O aplicativo chinês de vídeos curtos Kwai escolheu o ritmo do funk para desembarcar no Brasil. O banco PAN elegeu como sua embaixadora a funkeira Jojo Todynho. Não são exemplos isolados. Grandes anunciantes como Magazine Luiza e a operadora de telecomunicações TIM também se renderam ao funk.
O ritmo – que surgiu nos Estados Unidos nos anos 60 e no Brasil, na década de 80 – é atualmente a música brasileira mais tocada no mundo, segundo levantamento do aplicativo de música Spotify em 51 países. Ocupa ainda o topo das mais tocadas no país, dividindo atenção com os sertanejos. O fenômeno não podia deixar de chamar a atenção das marcas que investem em publicidade.
Na Black Friday do ano passado, o Magazine Luiza apresentou como destaque a cantora Anitta, que já foi MC Anitta, outra rainha do gênero.
A atual garota-propaganda da TIM é Iza, que adota gêneros variados nas suas músicas, “mas tem muita influência da batida do funk, muitos pontos de contato”, diz Alexandre Vilela, vice-presidente de criação da BETC, agência de publicidade da TIM e do banco PAN. Antes de Iza, o rosto da funkeira Ludmilla estampava os anúncios da TIM. Para Vilela, “o funk traduz uma visão de mundo que cria uma conexão muito poderosa entre a marca e o público”.
Pesquisa de fevereiro do Instituto Locomotiva, feita em 72 cidades brasileiras, mostrou que 32% dos consumidores adultos ouvem funk ao menos uma vez por semana, o que corresponderia a 52 milhões de brasileiros. A metade deles tem o funk como estilo musical preferido.
Esse público consome R$ 980 bilhões por ano, 62% são negros, 38% brancos, 29% são das classes A e B, 41%, classe C, e 30%, D e E. A maioria (68%) não se identifica com qualquer marca e 72% não se enxergam em propagandas veiculadas na TV.
O banco PAN, que pertenceu a Silvio Santos e atualmente é controlado pelo BTG Pactual, estreou no digital em fevereiro do ano passado. Chegou a 10 milhões de clientes nos primeiros meses de 2021. O lucro líquido teve alta de 12%, para R$ 190 milhões, no balanço do primeiro trimestre deste ano.
O “efeito Todynho” já foi sentido pelo banco PAN. A campanha com a funkeira começou no fim de maio e, no aplicativo Tik Tok, o número de seguidores chegou a 150 mil em poucos dias, segundo Vivian Zwir, diretora de marketing do banco. Para a executiva, “o funk é um símbolo de brasilidade, de empoderamento de nosso povo”. A ideia da contratação da cantora, segundo ela, foi para “quebrar o economês, o falar difícil, e se aproximar mais do cliente”. O foco do banco são as pessoas das classes C, D e E.
O funk ganhou versão brasileira nos anos de 1980, quando o DJ Marlboro, nome artístico do carioca Fernando Luís Mattos da Matta, introduziu a bateria eletrônica, no ritmo importado dos Estados Unidos.
Matta acha natural que o ritmo tenha tomado conta das paradas de sucesso. “Antes havia muito preconceito e eu, por ingenuidade, nunca vi isso. Deus me deu pele clara para eu levar a música negra para onde ela está hoje. Me acho preto e minha bisavó é preta”, diz o produtor do primeiro disco de funk no Brasil, lançado em 1989.
Celso Athayde, que foi empresário de rappers e cantores de funk, antes de criar a Cufa (Central Única das Favelas), considera maravilhoso o sucesso mundial e entre as empresas. “Houve uma quebra de preconceito contra a música negra e a favela, e o funk se tornou mais suave, se asfaltizou”, observa.
“No futuro”, prevê o diretor de criação da Ogilvy Brasil, Daniel Schiavon, “o funk brasileiro será tão estudado como o tropicalismo e a Bossa Nova”.
O braço da Ogilvy no país adotou o estilo musical para, junto com a sucursal chinesa do grupo, ganhar a concorrência internacional, e lançar o aplicativo de vídeos curtos Kwai, no Brasil.
Atualmente, o Kwai tem 379 milhões de usuários ativos na China. No Brasil chegou a 26 milhões de usuários na média mensal do primeiro trimestre, segundo dados da empresa. É o terceiro mais baixado na Google Store no Brasil, logo após o Tik Tok, mas esteve no topo da lista, no lançamento da campanha em abril, tanto na versão andróide como na IOS.
O concorrente, Tik Tok, por sua vez, adotou o “Passinho” em seus anúncios publicitários. Esta coreografia nasceu nos anos de 1990 nos bailes funk.
Para estrear o aplicativo Kwai no mercado brasileiro, Schiavon chamou o produtor baiano de funk Zamba. Foi criado, então, o o jingle KKKKwai.
O aplicativo quer focar em vídeos divertidos, sem produção, e adotou o KKKK, riso das redes sociais, que combina muito com as repetições da música eletrônica e se identifica com a marca. “Queremos oferecer pílulas de diversão e relaxamento, para um consumidor que está estressado”, comenta o diretor.
A proposta do aplicativo chinês, dizo executivo, tem tudo a ver com o brasileiro. “Não precisa comprar tripé, nem luz, é produção caseira mesmo. O brasileiro é campeão de “sevirologia”, a prática de se virar”, explica, bem-humorado.
O funk, observa Meirelles, do Instituto Locomotiva, “é um estilo mais aberto para falar de consumo e das marcas, além disso os artistas ajudaram a quebrar barreiras de classe e preconceito”.
“Ajudou a abrir algumas portas, a baixar a guarda de muita gente”, concorda Vilela da BETC. “Hoje funk toca em festa de casamento chique”
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