Os resultados da Netflix no primeiro trimestre passaram uma mensagem clara aos investidores: o boom do streaming na pandemia acabou.
“Tivemos aqueles dez anos em que crescemos sem problemas e a coisa está um pouco instável agora”, disse a analistas o fundador da companhia, Reed Hastings, depois que a companhia anunciou um número bem menor de novas assinaturas nos primeiros três meses do ano. E o que é pior: a Netflix alertou que nos Estados Unidos, seu maior mercado, o número de assinantes deverá ficar “mais ou menos estável” no primeiro semestre de 2021.
Parte disso é explicado pelas circunstâncias únicas da pandemia, em que os assinantes americanos deram à Netflix o melhor ano da sua história em 2020, selando sua liderança em meio a concorrência acirrada da Disney, Amazon e outras grandes companhias que querem uma fatia do bolo da economia de streaming.
Em termos mundiais, o mercado de assinaturas de serviços de streaming continua crescendo. Amazon, Netflix e Disney têm hoje mais de meio bilhão de assinantes. A proliferação de serviços concorrentes vem levando alguns analistas a questionar sua força no longo prazo.
Em mercados mais maduros como os EUA, a Netflix enfrenta uma competição mais dura pelo tempo e o dinheiro dos consumidores, que têm à disposição opções como o YouTube e serviços de streaming gratuitos e bancados por anunciantes, como o Peacock da rede de televisão NBC.
Segundo a TVision, companhia americana que mede a audiência televisiva, o tempo gasto assistindo TV aumentou consistentemente desde outubro, após ter caído em relação ao pico de abril. A parcela de audiência da Netflix vem caindo. A TVision constatou que sua fatia recuou 5 pontos percentuais para 23% nos últimos dois trimestres, enquanto concorrentes menores conseguiram pequenos ganhos. No entanto, ela continua confortavelmente na primeira posição.
Embora o impacto da pandemia tenha distorcido o crescimento da Netflix e outros serviços de streaming, uma questão mais preocupante também aparece nos resultados trimestrais da companhia. Executivos da Netflix disseram que uma programação de conteúdo mais fraca, com parte da programação adiada por causa dos problemas apresentados pela covid-19, acabou resultando em menos assinantes.
“Muitos dos projetos que esperávamos lançar foram empurrados mais para a frente por causa de atrasos nas produções”, disse Ted Sarandos, presidente executivo adjunto, que prometeu aos investidores que a companhia retornará a uma “condição mais estável” no segundo semestre com o retorno de sucessos como “The Witcher”.
A Netflix tem hoje 208 milhões de assinantes e passou de startup a gigante no negócio do entretenimento definido pelo streaming. Seu valor de mercado subiu para US$ 225 bilhões.
Mas mesmo numa escala dessas, os lucros recentes sugerem que a Netflix poderá continuar gastando muito dinheiro em programação para melhorar sua conta de assinantes, levantando dúvidas importantes sobre a viabilidade do negócio de streaming, com margens de lucro aumentando gradualmente na medida em que os pioneiros do negócio reduzem os investimentos e aumentam os preços.
“Até mesmo para a Netflix o conteúdo novo e original é um fator crítico na obtenção de novos assinantes”, diz Michael Nathanson, analista de mídia da MoffettNathanson.
“Essa simples observação chega ao cerne de nossa discussão sobre o streaming e se as avaliações atuais [das empresas] são ou não consistentes com a dinâmica de longo prazo do modelo de negócios”, acrescenta ele.
Grupos de mídia estão investindo dezenas de bilhões de dólares por ano em programas de TV e filmes, enquanto brigam por uma parcela do mercado de streaming. A Netflix caminha para gastar mais de US$ 17 bilhões com conteúdo neste ano, enquanto Amazon, Disney e Warner Media, a controladora da HBO Max, aumentam os investimentos em programas originais para complementar seus acervos.
Mas nem todos os gastos se traduzem em sucessos de público. Os sucessos, sejam eles de produção cara ou barata, são a grande força motriz da economia do streaming por assinatura. E como bem sabe Hollywood, é muito difícil prever o que vai ser sucesso.
Aqui, as abordagens adotadas pelos serviços de streaming são bastante diferentes. A HBO tem um dos menores acervos na batalha do streaming – o catálogo da Amazon, formado principalmente por filmes e programas licenciados, é 13 vezes maior.
No entanto, a HBO se destaca na produção de programas muito elogiados pela crítica, conforme avaliado pela Ampere Analysis com base em uma classificação ponderada de sites especializados da internet. Os catálogos da Netflix e da Amazon oferecem mais quantidade do que uma qualidade consistente.
“Acreditamos que a principal proposta de produto da Netflix é ‘algo novo e diferente todos os dias’, em oposição a ‘programas específicos de sucesso da XYZ’”, diz Todd Juenger, analista da Bernstein. Mas ele acrescenta que o crescimento do número de assinantes pode ser incontestavelmente “reforçado pelos sucessos”. “Quanto mais se acredita que isso é verdade, mais otimista se pode ser em relação ao segundo semestre de 2021”, afirma.