A gigante chinesa de tecnologia Huawei há muito não questiona seu papel na vigilância estatal da China, dizendo que apenas vende equipamentos de rede de uso geral. Mas uma análise do Washington Post de mais de 100 apresentações do Huawei PowerPoint, muitas marcadas como “confidenciais”, sugere que a empresa teve um papel mais amplo no rastreamento da população da China do que reconhece.
Essas apresentações de marketing, postadas em um site público da Huawei antes que a empresa as removesse no fim do ano, expõem como a companhia defendia suas tecnologias como ferramentas para ajudar as autoridades governamentais a identificar indivíduos por voz, monitorar alvos políticos de interesse, administrar reeducação ideológica e cronogramas de trabalho para prisioneiros e ajudar os varejistas a rastrear compradores usando o reconhecimento facial.
“A Huawei não tem conhecimento dos projetos mencionados na reportagem do Washington Post”, disse a empresa em um comunicado, depois que o jornal americano compartilhou alguns dos slides com representantes da Huawei para obter comentários. “Como todos os outros grandes provedores, a Huawei fornece serviços de plataforma em nuvem que estão em conformidade com os padrões comuns da indústria.”
A divergência entre as negativas públicas da Huawei de que não sabe como sua tecnologia é usada pelos clientes e os relatos detalhados das operações de vigilância em slides com a marca d’água da empresa evidencia as preocupações de longa data sobre a falta de transparência do maior fornecedor mundial de equipamentos de telecomunicações.
A Huawei há muito tempo criticada por ser mais próxima do governo chinês do que afirma. Vários governos ocidentais bloquearam o equipamento da Huawei em suas novas redes de telecomunicações 5G com a preocupação de que a empresa pudesse ajudar Pequim com coleta de inteligência, o que a Huawei nega.
Os novos detalhes sobre os produtos de vigilância da Huawei surgem em meio a preocupações crescentes na China e em todo o mundo sobre as consequências do reconhecimento facial generalizado e outros rastreamentos biométricos. Mesmo enquanto o Partido Comunista Chinês continua a confiar em tais ferramentas para erradicar a dissidência e manter seu regime de partido único, ele alertou contra o uso indevido de tecnologias no setor privado.
Nos últimos meses, sob pressão de Pequim, a Huawei e outros gigantes da tecnologia prometeram não abusar do reconhecimento facial e outras ferramentas de vigilância, quando uma nova lei de proteção de dados pessoais entrou em vigor.
O Facebook disse em novembro que encerraria seu sistema de reconhecimento facial e excluiria modelos faciais de mais de 1 bilhão de pessoas, citando preocupações crescentes sobre a tecnologia. No ano passado, a Microsoft, a IBM e a Amazon anunciaram que não venderiam software de reconhecimento facial para a polícia até que houvesse regulamentação federal, e o Zoom removeu uma função de rastreamento da atenção do funcionário.
A Huawei disse em seu comunicado que não desenvolve ou vende sistemas voltados para um grupo específico de pessoas e que exige que todas as partes do negócio, bem como os parceiros, cumpram as leis aplicáveis e a ética nos negócios. “A proteção da privacidade é nossa maior prioridade”, disse a empresa.
O Post revisou mais de 3 mil slides de PowerPoint das apresentações que descrevem projetos de vigilância co-desenvolvidos pela Huawei com fornecedores parceiros. O jornal não conseguiu confirmar a quem as apresentações em chinês foram mostradas ou quando.
Alguns dos slides mostram funções de vigilância específicas da polícia ou de agências governamentais, sugerindo que as autoridades governamentais chinesas podem ter sido o público-alvo. Muitos dos PowerPoints têm um carimbo de data/hora de criação de 23 de setembro de 2014, com as últimas modificações nos arquivos feitas em 2019 ou 2020, de acordo com os metadados das apresentações.
A embaixada chinesa em Washington disse que as críticas à Huawei não têm fundamento. “A Huawei há muito expressou publicamente sua disposição de assinar um acordo ‘sem porta dos fundos’ e de criar um centro de avaliação de segurança cibernética em qualquer país para receber escrutínio externo”, disse. “Até agora, nenhuma outra empresa assumiu o mesmo compromisso.”
O Ministério de Segurança Pública da China, o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação e o Gabinete de Informação do Conselho de Estado não responderam aos pedidos de comentários.