O governo Boris Johnson pisa fundo no acelerador da ruptura litigiosa com a União Europeia (UE), o brexit sem acordo.
O primeiro-ministro britânico pediu à rainha Elizabeth 2ª que suspenda as atividades do Parlamento por cinco semanas, a partir de 10 de setembro. Uma nova sessão começará em 14 de outubro, com um discurso da monarca sobre as prioridades do governo. A solicitação foi aprovada pela rainha.
O gesto visa a reduzir o tempo que deputados (agora em recesso) terão, a partir da semana que vem, para bloquear uma saída abrupta do Reino Unido do bloco, como a que o líder conservador vem repetidamente mencionando em discursos e entrevistas.
O Legislativo, que volta das férias de verão em 3 de setembro, pode tentar passar uma lei que interdite o chamado “no deal” (ruptura não pactuada) ou mesmo votar uma moção de desconfiança no governoJohnson. Mas agora só disporá de uma semana para fazê-lo.
“Estou chocado com a imprudência do governo de Johnson, que fala sobre soberania e está tentando suspender o parlamento para evitar o escrutínio de seus planos de um brexit sem acordo”, disse o trabalhista Jeremy Corbyn, líder da oposição.
Corbyn, que classificou a ação como uma ameaça para a democracia, defendeu que o premiê seja chamado ao Parlamento para prestar satisfação.
Na terça (27), um grupo suprapartidário que reúne parlamentares governistas e da oposição concordou em buscar um obstáculo legal para o “brexit custe o que custar” do premiê assim que os trabalhos fossem retomados.
Eles consideram antidemocrática a abordagem adotada pelo Executivo. No Reino Unido, o Parlamento tem o protagonismo do processo político.
Após o anúncio dos planos de Johnson, alguns membros do grupo afirmaram que o voto de desconfiança talvez seja a resposta preferível.
“A decisão do primeiro-ministro é questionável e ultrajante. Ele sabe que estamos no meio de uma crise nacional”, disse o deputado governista Dominic Grieve. “Trata-se de uma tentativa de governar sem o Parlamento. É algo sem precedentes e de que o governo vai se arrepender.”
A questão é que, se o premiê cair numa eventual votação em plenário, permanecerá no cargo até que outra gestão obtenha apoio majoritário do Legislativo.
Caso não haja acordo para a formação de um novo governo, caberá ao líder interino (ainda Johnson) fixar a data das eleições gerais —e ele pode simplesmente escolher um dia após 31 de outubro (prazo-limite para o desligamento britânico da UE), forçando a saída sem acordo.
Com a reviravolta desta quarta, o regresso dos parlamentares ocorrerá a menos de uma semana da cúpula do Conselho Europeu (colegiado de líderes da UE) de 17 e 18 de outubro.
Nesse encontro, o premiê tentará pela última vez obter de seus pares as mudanças que julga necessárias no acordo de “divórcio” —sobretudo no que se refere ao mecanismo para evitar a volta dos controles alfandegários na fronteira entre as Irlandas, uma união aduaneira a que ele se opõe veementemente.
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres ao bloco foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio.
Porém, o pacto fechado entre a antecessora de Johnson, Theresa May, e os europeus no fim de 2018 acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da primeira-ministra em julho passado.