Mais países fecham suas fronteiras na Europa, agora epicentro da pandemia do coronavírus, ao mesmo tempo em que a União Europeia (UE) agora impulsiona os países membros a gastar mais, deixando os limites de lado, para neutralizar os efeitos na economia. A Alemanha (mais de 5.800 casos e 11 mortos) e a França (mais de 5.400 casos e 127 mortos) anunciaram que não faltará dinheiro para ajudar as companhias em situação difícil.
A vida cotidiana praticamente parou no velho continente. Com restrições mais rigorosas por parte de governos e empresas, e o distanciamento social recomendado, as ruas estão quase vazias, bares sem clientes, e até os enterros limitados aos mais próximos do falecido.
A propagação do vírus acelerou na Espanha e o governo colocou a população inteira em quarentena – quase 47 milhões de pessoas. As sanções, para quem desrespeitar as restrições de sair à rua, variam de multas à prisão.
Ontem, a Áustria ampliou a proibição de reuniões a um nível drástico: não mais de cinco pessoas podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. Na Suíça, a recomendação é ainda de reunião com não mais de 100 pessoas. A Alemanha vai fechar parcialmente as fronteiras com a Suíça, França e Áustria a partir de hoje.
Em Genebra, a Organização Mundial de Comércio (OMC) anunciou ontem que todas as reuniões foram suspensas até fim de abril. Na Comissão Europeia, em Bruxelas, funcionários estão trabalhando a partir de casa. O presidente do Parlamento Europeu, o italiano David Maria Sassoli, entrou em quarentena e suspendeu a visita que receberia do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Rodrigo Maia.
A solidariedade manifestada em discursos na Europa se contrapôs até agora as medidas nacionais restritivas. França e Alemanha limitaram a exportação de material médico, incluindo máscaras e luvas, para a Itália, um dos países com maior incidência do vírus. Áustria, República Tcheca, Eslováquia, Polônia e Dinamarca fecharam seus territórios à entrada de italianos.
Em meio ao pânico com o avanço do vírus, os países desrespeitam regras básicas do mercado comum, de livre circulação de mercadorias e de pessoas. A França decidiu formar estoques estratégicos, conservando os materiais médicos de proteção alegando que lutava contra a especulação e para abastecer seu pessoal médico, pesquisadores em laboratórios e os doentes. A Alemanha também buscar formar estoques de mascaras e outros materiais de proteção.
Na sexta-feira, a situação na Itália, que registra mais de 1.800 mortos, fez a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, reagir à chamada guerra das máscaras. O comissário de Mercado Interno, o francês Thierry Breton, reclamou que, embora fosse compreensível a razão inicial da interdição à exportação, isso era inaceitável e insistiu que a propagação do vírus “nos coloca numa situação muito diferente agora”. “Devemos impedir a interrupção da entrega de material de proteção àqueles tem precisam, em qualquer lugar na Europa.”
No sábado, a Alemanha autorizou o envio de um milhão de máscaras e outros materiais de proteção para a Itália. Mas o sentimento é de que a solidariedade veio mesmo da China, que socorreu simbolicamente a Itália com uma equipe de nove médicos e 30 toneladas de material médico. “Não estamos sozinhos, há outras pessoas no mundo que querem ajudar a Itália”, reagiu o ministro italiano das Relações Exteriores, Luigi Di Maio.
A Comissão Europeia refez os cálculos e agora considera que a pandemia custará à Europa cerca de 2,5 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, mergulhará na recessão. Em vez do crescimento projetado de 1,4% neste ano, a expectativa agora é de contração de 1%.
É com a ideia de intervir sem limites que os ministros de finanças da UE se reunirão amanhã. O relaxamento das metas do pacto de estabilidade, para os países poderem gastar mais, deve ser bem recebido pelos mercados e empresas.
A França anunciou que está pronta para gastar bilhões de euros para ajudar as companhias a superar as dificuldades econômicas causadas pela epidemia.
“Haverá todo o dinheiro que for necessário”, afirmou ontem o ministro de Finanças, Bruno Le Maire, na TV France 2, insistindo que o Estado vai proteger as empresas.
O plano de “socorro econômico” é estimado entre € 30 bilhões e € 40 bilhões, segundo o jornal francês “Les Echos”, de Paris.
A Itália pode precisar de uma flexibilização adicional de € 50 bilhões de euros. Para analistas, tudo isso é apropriado, diante do choque de oferta e demanda.
“A Europa está finalmente avançando na direção certa, mesmo sendo muito devagar”, diz Alessandro Merli, pesquisador da Johns Hopkins University (EUA).
Ele aponta a mudança de atitude da Alemanha, que até algumas semanas atrás insistia em manter superávit nas contas públicas. Agora Berlim anunciou quase € 600 bilhões através de um instrumento inovador de garantia pública por meio do banco estatal Kfw.
A Alemanha resistia aos apelos para elevar os gastos quando achava que o problema era dos outros. Agora entendeu que as consequências do vírus são enormes para todo mundo, dizem analistas.
Para o banco UBS, políticas monetária e fiscal podem fazer pouco para neutralizar o impacto econômico do vírus no curto prazo. Mas que poderão facilitar uma recuperação depois.
Daniel Gross, diretor do “Centre for European Policy Studies”, em Bruxelas, considera que, diante do severo choque, as autoridades devem agir, e mostrar que estão agindo. Mas que, nesse caso, os instrumentos macroeconômicos tradicionais dificilmente funcionarão. Bancos centrais e governos devem explicar isso ao público, e depois focar suas atenções no “trabalho menos glamoroso de salvaguardar a saúde pública, a renda das famílias e o sistema financeiro”.
O instituto de pesquisa Bruegel, em Bruxelas, preparou uma nota sobre uma efetiva resposta econômica ao coronavírus na Europa, a pedido da Croácia, na presidência rotativa da UE, para a reunião de hoje dos ministros de Finanças. Seus analistas sugerem que as autoridades nacionais forneçam uma rede de proteção (safety net) generalizada para a economia. Diante da severidade da situação, os ministros de Finanças europeus podem concordar em cortar à metade todas as contribuições sociais por três meses, por exemplo. Isso seria um incentivo para preservar empregos e proporcionaria impulso à economia.