Assistentes virtuais respondem a agressões

A partir das 20h30 do dia 5 de abril, o monitor de buscas do Google para a palavra assédio disparou, alcançando um aumento de 190% em 24h. O motivo da curiosidade foi a veiculação no horário do Jornal Nacional, da TV Globo, do anúncio sobre a mudança de comportamento da assistente virtual do Bradesco, Bia. 

O banco comunicou que atendentes digitais que interagem com clientes da instituição não mais responderá de forma passiva aos xingamentos, agressões verbais e propostas sexuais que chegaram a 95 mil no ano passado. Passará a dar respostas mais contundentes ao que identificar como assédio. 

No lugar do insípido “não entendi, pode repetir”, Bia vai responder às propostas indecentes e a xingamentos de maneira mais firme: “Essas palavras não podem ser usadas comigo e com mais ninguém” ou “Para você pode ser uma brincadeira. Para mim, foi violento”. 

O Bradesco aderiu à campanha mundial deflagrada pela Unesco para combater as mensagens agressivas, machistas e sexistas dirigidas contra as assistentes virtuais. A Conferência da Unesco sobre Inteligência Artificial de 2019 chegou à conclusão que as assistentes virtuais das empresas não deveriam reforçar os estereótipos sobre a mulher subserviente, mas sim mudar suas vozes. 

“O mundo virtual reproduz o mundo real. Se há violência contra as mulheres numa sociedade, isso vai acontecer contra uma figura feminina, mesmo que seja um robô movido por inteligência artificial”, afirma Fabio Eon, coordenador de ciências humanas e sociais da Unesco no Brasil. 

Com a pandemia, aumentou a violência contra a mulher no mundo real e no virtual. Aqui no Brasil, a palavra assédio teve quase 2 milhões de menções nas redes sociais entre 2018 e 2020. Crescimento anual de 40%, segundo a plataforma Stilingue, especializada em monitoramento das redes sociais. 

A propaganda da Bia deu outro impulso à procura por esclarecimentos sobre o assunto. Dados monitorados pelo Bradesco mostram que até 21 de abril o filme da campanha tinha sido visto 168 milhões de vezes no YouTube e gerado mais de 35 mil comentários. 

Glaucimar Peticov, diretora-executiva do Bradesco, que cuida de marketing, relações humanas, ouvidoria e da Universidade Bradesco, não se tinha dado conta do papel que poderia ser desempenhado pela assistente virtual do banco até assistir a uma palestra sobre inteligência artificial em 2019. Depois tomou conhecimento da campanha da Unesco “Hei, update my voice!” (“Ei, atualize minha voz!”) para que as mulheres virtuais deixassem de ser passivas, respondendo de forma mais incisiva a abordagens agressivas. 

Glaucimar diz que não dá para reproduzir o nível de baixaria registrado em mensagens para Bia, mas acredita que a mudança vem para melhorar a sociedade, mudar padrões machistas e de agressão contra tudo que é diferente. 

A assistente virtual do banco já teve que atualizar respostas para os comentários críticos que vieram depois do anúncio, reclamando que a Bia aderiu ao “mimimi”. Aparentemente, os que se divertiam xingando ou maltratando as assistentes virtuais não estão gostando das novas reações. 

Para Glaucimar é uma questão de respeito. “Se uma pessoa é agressiva com uma boneca de inteligência artificial tende a repetir isso em casa e uma coisa acaba alimentando a outra.” 

O banco se juntou a outras empresas brasileiras que também utilizam assistentes virtuais, como Magazine Luiza, Vivo, Natura e Ultragaz, na Aliança pelo Respeito, campanha no país que tem o apoio da Unesco, para atualizar as respostas aos malcriados. 

A Lu do Magalu “já foi criada com respostas antimachistas e contra o assédio, antes da campanha da Unesco”, segundo Pedro Alvim, gerente de marca e redes sociais da varejista, que brinca que é a “babá da Lu”. 

A assistente brasileira, que o executivo classifica como a maior influencer digital do país, com 24 milhões de seguidores, é citada como exemplo nos documentos que motivaram a campanha internacional “Hey, update my voice”. 

O motivador da criação da Lu foi o assassinato de uma gerente pelo marido, ocorrido dentro de uma das lojas, em maio de 2017, o que abalou a proprietária, Luiza Trajano. E a motivou a se envolver diretamente na criação da personagem com o foco na defesa da mulher contra a violência. 

Atualmente o aplicativo da loja tem botões que podem ser acionados discretamente pelas clientes para denunciar assédio, para chamar a polícia e para pedir ajuda psicológica. 

No ano passado os botões de denúncia foram acionados quase 814 mil vezes – desse total, 777 mil entre março e dezembro, período da pandemia. 

Até março deste ano já foram 145.319 cliques. O aumento de chamadas para o 180, número do governo federal para registrar denúncias de violência contra a mulher, no aplicativo foi de nada menos que 903%. 

Alvim explica que as respostas da Lu são constantemente atualizadas por comitês integrados por mulheres e com auxílio de consultorias engajadas na questão da violência contra a mulher. “Há respostas que são automáticas, mas outras elaboradas constantemente por uma equipe humana”, acrescenta. 

Uma das constatações da Unesco é que 90% das equipes dos programadores das assistentes virtuais era masculina, portanto as respostas delas acabavam desprezando o ponto de vista feminino. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/04/23/assistentes-virtuais-respondem-a-agressoes.ghtml

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