Como tik tokers tem se atirado no lixo para combater desperdício

The New York Times; Na terceira unidade da rede de farmácias Duane Reade da noite, Anna Sacks, de 31 anos, uma ativista que vasculha lixeiras conhecida como @trashwalker no TikTok, encontrou seu butim. Meia dúzia de sacos de lixo do estabelecimento estavam na 2.ª Avenida, próximo ao seu apartamento no Upper East Side de Manhattan.

Ajoelhada no chão, Sacks juntou as sacolas com uma mão, protegida por luva, e, com ajuda da lanterna de seu encontrou seu tesouro: um spray de cabelo Tresemmé; um brilho labial Rimmel London Stay Glossy; dois pacotes de caramelos com sal-marinho Ghirardelli; seis sacos de pipocas Cretors; refis de panos para esfregões; um odorizador Febreze; aquecedores de pés; e um pote de ibuprofeno Motrin. Todos os produtos em embalagens fechadas e longe da data de expiração.

“Meu Deus”, afirmou Sacks, tirando do lixo um pack de seis latas de refrigerante, com uma faltando, “minha mãe adora Dr Pepper diet”.

O valor total dos itens talvez chegasse a US$ 75, mas a questão não é dinheiro. Sacks, ex-analista de um banco de investimentos, filma suas “caminhadas no lixo”, como ela chama suas expedições, e posta os vídeos para expor o que ela considera desperdícios de varejistas que descartam itens retornados, danificados ou indesejáveis por qualquer outro motivo, em vez de dar-lhes um novo propósito.

Cansados dessa prática desavergonhada, “mergulhadores de lixeiras” como Sacks começaram a postar vídeos de suas descobertas no TikTok nos anos recentes, como forma de denunciar empresas e conscientizar o público a respeito do desperdício.

Uma busca pela hashtag #dumpsterdiving (“mergulho no lixo”, como a prática é definida em língua inglesa) no TikTok revela dezenas de milhares de vídeos que coletivamente têm bilhões de visualizações. Eles incluem imagens feitas por Tiffany Butler, conhecida como a Musa do Mergulho no Lixo, que encontrou várias bolsas no ano passado nas lixeiras de uma uma unidade da loja de acessórios Coach, em Dallas, todas aparentemente jogadas fora pelos funcionários. Sacks comprou as bolsas e fez um vídeo de TikTok denunciando a marca de moda. Depois que o vídeo viralizou e provocou ultraje (e foi repostado pelo perfil Diet Prada no Instagram), a Coach afirmou que pararia de “destruir mercadorias devolvidas danificadas, defeituosas, usadas ou não comercializáveis por outros motivos” — e, em vez disso, tentaria reciclar os itens.

A maior parte dos ativistas que reviram lixeiras mira grandes varejistas, como CVS, TJ Maxx, HomeGoods e Party City. Marcas luxuosas de moda tendem a manter um controle mais rígido sobre excessos em estoques e às vezes pagam para incinerar itens não vendidos.

Um vídeo postado este mês por Liz Wilson, de 37 anos, mãe de dois que vive no Condado de Bucks, Pensilvânia, e usa o pseudônimo Salty Stella, mostra uma lixeira próxima a uma loja da HomeGoods repleta de canecas, pratos, tigelas para cachorros e decorações com tema de Halloween. “Isso é absolutamente horrendo”, disse Wilson ao seu 1,2 milhão de seguidores no TikTok. “A única razão para essas coisas estarem no lixo é porque o Halloween acabou.”

Ella Rose, que se identifica online como GlamourDDive, postou um vídeo dois meses atrás mostrando uma lixeira na área externa de uma loja da rede TJ Maxx cheia de vestidos da Zara, produtos de beleza Fekkai e roupas da Victoria’s Secret.

Num momento em que empresas promovem compromissos com o meio ambiente, a imagem de bolsas de US$ 500 ou até chocolates Ghirardelli, de US$ 6, descartados em uma lixeira pode pegar mal.

“As corporações não querem que as pessoas vejam excedente de produção, desperdício, falta de solidariedade”, afirmou Sacks, que possui 400 mil seguidores e tem recebido cobertura significativa dos meios de comunicação. “Para mudar comportamentos, é importante expor o desperdício.”

Michael O’Heaney, diretor-executivo do grupo ambiental The Story of Stuff Project, com sede em Berkeley, Califórnia, que promove conscientização a respeito de desperdício por meio de storytelling, qualificou Sacks e outros “mergulhadores de lixeiras” com mentalidade ambiental de “detectores de falhas no sistema”. O que eles estão encontrando no lixo são lentes fascinantes sobre o desperdício na nossa economia”, afirmou O’Heaney, cuja organização filmou recentemente uma caminhada de Sacks vasculhando lixeiras.

