O democrata Joe Biden prometeu anunciar nesta semana o nome de sua vice – uma mulher, segundo ele – na chapa que disputará a presidência dos EUA contra Donald Trump. A decisão tornou-se não só um dos movimentos mais importantes de Biden na corrida eleitoral, como também dá sinais sobre o futuro do partido.
Se eleito, Biden será o político mais velho a tomar posse na Casa Branca, aos 77 anos. A possibilidade de que, em função da idade, ele seja presidente por apenas um mandato aumentou a importância da decisão sobre quem vai acompanhá-lo.
O próprio democrata se definiu como um candidato “de transição”. Independentemente do resultado, a vice será naturalmente credenciada como uma virtual candidata democrata em 2024. A disputa pela nomeação este ano foi a mais diversa da história do partido, com duas mulheres em posições competitivas e um candidato jovem e assumidamente gay.
Biden passa longe das novidades apresentadas nas prévias. É um político de carreira, com quase 80 anos, branco, heterossexual e acusado de abuso sexual por uma ex-assessora. O comprometimento em colocar uma mulher na chapa foi um sinal ao eleitorado que cobra mais representatividade no partido – e uma forma de minimizar as acusações da ex-assessora, Tara Reade.
Mas a escolha da companheira de chapa tem sido debatida pelos assessores de forma meticulosa, para assegurar votos e não atrapalhar o bom momento do democrata. Christopher Devine, professor de ciências políticas da Universidade de Dayton, passou anos pesquisando a influência do vice-presidente nas eleições e escreveu, em coautoria com Kyle Kopko, o livro Do Running Mates Matter? (“Companheiros de chapa importam?”, em tradução livre).
Segundo ele, a escolha tende a ser supervalorizada, sendo que a indicação de um nome de determinado Estado, por exemplo, não representa conversão de votos a favor do partido no local de origem do escolhido. No entanto, há influência na percepção do eleitorado sobre o próprio candidato.
“Identificamos que, em 2008, aqueles que consideravam Sarah Palin muito conservadora respondiam com mais frequência que John McCain era muito conservador, em vez de moderado. Se aplicarmos isso a 2020, o desafio de Biden é indicar se quer se manter no centro ou mandar uma mensagem à esquerda”, afirma Devine.
“Nosso trabalho sugere que, se ele escolher alguém como Elizabeth Warren ou Karen Bass, os eleitores, provavelmente, reavaliarão sua ideologia e pensarão nele como sendo mais progressista. Isso pode ser uma coisa boa ou ruim, dependendo de quais eleitores a campanha quiser conquistar.”
A maioria dos eleitores jovens, negros, latinos e das mulheres se identifica com o Partido Democrata. Manter a chapa identificada como o centro moderado, portanto, pode ajudar Biden a conquistar votos do eleitorado independente, masculino e mais velho, que votou em Trump em 2016.
Mas, como o voto nos EUA não é obrigatório, os democratas precisam empolgar a base do eleitorado – jovens, negros, latinos e mulheres – a ponto de fazê-los votar em níveis recordes, como os registrados na eleição de Barack Obama. A escolha de uma vice negra ou latina seria um aceno importante a esse eleitorado.
A possibilidade de escolher uma companheira de chapa negra ganhou força com a onda de protestos de junho, contra o racismo e a violência policial. Dentro do partido, no entanto, há quem argumente que Biden já terá o voto dos negros, porque herda o capital político de Obama, e a escolha é uma chance de fazer um aceno a outros eleitores.
A lista de potenciais vice-presidentes inclui a senadora Kamala Harris. Ela chegou a ser pré-candidata democrata, mas saiu da corrida antes do início das primárias. Kamala é negra e defensora dos protestos antirracismo, mas o histórico como procuradora pesa contra seu nome entre a ala progressista.
O nome da deputada Karen Bass ganhou força nos últimos dias. No quinto mandato na Câmara, ela é presidente da bancada negra no Congresso e é apontada como figura importante dos bastidores de negociações parlamentares, tendo bom trânsito com os republicanos.
Susan Rice, ex-embaixadora dos EUA na ONU, também consta na lista. A seu favor contam a experiência com política externa e a relação de proximidade com Biden durante o governo Obama.
