Escândalos envolvendo uso de dados pessoais como o caso Cambridge Analytica, do Facebook, e vazamentos de informações de clientes de instituições financeiras deixaram os brasileiros mais desconfiados de como seus empregadores poderão usar dados coletados no ambiente de trabalho.
A conclusão aparece em um levantamento da consultoria Accenture realizado em 13 países, entre eles o Brasil. Ao todo, foram ouvidos 1.400 executivos de alto escalão e 10 mil funcionários de outros níveis.
Os brasileiros se mostram mais desconfiados com o uso de dados do que a média global. Por aqui, 77% dos funcionários dizem que os escândalos recentes os deixaram mais preocupados que dados relacionados ao seu trabalho sejam usados de forma indevida, contra 64% globalmente, e 76% temem que seus dados sensíveis possam ser alvos de ataques cibernéticos, na comparação com 61% no geral. Quase 70% dos brasileiros têm medo que o uso de dados coletados na força de trabalho desumanize o tratamento recebido das companhias e que a empresa use esses dados para puni-los e “espionar todos os seus movimentos”.
A Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada no ano passado, traz novos alertas para as empresas nessa esfera por exigir que toda coleta de dados seja feita com autorização do usuário. O advogado Antônio Abdalla, do escritório Abdalla, Landulfo e Zambrotti, diz que os dados internos de empresas são ainda mais sensíveis que dados de terceiros e que, dependendo do uso feito pelas companhias, o caso pode ser abordado pela justiça trabalhista. Um exemplo clássico é abrir informações de desempenho e constranger funcionários que não bateram metas. “Isso muda o viés da análise”, afirma.
Para Sandra Gioffi, diretora executiva da Accenture para serviços financeiros, com a nova lei de dados a tendência é que processos internos de empresas passem a inserir pedidos de consentimento da mesma forma que serviços on-line hoje têm termos de uso. Mas embora o risco legal tenha se tornado mais complexo, Sandra diz que ele não pode monopolizar a atenção das empresas quando o assunto é uso de dados. “Outro risco mais sério é a confiança que o profissional tem na organização. Se ele entende que os dados dele estão sendo usados indevidamente, para ser vigiado e não desenvolvido, isso impacta no clima da empresa”, diz.
Para os executivos brasileiros entrevistados pela pesquisa, a perda de confiança dos funcionários é o terceiro risco mais citado decorrente do uso irresponsável de dados. Problemas de compliance e vazamentos aparecem primeiro. Menos de um terço acha que, na falta de regulação externa, as empresas devem criar seus próprios códigos de ética para administrar o uso de novas tecnologias de dados.
Nos últimos anos, ganhou espaço nas empresas o uso de ferramentas de “HR analytics”, que coletam e organizam dados de funcionários e permitem que as companhias tirem informações desses agregados em temas variados como retenção, engajamento e desempenho. Várias empresas brasileiras já têm equipes internas para alavancar o uso de dados dentro da área de recursos humanos.
Este mês, o instituto de pesquisa americano Data & Society publicou um relatório sobre as quatro principais tendências em monitoramento e uso de dados de funcionários por empresas, bem como os riscos que as acompanham. Foram destacados os sistemas que visam prever comportamentos usando inteligência artificial, a coleta de dados de saúde e estilo de vida como parte de programas de bem-estar que visam diminuir custos de planos de saúde, o monitoramento remoto do trabalho em sistemas eletrônicos e o uso de algoritmos para gerir usuários em plataformas de trabalho autônomo como o Uber.
O relatório alertou para riscos de excessos no uso dessas tecnologias, entre eles o aumento na discriminação no ambiente de trabalho por causa da má qualidade dos dados usados, a invasão de privacidade, o aumento excessivo da pressão por resultados e a supervalorização de trabalhos que podem ser quantificados em detrimento de outras atividades.
Na pesquisa da Accenture, mais da metade dos brasileiros dizem que, se fosse revelado que sua empresa usou seus dados de forma indevida, eles considerariam procurar outro trabalho. Mais de 60% dizem que desautorizariam o uso de seus dados pela companhia caso isso viesse à tona.
Mas apesar de preocupados, os brasileiros se mostram dispostos a fornecer dados ao empregador se tiverem a garantia de que eles serão usados para melhorar o seu desempenho e bem-estar. Pouco mais da metade (52%) o fariam apenas se pudessem dar sua permissão, mas só 2% se dizem totalmente contrários à prática. Os brasileiros se mostram mais abertos à possibilidade, inclusive, que em outros países. Cerca de 80% estão dispostos a deixar que a tecnologia colete dados sobre sua forma de trabalhar para aumentar produtividade e desempenho, enquanto 56% dizem o mesmo na média global. “O funcionário entende o benefício que há por trás do risco, e está disposto a compartilhar a informação desde que seja recompensado e não vigiado”, diz Sandra.