Alguns ativistas fazem mais do que apenas conscientizar as pessoas. Wilson monta os “Kits da Stella” — que contêm itens como absorventes íntimos e lenços umedecidos encontrados nas expedições de “mergulho no lixo” — e os distribui em abrigos para sem-teto e outros lugares onde mulheres experimentam a condição conhecida como pobreza menstrual.

Ainda que Wilson também poste no YouTube e no Instagram, ela afirmou que seus vídeos obtêm mais reações no TikTok. “As pessoas ficam chocadas e entristecidas”, afirmou ela. “Todos os dias vejo a mesma reação: ‘Meu Deus, por que as lojas fazem isso?’.”

Mark Cohen, diretor de estudos do varejo da Faculdade de Administração de Colúmbia, afirmou que a prática tem como base o cálculo frio de que “a maneira mais simples e expedita de um varejista descartar algo, tipicamente de baixo valor, é registrar o item fora de seu estoque e jogá-lo no lixo”.

Itens que foram devolvidos nem sempre podem voltar a ser vendidos por causa de regulações destinadas a proteger a saúde dos consumidores — incluindo alimentos, alguns medicamentos vendidos sem necessidade de receita médica e produtos de saúde e beleza, afirmou Cohen. Mercadorias que foram danificadas ou usadas — ou ficaram fora de época, como decorações de Halloween ou Natal — podem ter perdido valor demais até para serem revendidos por terceiros.

“Por mais infame que seja ver produtos aparentemente perfeitos indo para o aterro sanitário”, afirmou Cohen, “esse é o caminho mais curto e mais barato”.

Ativistas como Wilson e Sacks prefeririam ver os varejistas doarem itens para organizações de caridade e outros entes necessitados. “Deveríamos estar incentivando as corporações, idealmente, a produzir menos de maneira geral”, afirmou Sacks, mas se isso não for possível, elas deveriam “doar, vender mais barato ou estocar os itens para o ano seguinte, em vez de destruí-los”.

Muitos varejistas afirmam que realmente doam mercadorias não vendidas, mas parte dos itens tem de ir para o lixo. “O pensamento de que qualquer excedente pode ser doado é um pensamento bonito”, mas irreal, afirmou Cohen.

A rede de drogarias CVS, por exemplo, afirmou que destinou 50% de seus produtos não vendidos no ano passado para reciclagem ou reuso e que doou cerca de US$ 140 milhões em itens para entidades de caridade, incluindo a ONG Feeding America. A CVS trabalha “com organizações sem fins lucrativos para fazer com que produtos danificados ou próximos à data de expiração em nossas lojas sejam doados para comunidades necessitadas”, afirmou Ethan Slavin, porta-voz do grupo.

Andrew Mastrangelo, porta-voz da TJX, empresa-mãe da cadeias varejistas TJ Maxx e HomeGoods, afirmou que “somente uma porcentagem muito pequena das mercadorias das nossas lojas não é vendida” e que a maioria dos itens não vendidos é comprada por revendedores ou doada para entidades de caridade.

A Walgreens, dona da Duane Reade, afirmou que doou 4,5 mil toneladas de produtos em 2021. “A Walgreens trabalha diligentemente para não destinar a aterros sanitários nem descontinuar produtos como alimentos, artigos de higiene e itens do lar”, afirmou a porta-voz Candace Johnson.

Mesmo assim, algumas mercadorias não podem ser doadas, incluindo produtos perecíveis com menos de um mês de duração até a data de expiração. “Produtos que podem não atender padrões aplicáveis para doação ou liquidação”, acrescentou Johnson, “devem ser descartados no lixo”.

Continua após a publicidade

A época das festas de fim de ano talvez seja a mais abundante em mercadorias descartadas. No Halloween passado, Wilson afirmou ter encontrado mais de 120 jogos americanos de toalhas de mesa na lixeira de duas unidades da HomeGoods próximas à sua casa, todos em perfeitas condições.

Wilson percorre semanalmente um circuito de dezenas de lojas no sudeste da Pensilvânia. Ela nunca volta de mãos vazias. “Eu poderia ir a uma lixeira hoje, conseguir um monte de coisa”, afirmou Wilson, “e voltar na mesma lixeira 24 horas depois e encontrar mais coisa outra vez.”

https://www.estadao.com.br/internacional/mergulho-em-lixeiras-como-tik-tokers-tem-usado-se-atirado-no-lixo-para-combater-o-desperdicio/

Comentários estão desabilitados para essa publicação