Dinâmicas políticas em ebulição no Oriente Médio

Gunther Rudzit, Coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios em Oriente Médio (NENOM)

As dinâmicas de segurança e política voltaram a ser foco de preocupação no Oriente Médio. Os dois processos de cessar-fogo acordados entre o governo de Israel e o Hamas, e entre Israel e o Hezbollah, foram rompidos, o que, embora não surpreenda, agrava ainda mais a instabilidade na região. Além disso, a tensão política volta a ser um fator que pesa contra governos democráticos.

Do ponto de vista da segurança, o primeiro acordo foi firmado entre os governos de Israel e do Líbano, que representava os interesses do país e do grupo fundamentalista Hezbollah. Esse acordo, estabelecido em 27 de novembro do ano passado, previa o fim dos ataques por ambas as partes e a retirada das forças do Hezbollah do sul do Líbano até o rio Litani. Com isso, aproximadamente 5.000 soldados das forças militares libanesas seriam enviados para a região a fim de supervisionar a implementação do tratado. Essa foi a primeira vez em décadas que soldados libaneses passaram a controlar o sul do Líbano, uma área historicamente sob controle militar do Hezbollah.

Desde novembro, essa frente estava tranquila, mas, na sexta-feira (28/03), dois foguetes foram lançados do território libanês em direção a Israel. Um foi interceptado pelas defesas antiaéreas israelenses, enquanto o outro falhou e caiu em solo libanês. Esse ato foi considerado uma violação do cessar-fogo entre Israel e o Líbano, levando as Forças de Defesa de Israel (FDI) a retaliar. Apesar de o Hezbollah negar envolvimento no ataque, as FDI anunciaram que os moradores de um prédio em Hadath, bairro de Beirute, deveriam evacuar o local. Horas depois, o edifício foi atacado sob a alegação de ser uma fábrica de drones do Hezbollah.

Os drones, inclusive, têm violado quase diariamente o espaço aéreo do norte de Israel, provocando reações militares. Os ataques israelenses visam alvos e indivíduos que, segundo as FDI, estão impedindo o rearmamento do Hezbollah.

Esses eventos evidenciam a dificuldade do governo libanês, em especial do exército, em controlar efetivamente seu próprio território em uma região dominada por grupos fundamentalistas há décadas. Além do Hezbollah, Hamas e Jihad Islâmica também operam na área com o objetivo de atacar o norte de Israel, tornando a paz entre israelenses e libaneses praticamente inalcançável.

O outro rompimento do cessar-fogo ocorreu na Faixa de Gaza, onde Israel retomou bombardeios. O cessar-fogo entre o governo israelense e o Hamas, estabelecido em 15 de janeiro, consistia em três fases. A primeira foi cumprida quase integralmente, com o fim dos bombardeios, a retirada parcial das tropas israelenses, a entrada de ajuda humanitária e a troca de prisioneiros palestinos por reféns capturados no ataque terrorista de 10 de outubro de 2023.

Contudo, as negociações para a segunda fase, que previa um cessar-fogo permanente mediante a liberação dos militares israelenses ainda em cativeiro, fracassaram devido à recusa do Hamas em libertá-los. Em resposta, as FDI retomaram os ataques entre os dias 17 e 18 de março, mirando lideranças e comandantes de médio escalão, além da infraestrutura operacional do grupo. Essas operações resultaram na morte de mais de 400 civis. Paralelamente, operações terrestres foram iniciadas, intensificando a pressão política.

Internamente, Israel enfrentou protestos massivos. Milhares de israelenses foram às ruas contra o governo, alegando que o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, priorizava sua sobrevivência política em detrimento da vida dos reféns. Essa percepção foi reforçada pela destituição do chefe do Shin Bet, serviço de inteligência interna, em uma decisão cuja legalidade é questionada. Paralelamente, o Parlamento aprovou uma legislação que amplia o poder político sobre a escolha dos juízes da Suprema Corte, reacendendo a polarização que dividia o país antes do ataque do Hamas em 2023.

Na Faixa de Gaza, pela primeira vez, palestinos se mobilizaram pedindo o fim da guerra e a saída do Hamas do poder. Embora os números sejam incertos, imagens mostram centenas de homens protestando. Militantes do Hamas reprimiram os atos, acusando os manifestantes de serem infiltrados israelenses. Mesmo que o Hamas não perca o controle da região, seu enfraquecimento já provoca mudanças políticas, semelhantemente ao que ocorre no Líbano com o Hezbollah.

A maior mudança, no entanto, ocorreu na Turquia. Em 19 de março, o prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, do Partido Republicano do Povo, opositor do presidente Recep Tayyip Erdogan, foi preso sob acusações de corrupção, extorsão, lavagem de dinheiro e apoio ao terrorismo. Imamoglu liderava algumas pesquisas contra Erdogan, o que gerou revolta entre seus apoiadores.

Milhares de pessoas saíram às ruas em Istambul e outras cidades turcas, sendo duramente reprimidas pela polícia, que prendeu mais de 1.900 manifestantes. No campo diplomático, a reação foi tímida: apenas a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu se manifestaram. Nenhum governo europeu ou os Estados Unidos emitiram declarações formais, salvo um breve pronunciamento do secretário de Estado, Marco Rubio, após a prisão do advogado de Imamoglu.

A região atravessa um momento de intensa instabilidade. Israel, como uma democracia ocidental, enfrenta divisões internas profundas. O Hamas, sob pressão inédita, poderá reagir de maneira imprevisível. E a Turquia, com Erdogan, continua em retrocesso democrático.

Diante da desintegração da ordem internacional e da ascensão de uma nova “lei da selva”, a moderação advinda por influência de Washington é improvável. As pressões podem culminar em uma nova ebulição política na região, restando saber onde e como isso ocorrerá.

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