduzir jogos em resolução 8K, com um processador quatro vezes mais potente que o do Xbox One X, atual aparelho topo de linha da empresa. Foi uma resposta à rival Sony. A japonesa nem esteve presente em Los Angeles, mas já antecipou configurações similares para o PlayStation 5, previsto para 2020. 
Os dois aparelhos, porém, vão manter uma característica que já parecia fazer parte do passado: um leitor de mídia física. Segundo pesquisa da corretora Piper Jaffray, as venda de jogos físicos caem cerca de 10 pontos porcentuais por ano desde o início da década, preteridos por arquivos digitais. “Mas é uma escolha que muitos jogadores ainda fazem, então vamos mantê-la”, disse o líder da divisão de games da Microsoft, Phil Spencer, em Los Angeles. Para Arthur Protásio, designer da produtora brasileira Fableware, é algo simbólico. “É um momento de transição claro.” 
Mas há mudanças mais profundas na indústria de games do que só a evolução de tecnologia. Influenciada pelos mercados de tecnologia da informação e do entretenimento, que buscam aumentar a fatia do faturamento com assinaturas, as grandes produtoras tentam trocar o formato de “produtos fechados” pelo de serviços. 
Um exemplo? O novo jogo dos Vingadores da Marvel, que chegará ao mercado no ano que vem, pelas mãos da produtora Square Enix. Não será uma história com começo, meio e fim, mas sim com fases e capítulos, lançados continuamente. “Muda não só o consumo, mas a produção”, diz Protásio. “As histórias precisam ser desenvolvidas de forma que possam sempre ter continuidade – até que os jogadores desistam e resolvam buscar outros jogos.” 
Para Guilherme Camargo, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a prática extrapola algo que a indústria do entretenimento faz há tempos: apostar em sequências e derivados. “É uma prática que sai mais barata e é menos arriscada do que criar novos títulos”, diz. “Como serviço, o game pode reforçar essa tendência e afetar a criatividade do setor.” 
A mudança não é só no conteúdo, mas em como ele é comercializado. Em vez de vender jogos a R$ 200 (ou US$ 60, nos EUA), a indústria tem lançado mais serviços de assinatura. Por um valor mensal, o usuário tem acesso a uma biblioteca de games, que podem ser baixados para seu console. É algo que marcas como EA, Sony e Microsoft fazem há anos, mas que tem se espalhado. 
Nesta E3, a Microsoft dobrou sua aposta, inclusive: agora, o seu serviço Game Pass vale não só para o Xbox One, mas também para os computadores. Já a Ubisoft lançou o Uplay, que custará US$ 15 ao mês e terá um catálogo extenso de jogos da empresa. Isso para não falar na Apple, que anunciou em março o lançamento do Apple Arcade – com 100 títulos exclusivos para o iPhone. “Um combo de assinaturas será algo mais forte no mundo dos games”, diz o analista Mat Piscatella, da consultoria NPD Group, no Twitter. 
Mas há dúvidas se existe espaço no bolso dos jogadores para tantas assinaturas. Hoje, um usuário médio compra entre 3 e 4 títulos por ano, segundo estimativas da corretora Wedbush Securities – valor que pode não ser suficiente para cobrir o pagamento de diversos planos. Por outro lado, com cada empresa lançando sua própria alternativa, é difícil imaginar que surja um único vencedor em um mercado pulverizado. “Estou céti co de que um serviço vencedor como a Netflix vai emergir no meio de diversas opções de baixo preço”, escreveu o analista Michael Pachter, da Wedbush, em nota a investidores. 
Pela nuvem
Para ampliar as incertezas, há ainda serviços de assinatura que não só querem oferecer uma biblioteca ao jogador, mas também deixar que ele jogue em tempo real pela internet, sem precisar baixar nenhum arquivo. É o chamado streaming de games, que poderá começar a ser testado no último trimestre do ano. É quando estão previstos para chegar ao mercado o Google Stadia e o Microsoft xCloud, que poderão ser jogados não só nos consoles, mas também em celulares, PCs e TVs conectadas à rede. 
A internet é o trunfo e também o calcanhar de Aquiles desses serviços: para ter boa experiência, precisarão de conexões velozes – o Stadia, por exemplo, requer planos na casa de 25 Mbps (megabits por segundo). É algo raro no Brasil: só 7% dos domicílios no País têm conexões acima de 21 Mpbs, segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). “Aqui, até nos grandes centros a internet falha quando chove”, afirma Camargo, da ESPM. “Se o jogador não tiver certeza de que terá boa experiência, ele não vai querer esse modelo.” 
Para os especialistas ouvidos pelo Estado, será preciso tempo para que as certezas apareçam. Talvez cinco ou dez anos até que o streaming vingue de fato. Tempo suficiente para uma nova geração de consoles se estabelecer no mercado. A indústria seguirá faturando, demonstrando outra lição de décadas dos games: coletar moedas numa partida, quase sempre, dá vidas extras ao jogador.

https://link.estadao.com.br/noticias/games,e3-mostra-industria-de-games-a-espera-de-nova-fase,70002875915

Comentários estão desabilitados para essa publicação