Se os estrategistas democratas quiserem sinalizar a união das diferentes alas do partido e garantir o voto de eleitores de esquerda, que se identificavam mais com o senador Bernie Sanders, Biden pode escolher a senadora Warren, que também concorreu nas prévias. O aceno, no entanto, pode afastar eleitores independentes e de centro, com a perspectiva de que o futuro governo pode estar disposto a aderir a políticas mais radicais.
Da ala esquerda, a extensa lista de cotadas inclui estrelas em ascensão, como a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, a prefeita de Atlanta, Keisha Bottoms, e a deputada da Flórida, Val Demings. Entre as cogitadas constam também Stacey Abrams, que perdeu por pouco a eleição para o governo da Geórgia, em 2018, as senadoras Tammy Baldwin e Tammy Duckworth, Michelle Lujan Grisham, a primeira governadora latina dos EUA, do Novo México, e a ex-governadora do Arizona Janet Napolitano.
Nomes do Meio-Oeste, como da governadora de Michigan, ganham força por serem ligados a Estados do Cinturão da Ferrugem, que trocaram Obama por Donald Trump, em 2016.
A ideia de equilibrar a chapa com a escolha do vice – seja por razões geográficas ou ideológicas – fez parte da história americana. No livro Picking the Vice-President (“Escolhendo o vice-presidente”, em tradução livre), Elaine Kamarck argumenta que a lógica durou até 1992, quando Bill Clinton mudou a forma de escolha e selecionou Al Gore com base na compatibilidade e parceria. O novo modelo, segundo ela, foi repetido por George W. Bush, Obama e Trump.
A razão para a mudança é ligada a alterações no sistema de nomeação do candidato. O crescimento da relevância das primárias e o esvaziamento da convenção partidária diminuíram a pressão pela barganha em busca do equilíbrio da chapa, segundo a autora. O ideal é encontrar um vice que seja capaz de equilibrar a chapa e seja um bom parceiro. Desde 1992, segundo Kamarck, o segundo quesito tem se sobreposto ao primeiro.
“Biden, melhor do que ninguém, sabe o quanto é importante ter alguém com quem ele possa trabalhar e seja um aliado leal. Ele era essa pessoa para Obama e foi um trunfo em negociações com o Congresso e aconselhamento sobre política externa. Biden entende o papel importante que o vice pode desempenhar”, afirma Christopher Devine.
A lista de Biden
Kamala Harris, senadora
Uma das lideranças negras do Congresso, é jovem – tem 55 anos –, mas está bem à esquerda do eleitorado moderado e republicano descontente que Biden quer atrair. Além disso, Kamala foi criticada por políticas que puniram as minorias quando foi secretária de Justiça da Califórnia.
Susan Rice, diplomata
Ex-embaixadora na ONU durante governo de Barack Obama, é uma defensora dos direitos humanos. Rice, no entanto, carrega um passivo dos erros de política externa. Quando trabalhava na ONU, foi acusada de tentar encobrir o ataque contra a embaixada dos EUA em Benghazi, na Líbia.
Karen Bass, deputada
Entrou recentemente na lista de Biden. Aos 66 anos, ela está no quinto mandato na Câmara. Karen é presidente da bancada negra no Congresso e é apontada como figura importante dos bastidores de negociações parlamentares, tendo bom trânsito com os republicanos.
Elizabeth Warren, senadora
Ex-professora de direito especializada em falências, teve papel de destaque nas discussões sobre a ajuda a empresas na crise de 2008, e é senadora desde 2013. Mas, aos 71 anos, deixaria a chapa com dois idosos brancos, quando a diversidade é um valor-chave para o partido.
Val Demings, deputada
Congressista negra, de 63 anos, foi chefe da polícia de Orlando, na Flórida, um Estado crucial nas eleições de novembro. Demings, no entanto, está no primeiro mandato. É pouca experiência para quem daqui a quatro anos pode disputar o cargo de presidente.
Tammy Duckworth, senadora
Ex-piloto de helicóptero das Forças Armadas americanas no Iraque, Duckworth perdeu as duas pernas na guerra. Aos 52 anos, entrou no radar dos democratas no início de julho, após se sair bem em uma discussão com o presidente Donald Trump.