Crise econômica do vírus é desafio inédito para União Europeia

Após a Itália colocar quase um terço de sua população numa espécie de quarentena, o bloco europeu estuda medidas emergenciais de apoio à economia.

As consequências econômicas da decisão sem precedentes da Itália de colocar de quarentena quase um terço de sua população por causa do coronavírus, e a possibilidade de que outros países europeus sigam a iniciativa de Roma, serão um desafio para políticos e autoridades europeus como nenhum outro choque financeiro do pós-Segunda Guerra. 

Autoridades da União Europeia (UE), que passaram anos combatendo os efeitos da recessão de 2008, voltam-se para algumas das mesmas ferramentas, mas economistas dizem que elas não serão suficientes nesta crise. Segundo eles, reduzir taxas de juro e incentivar os bancos a fazer empréstimos, por exemplo, se mostrarão inúteis se os empregados não estiverem no trabalho e se os consumidores não forem às compras. 

O impacto econômico imediato de que 17 milhões de pessoas no norte da Itália suspendam sua vida normal é um colapso na atividade comercial. Sem fluxo de caixa, empresas correm o risco de não poder pagar suas contas, salários, empréstimos e impostos. Líderes empresariais e políticos na Itália e em outras partes da zona do euro já pediram aos governos e à UE que relaxem as regras financeiras, para tentar ganhar tempo para as empresas até que a epidemia passe e o comércio possa ser retomado. 

“Tudo começa a parar, e isso pode causar sérios danos”, disse Massimo Perrella, executivo-chefe da Poliform Lucernari, produtora de claraboias da província de Parma. Ele disse que a situação atual é pior do que ma crise financeira de 2008. “Existe um sentimento de medo e incerteza na empresa”, disse Perrella, que emprega 24 pessoas, a maioria com família. 

Embora poucos economistas considerem que mudanças nas taxas de juros do Banco Central Europeu (BCE) possam ser uma ajuda significativa, alguns dizem que podem ser benéficas – e argumentam que permanecer inativos passa um sinal preocupante para os mercados, principalmente depois que o Fed (o banco central dos EUA) e outros BCs tomaram medidas a respeito nos últimos dias. 

O BCE tem reunião marcada para esta semana e sua presidente, Christine Lagarde, dá sua entrevista coletiva habitual na quinta-feira. Ela não disse nada sobre o vírus publicamente desde que um comunicado comedido na segunda-feira passada informou que o BCE estava “pronto para tomar medidas apropriadas e direcionadas”. 

 “Os bancos centrais não podem resolver o choque inerente [do vírus], mas podem moderar seu impacto e impedir que o choque se propague e se torne uma desaceleração mais profunda”, disse Seamus Mac Gorain, ex-membro do Banco da Inglaterra e hoje no JP Morgan Asset Management. 

Mas autoridades e ex-autoridades do BCE sugerem a possibilidade de que há uma reação exagerada de outros grandes BCs para o que pode ser apenas uma desaceleração e uma correção nos preços dos ativos temporárias. Eles temem os efeitos colaterais adversos das taxas de juro negativas e da compra de bônus em larga escala. 

“Isso não é como a crise financeira. As pessoas estão exagerando”, disse Panicos Demetriades, ex-presidente do BC de Chipre. Ele prevê que a demanda vai se recuperar após o vírus passar. “Eles [BCs] não devem usar a grande e drástica ferramenta das taxas de juro para lidar com um vírus.” 

Grandes empresas italianas com grandes recursos financeiros e operações mundiais começam a se adaptar à quarentena. A fabricante de pneus Pirelli e a gigante do setor automobilístico Fiat Chrysler informaram que manterão a produção, mas reduzirão reuniões e viagens. Empresas menores já estão em dificuldades. 

