Globo investe com recursos próprios

O lucro consolidado da Globo Comunicação e Participações (GCP), maior grupo de mídia do Brasil, foi de R$ 752,5 milhões em 2019. O resultado representa queda de 37,2% em relação ao R$ 1,2 bilhão registrado em 2018. Mas a empresa enfrentou o ano desafiador de 2019 mantendo pesados investimentos na sua transformação digital e, a despeito da queda de receita publicitária, chegou ao fim do exercício com uma posição de caixa equivalente a três vezes o valor da dívida. O baixo crescimento econômico do Brasil no ano passado não influiu em sua estratégia. A GCP financiou os investimentos em conteúdo e tecnologia com recursos próprios a partir das margens dos negócios tradicionais, sem ter que incorrer em novas dívidas, disse Manuel Belmar, diretor-geral de finanças da Globo. 

A receita líquida consolidada da GCP foi de R$ 14,1 bilhões, queda de 4% sobre os R$ 14,7 bilhões de 2018. Belmar disse que o mercado de publicidade, que responde por cerca de 60% do total de receitas da empresa, mostrou-se menos aquecido do que se esperava no fim de 2018. O primeiro semestre de 2019 foi “particularmente fraco”. “Percebemos alguma recuperação ao longo do ano e conseguimos crescer bem na publicidade digital, o que indica que estamos no caminho certo”, disse Belmar. 

No ano passado, a queda da receita de publicidade foi de 8%, parcialmente compensada por um crescimento de 2% nas receitas de conteúdo, que representam os restantes 40% do faturamento da GCP. O destaque ficou por conta do Globoplay, serviço de streaming da Globo, cujas receitas cresceram 55% em apenas um ano, bem acima dos concorrentes diretos. 

O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) ficou em R$ 1 bilhão no ano passado, queda de 29% sobre 2018. A margem Ebitda foi de 7% ante 10% no ano anterior. Belmar disse que, mesmo em um cenário em que as receitas não responderam da forma desejada, “optamos por conter as demais despesas, que tiveram crescimento discreto entre os anos, para assegurar os recursos necessários para os investimentos, evitando incorrer em qualquer endividamento novo”. Em termos consolidados, as despesas de vendas e administrativas aumentaram 5%, enquanto os custos caíram 3%. 

Até dezembro de 2019, a dívida da companhia era composta, estruturalmente, de três emissões de bonds, com vencimento nos anos de 2022, 2025 e 2027, somando, no total, US$ 825 milhões, valor três vezes menor do que a posição de caixa. Em janeiro de 2020, a empresa aproveitou oportunidade de mercado e trocou a posição que venceria em 2022, de US$ 300 milhões, por uma nova emissão, com vencimento em 2030. Belmar disse que a demanda dos investidores, incluindo fundos de investimento, gestoras e bancos, chegou a US$ 3,4 bilhões, o que levou a GCP a aumentar o valor da emissão para US$ 500 milhões. O custo da operação foi de 4,875% ao ano em dólar, comparável às taxas da época em que o Brasil tinha grau de investimento, disse Belmar. 

O executivo afirmou que a companhia tem uma estratégia “conservadora” em termos de gestão de dívida, o que se traduz, segundo ele, na solidez do balanço. “É isso que foi valorizado pelos investidores que se interessaram pela emissão [de janeiro]”, afirmou. Acrescentou que a empresa tem política de proteção contra a variação cambial, com operações de “swap” para parte da dívida que vence em 2025 e 2027, além de uma política de “hedge” que olha sempre dois anos para além do vencimento das obrigações operacionais e financeiras. A empresa busca trabalhar com prazo médio de vencimento da dívida entre sete e dez anos. 

Hoje a GCP divulga o balanço de 2019 ao mercado, com os números divididos entre controladora e consolidado. A GCP controladora, uma holding operacional, reflete os resultados das empresas TV Globo (aberta), Som Livre e Globo.com. Já os números consolidados da GCP incluem outras duas companhias – a Globosat, divisão de conteúdo de TV paga do Grupo Globo, e a G2C, comercializadora de conteúdos. 

