Gastos da China com energia verde estão causando saturação global

Os mais novos fabricantes chineses de equipamentos para a geração de energia solar incluem um produtor de leite e um fabricante de brinquedos. Os novos concorrentes são exemplos de uma explosão de gastos com energia verde na China que está alimentando o rápido desenvolvimento das energias renováveis no país, ao mesmo tempo que cria um excesso de oferta de componentes solares que está se espalhando pelo setor e afetando as tentativas de desenvolver essa produção em outros lugares, especialmente na Europa. 

Desde o começo do ano, os preços do polissilício chinês, o componente básico para a produção de painéis solares, caíram 50% e os dos painéis 40%, segundo dados da Opis, uma empresa que monitora dados e é controlada pela Dow Jones. 

Dentro da China, algumas companhias temem que uma “bolha verde” esteja prestes a estourar. A economia chinesa, guiada pelo Estado, investiu quase US$ 80 bilhões na produção de energia limpa no ano passado, cerca de 90% dos investimentos mundiais nesta área, segundo estimativa da BloombergNEF. Os gastos anuais do país com as energias limpas em geral aumentaram mais de US$ 180 bilhões por ano desde 2019, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). 

A corrida por financiamentos atraiu uma variedade incomum de empresas para esse movimentado negócio. No terceiro trimestre, a gigante chinesa dos laticínios Royal Group anunciou planos para três novos projetos: uma fazenda com 10 mil vacas leiteiras, uma unidade de processamento de produtos lácteos e uma fábrica de US$ 1,5 bilhão para a produção de células e painéis solares. 

“A indústria da energia solar vai melhorar no longo prazo e o mercado potencial é enorme”, escreveu o Royal Group em um documento em que esboçou o projeto no ano passado. Mais recentemente, o Royal Group disse que quer criar sinergias entre seus principais negócios agrícolas e a energia fotovoltáica, e “promover a tecnologia solar para capacitar os produtores de laticínios a reduzir os custos e aumentar a eficiência”, segundo disse a companhia em uma resposta ao diário americano “The Wall Street Journal”. 

O Royal Group não foi o único a aderir à onda da energia solar na China nos últimos dois anos. Outros novatos incluem uma rede de joalherias, uma fabricante de equipamentos para controle de poluição e uma companhia de produtos farmacêuticos. 

Os recém-chegados estão ajudando um ambicioso esforço da China na energia solar – só neste ano o país deverá instalar uma capacidade de geração de energia solar igual a capacidade total dos Estados Unidos, segundo estima a Rystad Energy. 

Enquanto isso, as exportações chinesas de tudo que vai de baterias e veículos elétricos a painéis solares a turbinas eólicas aumentaram, provocando polêmica em lugares como a Europa e os EUA, que estão tentando desenvolver suas próprias produções internas de energias limpas. 

Efeitos em todo os mundo. Na energia solar, o investimento é um motivo importante para o enorme excesso de oferta de componentes e a queda nos preços que estão afetando os lucros de fabricantes do mundo todo. Muitas empresas chinesas de energia solar já estabelecidas estão alertando que as consequências poderão ser amargas, com prejuízos e falências. 

“O setor inteiro está para entrar em uma fase eliminatória”, disse a Longi Green Energy Technology, uma das maiores empresas da área de energia solar da China, em seu relatório financeiro semestral divulgado em agosto. 

Pelo menos 13 empresas, incluindo as líderes setoriais chinesas Jinko Solar, Trina Solar e Canadian Solar, suspenderam seus planos de ampliação da capacidade de produção, segundo a TrendForce, uma firma de inteligência de mercado que tem sede em Taiwan. 

Muitos fabricantes chineses vêm tentando se desfazer de estoques a preços de banana na Europa, um dos poucos grandes mercados de energia solar sem tarifas ou outras barreiras às importações de painéis solares. Embora os desenvolvedores de energia solar europeus estejam satisfeitos, os fabricantes da região, já pressionados, estão reclamando. 

Alguns produtores europeus já enfrentavam desafios internos, como a lentidão na concessão de licenciamentos, uma falta de mão de obra capacitada e os altos custos da energia, tornando difícil competir com os concorrentes chineses. 

O excesso de oferta foi intensificado pelas barreiras às importações na Índia e nos EUA, que frustraram as previsões dos fabricantes chineses e deixaram seus painéis vegetando em portos e depósitos. Os EUA mostraram ser particularmente imprevisíveis com a ameaça de imposição de impostos antidumping e a implementação da Lei de Prevenção ao Trabalho Forçado Uigur, que acabou impedindo a entrada no país de painéis feitos com polissilício chinês. 

A indústria chinesa de produção de energia solar já passou por altos e baixos antes e teve sua cota de participantes iniciantes e estranhos. A Tongwei Solar começou como fornecedora de ração para peixes que adquiriu uma fabricante de painéis solares durante a recessão de 2013 para complementar seu negócio de aquicultura com parques solares. Hoje, a Tongwei Solar é a maior fabricante de polissilício do mundo. 

Desta vez, mais de 70 companhias de capital aberto – que vão de moda, produtos químicos e imóveis a eletrodomésticos – entraram no setor solar em 2022, segundo dados da companhia de inteligência InfoLink. 

Em fevereiro, a Zhejiang Ming Jewelry, que administra 1.000 joalherias especializadas em ouro na China, anunciou planos de investir US$ 1,5 bilhão para construir uma fábrica de células solares. Em agosto, a fabricante de brinquedos Mubang High-Tech anunciou uma joint venture com o governo local para uma base de produção de células solares de US$ 660 milhões. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/11/22/gastos-da-china-com-energia-verde-estao-causando-saturacao-global.ghtml

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