Desaceleração na China afeta negócios em todo o mundo

A desaceleração da economia chinesa está afetando seus parceiros comerciais no mundo inteiro. As dificuldades enfrentadas pelo governo chinês com suas fragilidades internas, entre as quais um enorme acúmulo de dívidas, o excesso de investimento e as restrições às empresas privadas, combinadas com a tensão comercial estão pesando sobre a segunda maior economia do mundo, que viu seu crescimento cair para o ritmo mais lento em 30 anos.
A queda da produção industrial e do consumo está afetando os volumes adquiridos pela China de empresas dos demais países asiáticos, dos EUA e da Europa. E esse desaquecimento está tendo reflexos que vão muito além dos índices de ações, afetando o crescimento econômico de países distantes.
Anos de crescimento acelerado transformaram a China em relevante parceira comercial de países do mundo inteiro. Nos últimos dez anos, o país respondeu por 20% do crescimento total das exportações e importações mundiais e desempenhou papel fundamental na sustentação da demanda durante períodos de fragilidade, como a crise financeira da zona do euro.
Assim, a fragilidade da economia da China é sentida em todo o mundo. A queda da demanda chinesa por equipamento de processamento de semicondutores e por peças de smartphones reduziu as exportações do Japão, a terceira maior economia do mundo, em 3,8% em dezembro, em relação ao mesmo mês de 2017, maior recuo de mais de dois anos. A Alemanha se esforçou muito para conquistar o mercado chinês, mas essa exposição é o motivo pelo qual a maior economia europeia cresceu apenas 1,5% em 2018, seu ritmo mais lento em cinco anos. As exportações de grandes economias desenvolvidas para a China, entre as quais os EUA e países asiáticos, caíram quase 10% no ano passado, em comparação com 2017, segundo a consultoria Oxford Economics.
“A China tem dado uma contribuição tão relevante ao crescimento global que, quando desacelera, impacta o mundo inteiro”, disse Shane Oliver, economista-chefe da gestora AMP Capital.
Essa dinâmica aumentou as pressões competitivas em toda a Ásia, uma vez que os setores produtivos chineses que não estão vendendo tanto internamente recorrem às exportações. Para a Europa, a tendência ameaça se tornar um grande transtorno, num momento em que sua economia sente o peso da incerteza política e dos conflitos comerciais. Nos EUA, a queda das vendas para a China está encerrando três anos de forte crescimento de alguns setores.
A China é um mercado de peso para muitas indústrias americanas e sua desaceleração atormenta as empresas. A Caterpillar advertiu na segunda-feira que terá um crescimento menor dos lucros neste ano e atribuiu esse fator à desaceleração das vendas na China.
A alemã Continental, uma das grandes fornecedoras mundiais de pneus e autopeças, prevê que a produção chinesa de automóveis sofrerá uma queda de dois dígitos em janeiro, em comparação com 2018, o que “terá impacto direto sobre nossas encomendas”.
O desaquecimento prejudica especialmente os países asiáticos, que vendem à China produtos que vão desde roupas e automóveis até a tecnologia que movimenta a gigantesca indústria de transformação chinesa. A diminuição do apetite da China ficou acentuadamente visível no fim do ano passado, numa retração camuflada por dados do ano como um todo que refletiam tempos mais saudáveis. Esse foi principalmente o caso dos semicondutores, um setor que responde por 15% das importações da China e é indispensável para o crescimento do país.
A fabricante sul-coreana de chips SK Hynix disse na semana passada que seus lucros caíram 28% do terceiro para o quarto trimestre de 2018 e atribuiu o fato ao enfraquecimento da demanda chinesa. A empresa japonesa Nidec, que serve de termômetro da situação econômica da China por fornecer peças da Apple ao país, reduziu sua projeção de lucros neste mês, culpando os mesmos fatores.
A Coreia do Sul, que envia 25% de suas exportações para a China, viu sua receita de exportações cair 14% em dezembro em relação ao mesmo período do ano passado.
A Nvidia, sediada na Califórnia, grande fornecedora de chips de processamento gráfico para a China, disse na segunda- feira que a fragilidade da demanda chinesa deverá subtrair US$ 500 milhões de sua receita, reduzindo-a no quarto trimestre a US$ 2,2 bilhões.
Para a Europa, a desaceleração da economia chinesa ocorre em meio a problemas políticos, entre os quais a iminente saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e as manifestações na França em torno de problemas de ordem econômica. O continente também sofre por uma briga comercial com os EUA. A Alemanha, sua maior economia, evitou por pouco uma recessão técnica no ano passado.
Nos últimos anos, a China se tornou um cliente muito mais importante para as indústrias europeias. Em 2017 a China tinha se transformado no segundo maior mercado de exportação do bloco, atrás apenas dos EUA. Respondeu por 10,5% das exportações da UE em 2017, o dobro dos 5,8% de 2007.
A fabricante de roupas esportivas Adidas, a segunda maior do mundo depois da Nike, advertiu em novembro que seus negócios na China desacelerariam no último trimestre do ano.
O crescimento das vendas do varejo chinesas caiu no fim do ano passado para patamares próximos dos mais baixos de todos os tempos. A desaceleração dos gastos do consumidor está se manifestando em outros lugares também.
Empresas de joalheria e relógios com sede em Hong Kong registraram uma desaceleração acentuada nos últimos meses de 2018, em boa parte por causa da fraca demanda de clientes chineses.
A desaceleração da China ajudou alguns produtores asiáticos rivais que desalojaram seus competidores chineses nos últimos anos ao se tornarem o exportador mais barato para alguns mercados.
Rafeeque Ahmed, exportador de calçados da cidade indiana de Chennai, disse que suas mercadorias se tornaram mais atraentes para clientes americanos frente a competidores chineses sobrecarregados de tarifas. Relatou que suas exportação poderiam crescer 25% em relação ao ano anterior, para US$ 200 milhões.
Mas esse entusiasmo pode ser prematuro. “A China vai tentar empurrar suas exportações para todos os países, e mais ainda na Ásia, por causa da proximidade”, disse Madan Sabnavis, economista-chefe do Care Ratings, com sede em Mumbai.
Em alguns casos, setores chineses já começaram a direcionar mais produtos para o exterior, para compensar a desaceleração doméstica. As exportações líquidas de produtos de aço no último trimestre de 2018 subiram ligeiramente, 3,5% com relação a um ano antes, embora tais exportações para o ano completo tenham declinado, relativamente a 2017. Como resposta, produtores regionais, como o grupo Hoa Sen, do Vietnã, informam que estão adiando planos investimentos e tentando reduzir estoques.
As refinarias chinesas de petróleo também estão exportando mais. No ano passado, a exportação de produtos refinados subiu 12,4% com relação a 2017, o segundo maior aumento anual nos últimos cinco anos.
“A perspectiva de aumento das exportações de gasolina da China apresenta riscos de perdas para as margens regionais de gasolina”, avaliaram este mês os analistas de crédito Fitch Solutions.

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