A União Europeia proporá aos EUA que aproveitem uma oportunidade “única em uma geração” de criar uma nova aliança global. Trata-se de um projeto detalhado para enterrar as tensões da era Trump e enfrentar o “desafio estratégico” representado pela China.
Um plano preliminar da União Europeia (UE) para revitalizar a parceria com os EUA, a que o “Financial Times” teve acesso, propõe nova cooperação em várias áreas, desde regulamentação digital e gestão da pandemia de covid-19 até o combate ao desmatamento.
A minuta, elaborada pela Comissão Europeia, diz que a parceria UE-EUA precisa de “manutenção e renovação” para que o mundo democrático afirme seus interesses contra “potências autoritárias” e “economias fechadas [que] exploram a abertura de que as nossas sociedades dependem”.
A versão preliminar do conjunto de propostas de políticas públicas, de 11 páginas, intitulada “uma nova agenda UE-EUA para a mudança global”, inclui um apelo para que a UE e os EUA deixem de brigar em torno das persistentes fontes de tensão bilateral, como a investida da Europa em favor de uma maior taxação das gigantes americanas da tecnologia.
O documento propõe que a UE e os EA juntem forças para moldar o ambiente regulatório digital, inclusive por meio da adoção de enfoques conjuntos em torno da fiscalização do cumprimento das normas antitruste e de proteção de dados, pela cooperação na triagem de investimentos estrangeiros em setores sensíveis e na colaboração no combate a ameaças como ataques de “hackers”.
Outras partes do estudo defendem a cooperação no desenvolvimento e na disseminação das vacinas de combate à covid-19 e o trabalho conjunto para reformar a Organização Mundial de Saúde (OMS), um órgão da ONU.
O projeto reflete o otimismo e a clara sensação de alívio da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE sediado em Bruxelas, diante da perspectiva de trabalhar com o novo governo dos EUA, mas também preocupação com a possibilidade de que anos de aspereza nas relações tenham permitido que o governo da China assumisse a iniciativa geopolítica.
O documento apoia a ideia do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, de realizar uma cúpula das democracias, e diz que a nova agenda bilateral deveria ser “o fundamento de uma nova aliança mundial entre parceiros dotados de ideias afins”.
O documento, formulado conjuntamente pela Comissão e o alto representante de política externa da UE, deverá ser apresentado para endosso pelos líderes nacionais num encontro agendado para os dias 10 e 11 de dezembro. Sugere uma Cúpula UE- EUA, a realizar-se no primeiro semestre de 2021, como o momento para lançar a nova agenda.
Uma das grandes frustrações da UE durante a gestão de Donald Trump foi a relutância do governo americano em coordenar as reações das duas potências à China, em vista da opção, pela Casa Branca, de adotar medidas comerciais unilaterais não só contra Pequim como também contra a UE.
Diz a minuta: “Como sociedades democráticas e economias de mercado abertas, a UE e os EUA concordam acerca do desafio estratégico representado pela crescente afirmação internacional da China, apesar de nem sempre concordarmos em torno da melhor maneira de enfrentar a questão”.
A adoção de uma linha mais comum dependerá significativamente da capacidade das duas economias de superar as divisões existentes quanto à política voltada para a tecnologia – um dos principais focos do estudo. A Comissão Europeia vê potencial para uma cooperação com os EUA para enfrentar questões que vão desde os investimentos chineses até empresas inovadoras da UE e dos EUA, passando pela ameaça potencial representada pela dianteira chinesa em tecnologias 5G.
“Ao usar nossa influência conjunta, o espaço tecnológico transatlântico deverá formar a espinha dorsal de uma coalizão mais ampla de democracias dotadas de ideias afins”, diz o documento.
Algumas das propostas delineadas na minuta exigirão uma clara guinada da política dos EUA. A Comissão Europeia, por exemplo, defende um esforço conjunto para restabelecer o pleno funcionamento do sistema de resolução de conflitos da Organização Mundial de Comércio (OMC), coisa que dependerá de o governo americano deixar de barrar nomeações de juízes.
A proposta preliminar destaca ainda potenciais obstáculos a uma cooperação mais estreita entre UE e os EUA representada por discordâncias tanto entre os dois países quanto no âmbito do próprio bloco europeu. As grandes empresas de tecnologia (as “Big Techs”) continuam sendo um possível ponto crítico das relações entre UE e EUA e um complicador a qualquer posição conjunta contra a China.
A posição da Comissão Europeia em temas como direitos de proteção de dados, aumento da concorrência no setor e reforma da taxação sobre as Big Techs exigirá medidas contra as grandes empresas americanas que dominam esse setor de tecnologia.
A observação da minuta de que a UE e os EUA “nem sempre concordam” sobre como lidar com a China é um reconhecimento de como a estratégia tridirecional oficial do bloco europeu, de cooperação, competição e rivalidade com Pequim, é menos dura do que a política de Washington, que hoje tem o apoio dos dois partidos americanos.
Embora as instituições e países-membros da UE tenham, de modo geral, ficado mais céticos com relação à China, principalmente à medida que a diplomacia chinesa se tornou mais agressiva durante a pandemia, ainda há relutância em relação a um confronto abrangente.