Como a derrota do Google pode impactar a Apple

A sentença histórica do processo antitruste contra o Google, publicada na segunda-feira, está abalando uma das parcerias mais antigas do setor de tecnologia. São bilhões de dólares em acordos exclusivos que o Google fechou ao longo dos anos para se tornar o mecanismo de busca padrão em navegadores da internet e dispositivos em todo o mundo. Nenhuma empresa se beneficiou mais disso do que a Apple, que o juiz dos Estados Unidos Amit Mehta chamou de “parceira crucial”

Em um julgamento que durou semanas, executivos da Apple compareceram ao tribunal para explicar e defender a parceria. Com base em um acordo de 2002, o Google pagava à Apple uma parte de sua receita de publicidade ligada às buscas para que ela direcionasse seus usuários ao sistema de busca do Google. Esses pagamentos chegaram a US$ 20 bilhões em 2022. Em troca, o Google teve acesso à base de usuários da Apple – mais da metade de todas as buscas na internet nos EUA são feitas a partir de dispositivos da Apple. 

É provável que a Apple seja implicada profundamente na próxima fase do processo, quando se definem as penalidades. O Departamento de Justiça dos EUA, autor da ação judicial, não informou o que pedirá. “O impacto mais profundo do julgamento deve ser sentido pela Apple”, disse o analista independente Eric Seufert. Analistas do JPMorgan escreveram que o veredicto deixou à Apple uma gama de “alternativas inconvenientes”, entre elas a possibilidade de fechar um novo acordo de partilha de receita com o Google que não lhe dê direitos exclusivos como mecanismo de busca padrão e, dessa forma, reduza seu valor. 

Para eles, chegar a acordos de partilha de receita com mecanismos de busca alternativos, como o Bing da Microsoft, “ofereceria benefícios econômicos menores para a Apple, dada a monetização de publicidade superior do Google”. 

Na sentença, Mehta observou que a ideia de substituir o acordo com o Google por outro com a Microsoft e o Bing já fora mencionado antes. O juiz escreveu que Eddy Cue, vice-presidente sênior de serviços da Apple, “concluiu que um acordo entre Microsoft e Apple só faria sentido se a Apple visse o Google como alguém com quem [ela] não quer continuar a fazer negócios e, portanto, estaria disposta a comprometer receitas para deixá-los. Caso contrário, ficar com o Google [é muito mais] óbvio, já que ele é o mais próximo de uma coisa certa que se pode esperar”. 

A Apple poderia desenvolver um mecanismo de buscas. Mas ela ainda não o fez. Mehta, em sua sentença, citou um estudo interno da Apple de 2018 que concluiu que, mesmo que ela fizesse isso e mantivesse 80% das consultas, ainda perderia US$ 12 bilhões em receitas nos primeiros cinco anos depois de separar-se do Google. 

Mehta citou um e-mail de John Giannandrea, um ex-executivo do Google que hoje trabalha para a Apple, em que ele diz que “existe um risco considerável de que [a Apple] possa acabar com um mecanismo de busca que não seja lucrativo e [também] não seja melhor para os usuários”. 

O Google prometeu recorrer da sentença. Nicholas Rodelli, analista da CRFA Research, afirmou que um recurso não teria muita chance de êxito, dada a sentença “meticulosa”. Rodelli acha que o juiz “provavelmente não emitirá uma liminar capaz de mudar o jogo”, como seria uma proibição total de partilha de receitas com a Apple. 

A Apple não é a única empresa que pode ser afetada pela sentença de segunda-feira. De acordo com o tribunal, em 2021 o Google pagou à Mozilla mais de US$ 400 milhões para que seu mecanismo de buscas fosse a opção padrão do navegador de internet da empresa, valor que equivale a cerca de 80% do orçamento operacional da Mozilla. Um porta-voz da Mozilla disse que a empresa estava “analisando com muita atenção” a sentença e como poderia “influenciar os próximos passos de forma positiva”. 

Enquanto isso, o mercado das buscas está passando por uma transformação, à medida que empresas como o Google e a Microsoft estudam como os chatbots de inteligência artificial generativa podem mudar os recursos de busca tradicionais. 

A parceria da Apple com a OpenAI, anunciada em junho, permitirá que os usuários dirijam suas consultas para o chatbot ChatGPT. Um assistente de voz Siri mais inteligente, que usará modelos de IA proprietários da Apple, também significará uma nova alternativa para consultas que hoje os usuários costumam fazer no Google. 

A busca tradicional não mostra sinais de desaceleração. Uma pesquisa da Emarketer concluiu que, apenas nos EUA, os gastos com publicidade ligada a buscas crescerão em média cerca de 10% ao ano e chegarão a US$ 184 bilhões em 2028. O Google domina essa área com enorme vantagem e capta cerca de metade desse valor. O acordo atual da Apple com o Google lhe permitiria estender a parceria unilateralmente até 2028. 

A Apple tem pela frente uma batalha antitruste própria, iniciada pela divisão antitruste do Departamento de Justiça em março. 

Os problemas judiciais são um reflexo do declínio que está em curso no relacionamento da Apple com as autoridades de Washington, apesar do esforço de seu executivo-chefe, Tim Cook, para intensificar o lobby da empresa na Casa Branca. Segundo pesquisa do Tech Transparency Project (TPP), a Apple gastou US$ 9,9 milhões em lobby junto ao governo federal em 2023 – o maior valor em 25 anos, embora ainda muito abaixo do que gastam empresas como Google, Amazon e Meta. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/08/08/como-a-derrota-do-google-pode-impactar-a-apple.ghtml

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