Antonio Viola, dono do grupo Mammina, disse ontem que seus quatro restaurantes estão desertos, embora três deles estejam fora da zona de quarentena. O outro, em Milão, teve um queda de receita de 70% nas últimas duas semanas e agora opera com prejuízo. “Esta crise tem um impacto devastador”, disse ele, ao prever que nos próximos dias talvez precise fechar temporariamente seus restaurantes, que juntos empregam cerca de 100 pessoas. “É um desastre.” 

Os economistas já instaram os governos da zona do euro a elevar seus gastos para sustentar a economia e aliviar parte da pressão sobre o BCE – algo que Lagarde já pediu. Em outubro, ela destacou especificamente a Alemanha e a Holanda, e argumentou que os dois países deveriam usar seus superávits orçamentários para financiar investimentos que estimulariam a economia da zona do euro em geral. 

Mas enquanto a Alemanha anunciou algumas medidas fiscais limitadas nos últimos dias, a filosofia dos líderes alemães é se opor a gastos públicos e tentativas de amenizar as flutuações no ciclo econômico. A CDU, partido da premiê Angela Merkel, que é particularmente cético em relação a estímulos fiscais, está no meio de uma batalha para escolher o sucessor de Merkel para as eleições do ano que vem. Isso torna improvável um afastamento da cautela fiscal. 

Com a improbabilidade de medidas dramáticas, as autoridades estão buscando evitar que a desaceleração econômica se espalhe para o já frágil sistema bancário da zona do euro e em mitigar seu impacto nos bancos atingidos. 

Na UE, avalia-se como garantir que as empresas, especialmente as pequenas, tenham liquidez suficiente para lidar com uma queda acentuada nas vendas e atividades. Estuda-se ainda como dar flexibilidade às regras de dívida e déficits do bloco para permitir medidas de estímulo direcionadas. Entre as opções em discussão estão dar alívio no pagamento de impostos para empresas afetadas e garantias da UE nas linhas de crédito para pequenas empresas. Garantias estatais também são discutidas em nível nacional. 

“Algo tão simples como suspender o pagamento de impostos por seis meses permitiria à empresa operar por um ano, em vez de por três meses, nessa situação”, disse Perrella. O governo italiano lançou um pacote de ajuda que inclui a autorização para que empresas mais afetadas adiem certos pagamentos de impostos e da previdência social. A UE informou que qualquer gasto governamental extra para lidar com a epidemia não será contabilizado nas metas de orçamento e dívida do bloco. 

Autoridades da UE também analisam se as regras de auxílio estatal podem ser flexibilizadas temporariamente, para que os governos possam ajudar as empresas. O BCE avalia não só mais cortes nas taxas de juro, para mais abaixo de zero ainda, mas também empréstimos direcionados para bancos e empresas atingidos pelo vírus. 

Medidas mais radicais podem incluir uma extensão do programa de compra de bônus do BCE para títulos bancários, embora isso seja visto como extremamente problemático, por causa do duplo papel do BCE na definição da política monetária e na supervisão dos bancos. Outra medida, que provavelmente exigiria mudanças regulatórias e aprovação dos governos, seria facilitar as regras sobre a classificação dos créditos podres, para que os bancos não precisem sofrer perdas de imediato, o que prejudicaria a sua lucratividade e criaria possíveis restrições de crédito. 

“Neste momento, eles estão no modo esperar para ver”, disse uma fonte a par das negociações. 

Mas os bancos, principalmente na Itália, já pedem moratórias nos pagamentos de empréstimos ou outras medidas que os protejam de um aumento na inadimplência. Na China, onde o coronavírus já causou prejuízos econômicos, os reguladores financeiros permitiram que os credores atrasassem o reconhecimento de empréstimos ruins de empresas menores. 

“Tudo é incerto”, disse Perrella. “Se um cliente pergunta quando posso entregar algo, só posso dizer: 30 dias mais o coronavírus.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/03/09/crise-economica-do-virus-e-desafio-inedito-para-a-ue.ghtml

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