Em 2019, a GCP controladora teve prejuízo operacional de R$ 572,5 milhões. Esse resultado, porém, transforma-se em lucro líquido de R$ 752,5 milhões na controladora quando considerados os efeitos de receita financeira (R$ 717,8 milhões) e de equivalência patrimonial (R$ 959,9 milhões). A equivalência patrimonial reconhece o resultado dos investimentos na Globosat, 100% controlada pela GCP. Belmar disse que a Controladora vem absorvendo os investimentos feitos em conteúdo e tecnologia, os quais são reconhecidos diretamente no resultado. São custos e despesas que tornam o resultado negativo do ponto de vista operacional na controladora. “É um resultado em linha com aquele apresentado em 2018, quando os investimentos em conteúdo e tecnologia já estavam aumentando”, disse o executivo. 

O balanço de 2019 ainda reflete a estrutura antiga, antes das mudanças societárias no grupo que levaram à integração de vários negócios, especialmente da Globosat, na GCP, o que ocorreu a partir de 1o de janeiro de 2020. Belmar disse que, à luz da estratégia atual, essa avaliação da Controladora dissociada do consolidado não faz mais sentido. No resultado deste ano, a diferença nos resultados entre GCP controladora e consolidado devem ser “irrelevantes”, afirmou. 

A integração da Globosat com as demais empresas da GCP permite ter a visão de empresa única, que é a Globo, com benefícios qualitativos e econômicos, disse Belmar. É possível, por exemplo, alinhar a estratégia de conteúdo, do negócio, afirmou. Por outro lado, do ponto de vista econômico, são asseguradas sinergias, em termos de custos operacionais. No modelo antigo, com estruturas separadas em empresas diferentes, havia “redundâncias” em áreas como finanças, vendas, comunicação e recursos humanos, disse Belmar. 

A GCP tem no total cerca de 15 mil colaboradores. Em termos de audiência, só a TV Globo (aberta) alcança mais de 100 milhões de pessoas por dia. E nas propriedades digitais do grupo – G1, GE, GShow, Globoplay e o “fantasy game” Cartola FC – o alcance é de 100 milhões de pessoas diferentes todo mês. Fora dessa estrutura integrada da GCP ficaram a Editora Globo, o braço de mídias impressas do Grupo Globo, do qual o Valor faz parte, e a Globo Ventures, voltada a investimentos em portfólio digital. 

As expectativas de retomada da economia do país em 2020 estão ficando mais remotas, à medida que a crise mundial se aprofunda, arrastada agora pela pandemia do coronavírus. Mas o grupo decidiu manter os investimentos em conteúdo e tecnologia, por entender que a transformação digital é essencial para o futuro do negócio. “A Globo, pela sua posição e pela sua relevância no mercado brasileiro, está antenada com os movimentos de transformação que vão pelo mundo da mídia e não poderia ser diferente”, disse Belmar. É um movimento semelhante, comparou, ao que outros grupos de mídia estão fazendo, como Disney, Viacom CBS e AT&T Time Warner. 

Nesse contexto, Belmar disse que a GCP dirige sua estratégia para atuar como “media tech” company, com foco tanto na produção de conteúdo como de tecnologias que permitam fazer ofertas de conteúdo mais adequadas ao público, de acordo com suas preferências. A “revolução” da tecnologia e dos dados trouxe a necessidade de uma maior proximidade com o consumidor final. Essa realidade, diz ele, faz com que, embora o B2B ainda seja importante, esses ecossistemas de negócios passem a coexistir com novos modelos que privilegiam a relação direta com o consumidor, o D2C (Direct to Consumer). “Isso requer pesados investimentos, tanto em tecnologia como em conteúdo. Estamos trabalhando para construir a melhor combinação entre o já reconhecido conteúdo premium da Globo com uma experiência de uso digital superior, que possa ser comparada à dos melhores players do mundo”, disse Belmar. 

Na visão dele, os resultados obtidos, seja com Globoplay, seja no mundo da publicidade digital, transmitem a confiança de que, uma vez concluído o ciclo de investimentos, em dois ou três anos, a empresa vai retomar patamares de lucratividade registrados em anos anteriores. É um cenário em que a economia precisa ajudar, mas Belmar mostra-se otimista, apesar das incertezas: “Somos verdadeiros torcedores pelo Brasil. Somos uma empresa brasileira e o Brasil e os brasileiros estão no centro de nossa estratégia. Quanto melhor o Brasil for, melhor as empresas irão performar.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/17/globo-investe-com-recursos-proprios.ghtml

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