As gigantes de tecnologia da atualidade foram erigidas com base na inovação – só que nem sempre a delas. Em momentos cruciais de sua história, Google e Facebook fizeram aquisições bem pensadas, de empresas menores que amplificaram o crescimento de ambas ou tiraram de cena o que seriam futuros concorrentes.
Agora essa estratégia depara-se com grandes obstáculos. O mais novo sinal veio no mês de novembro, quando o Departamento de Justiça entrou com processo para impedir a compra do grupo Plaid, de tecnologia de serviços financeiros, pela Visa, por US$ 5,3 bilhões. O negócio “precisa ser impedido”, alegaram os advogados do governo, pois “eliminaria uma nascente ameaça competitiva que provavelmente resultaria em economias substanciais e serviços de débito on-line mais inovadores para comerciantes e consumidores”.
A Visa controla cerca de 70% das transações de débito on-line nos Estados Unidos. A Plaid, fundada em 2013 como uma programadora de softwares que compartilham dados financeiros entre contas bancárias e aplicativos de terceiros, não está presente no mercado de meios de pagamento, mas vem desenvolvendo sua própria ferramenta de débito.
O Departamento de Justiça “apimentou” o processo com mensagens de executivos da Visa aparentemente incriminadoras. Adquirir a Plaid quando ela se prepara para lançar uma “ameaça” aos “importantes negócios de débito” da Visa nos EUA seria uma “apólice de seguros”, disse o CEO da empresa, Al Kelly, a seu diretor de finanças.
Por mais chamativa que seja a declaração, ela não tem muita força em termos concretos. O problema está na palavra “nascente”.
“Normalmente, nas fusões que levantam preocupações, uma empresa tem 40% e a outra tem 30% [do mercado]”, diz George Hay, professor e especialista antitruste na Cornell Law School. “Aqui, não há nada disso. Não importa como você defina o mercado, a Plaid é minúscula. Não há muita jurisprudência sobre aquisições de companhias muito pequenas que possam crescer e virar um competidor em potencial.”
Como destaca Hay, a argumentação do governo tem uma faceta adicional que poderia provar-se mais eficiente: atacar a Visa como monopolista. O principal motivo pelo qual o Departamento de Justiça deverá conseguir o que quer, contudo, não tem nada a ver com os méritos do caso. As empresas tendem a desistir de fusões em vez de lutar contra o governo na Justiça, mesmo quando têm boas chances de vitória.
A maioria das empresas não precisa ser processada para saber que o humor em Washington mudou. Em 2007, a compra da plataforma de anúncios na internet DoubleClick pelo Google foi aprovada pelas autoridades de concorrência. As aquisições dos aplicativos de fotos Instagram, em 2012, e de mensagens WhatsApp, em 2014, pelo Facebook receberam sinal verde. Nas últimas semanas, no entanto, foi noticiado que a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, na sigla em inglês) está revisando essas aquisições; e que o Departamento de Justiça processou o Google, acusando-o de proteger ilegalmente seu monopólio na publicidade atrelada a buscas na internet. E parlamentares têm dito que gigantes de tecnologia devem ser desmembradas.
Esse novo clima predominante esfriou o ânimo na busca de alvos de aquisição. Um funcionário de uma “big tech” lembra-se de ter sido alertado, na época de uma possível transferência para a equipe de fusões e aquisições há quatro anos, de que a área já não seria um lugar vibrante para trabalhar. Isso se confirmou.
Dados da Dealogic mostram que 2014 foi o pico das aquisições, tanto em número de negócios quanto em dólares, promovidas por Facebook, Amazon, Apple, Netflix, Alphabet e Microsoft: um total de US$ 37 bilhões, em 77 transações.
Em 2019, o total caiu para US$ 10 bilhões, em 48 negócios, apesar do poder de fogo combinado dessas empresas ser muito maior, graças a seus fortes lucros e às cotações nas alturas. Neste ano, os gastos aumentaram para US$ 19 bilhões, mas essa alta foi amplificada pelo interesse do Vale do Silício por participações minoritárias na Reliance Jio, da Índia. O número de transações voltou a cair, para 44.