Democratizando a inovação

Inovação é o motor que impulsiona as economias contemporâneas. Os padrões de vida são determinados pelo crescimento da produtividade, que por sua vez depende da introdução e disseminação de novas tecnologias que permitem uma variedade cada vez maior de bens e serviços a serem produzidos com cada vez menos recursos do nosso planeta. 

Formuladores de políticas e o público em geral entendem a importância da inovação. O que é menos apreciado é o grau em que a agenda de inovação tem sido capturada por pequenos grupos de investidores e empresas cujos valores e interesses não necessariamente refletem as necessidades da sociedade. 

Nas economias avançadas as empresas privadas fazem a maior parte da pesquisa e desenvolvimento. A participação total do setor empresarial nos gastos com P&D varia de 60% em Cingapura a 78% na Coreia do Sul e nos Estados Unidos, mais próximos do limite superior, com 72%. Mas é o setor público que fornece a essencial infraestrutura social, legal e educacional que sustenta a P&D privada. 

A inovação no setor privado depende criticamente do financiamento governamental de ciência básica e laboratórios de pesquisa. Conta com talentos científicos treinados em universidades com recursos públicos. O Estado fornece aos inovadores direitos de monopólio por meio do sistema de patentes e garante a apropriação privada dos retornos para P&D por meio do direito trabalhista e contratual. Não menos importante, a P&D privada é fortemente subsidiada pelo Estado por meio de créditos fiscais e outras políticas. 

Como sociedade, devemos nos preocupar não apenas com a quantidade de inovação, mas com os tipos de novas tecnologias que são desenvolvidas. Devemos garantir que estamos investindo em tecnologias seguras, ambientalmente corretas, capacitem em vez de simplesmente substituir o trabalho humano e sejam consistentes com os valores democráticos e os direitos humanos. 

A direção da mudança tecnológica é formatada por incentivos, valores e distribuição de poder. 

Apesar do pesado envolvimento do Estado no apoio à inovação, tradicionalmente governos prestam pouca atenção ao rumo que a mudança tecnológica toma em mãos privadas. As prioridades das empresas privadas muitas vezes as levam a sub- investir em tecnologias que têm retornos significativos de longo prazo, como aquelas que reduzem as mudanças climáticas, ou a prestar atenção inadequada aos direitos humanos ou às implicações de privacidade das inovações digitais. Empresas farmacêuticas, por exemplo, buscam retornos em medicamentos de alto preço para doenças raras em economias avançadas, em vez de vacinas para doenças tropicais que afetam milhões de pessoas pobres. 

Além disso, as empresas tendem a investir demais em automação para aumentar o retorno para o capital e para os gestores. Como os economistas Daron Acemoglu e Pascual Restrepo observaram, isso pode resultar em “tecnologias mais ou menos” que produzem poucos benefícios de produtividade, enquanto deixam os trabalhadores em piores condições. 

A ideia fixa com automação pode levar os investidores mais inteligentes ao erro. Em 2016, Elon Musk anunciou que o Modelo 3 da Tesla seria construído em uma nova fábrica de automóveis totalmente automatizada, que operaria a velocidades superiores àquilo que é possível para humanos. Dois anos depois, os planos fracassaram, e sérios gargalos na nova fábrica deixaram claro que a produção real ficaria muito aquém das metas da empresa. Musk foi forçado a estabelecer uma nova linha de montagem – repleta de pessoas – no terreno da fábrica. “Humanos são menosprezados”, admitiu ele no Twitter. 

As prioridades dos inovadores são naturalmente moldadas pelo próprio meio cultural e social. Em recente artigo, os professores da Harvard Business School Josh Lerner e Ramana Nanda quantificaram o quão distantes seus valores e prioridades podem estar daqueles das pessoas comuns. 

Nos EUA, o capital de risco (Venture Capital) desempenha um papel desproporcional no financiamento de inovações. A indústria do capital de risco é altamente concentrada, com 5% dos principais investidores respondendo por 50% do capital levantado. 

Três regiões – a área da baía de São Francisco, Grande Nova York e Grande Boston – respondem por cerca de dois terços da indústria e mais de 90% dos membros do conselho corporativo das principais empresas. A influência das principais empresas de capital de risco vai ainda mais longe, porque muitas vezes atuam como guardiãs de outros investidores. 

O histórico social e educacional de quem toma as decisões de investimento é igualmente homogêneo. Lerner e Nanda relatam que três quartos dos sócios com pelo menos um assento no conselho das principais empresas de capital de risco frequentaram uma universidade da Ivy League, Caltech, MIT ou Stanford. Quase um terço é formado em apenas duas escolas de negócios (Harvard e Stanford). Seria surpreendente se as decisões de financiamento tomadas não fossem influenciadas pela composição social do grupo. 

Lerner e Nanda sugerem que a concentração geográfica de empresas de capital de risco pode ter contribuído para o “esvaziamento” das atividades inovadoras em outras partes do país. “Empresas de risco sediadas em outras cidades”, argumentam, “poderiam ter escolhido empresas muito diferentes para investir, dadas as suas perspectivas sobre as economias locais”. 

Prioridades tendenciosas também prevalecem nos programas públicos de inovação. O maior programa de apoio à inovação de alta tecnologia nos Estados Unidos é a Darpa (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa) que como o nome indica, é voltada para aplicações militares. Embora muitos projetos da Darpa também tenham gerado benefícios civis (não menos importantes, Internet e GPS), as prioridades das agências são claramente definidas por interesses da defesa. 

A contraparte de tecnologias de energia limpa da Darpa, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada-Energia (Arpa-E), tem algo como um décimo do orçamento. Talvez a maior omissão seja que atualmente nenhum governo tem programas especificamente destinados a financiar o desenvolvimento de tecnologias favoráveis à mão de obra. 

Se a inovação tecnológica existe para servir à sociedade, a direção que ela toma precisa refletir as prioridades sociais. Os governos têm se esquivado de suas responsabilidades nesse aspecto, devido à crença generalizada de que é difícil alterar o curso da tecnologia. Mas ainda não tentamos o suficiente para conduzir a tecnologia na direção certa. Inovação é importante demais para ser deixada apenas nas mãos dos inovadores. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche) 

Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, autor de Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/democratizando-a-inovacao.ghtml

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