Assim se ‘fotografa’ um buraco negro

Tirar uma foto de um buraco negro não é fácil: os buracos negros têm tamanha gravidade que nada pode escapar de sua atração, nem mesmo a luz, e se um feixe de luz (ou qualquer outra coisa) cai dentro, não pode sair. Como fotografar algo que não emite, nem pode refletir a luz? Para sermos justos, não fotografamos o buraco, mas sim a luz que está ao redor dele interagindo com ele, pouco antes de passar o ponto de não retorno. Esta luz nos proporciona o fundo para ver o buraco por contraste: uma esfera negra rodeada por luz que cai atraída por seu brutal campo gravitacional.
Como se isso não bastasse, embora seja um objeto supermassivo, é muito compacto e está muito distante. Visto da Terra parece pequeno. É tão difícil como tentar fotografar uma laranja na superfície da lua: precisaríamos de um telescópio tão grande como a própria Terra para conseguir os aumentos necessários para a foto.
Isto é o que o projeto Telescópio Horizonte de Eventos alcançou. Unindo telescópios espalhados pelo mundo, uma técnica conhecida como interferometria, é possível somar os dados de oito radiotelescópios para simular um supertelescópio tão grande como a separação entre as antenas, isto é, o tamanho do nosso próprio planeta.
Rede de telescópios do Event Horizon Telescope: a separação entre eles permite simular um supertelescópio tão grande quanto o nosso próprio planeta.
Mesmo assim, a partir da foto do buraco negro temos apenas alguns dados, como se tivéssemos somente informações de algumas dezenas de pixels ou pontos de uma foto de milhares. O restante da fotografia deve ser construído entre a combinação de dados conhecidos e o que esperamos ver.
Para realizar as simulações de como se deveria ver o buraco desempenharam um papel fundamental os novos chips dos cartões gráficos usados pelos gammers, ideais para esta finalidade. Os próprios pesquisadores afirmam que sem esta tecnologia proveniente do entretenimento essas simulações não teriam sido possíveis: dos jogos de computador chegamos à última linha da pesquisa astrofísica.
Da esquerda para a direita, simulação de como se deveria ver, áreas que os telescópios do projeto EHT varrem durante a rotação da Terra e a imagem final. / EHT
Com um software especial, a imagem é composta com base nos dados recebidos e no que se espera ver nas simulações. Claro que, para evitar que a referência “do que podemos esperar ver” contamine muito o algoritmo, são incluídos elementos de controle, alguns tão curiosos como as imagens do Facebook de Katie Bouman, do projeto EHT. O programa é tão bom que ao introduzir nos testes um elefante no centro da galáxia, com apenas algumas dezenas de pixels o programa reconstrói algo muito semelhante. A confiabilidade da técnica é surpreendente.
Na foto podemos ver uma espécie de lua crescente luminosa, mas a parte mais interessante está no que não se vê, o buraco negro é o círculo escuro que o arco de luz envolve. Este círculo é o horizonte de eventos: qualquer coisa que cruze esta linha cairá irremediavelmente no poço gravitacional sem possibilidade nenhuma de sair, incluindo a luz. É tudo o que é possível se aproximar de um buraco negro.
A luz que forma a curiosa lua crescente também não é trivial. Podemos ver mais luz em um lado porque se trata de um buraco negro em rotação e, ao girar, arrasta os raios de luz consigo, acumulando mais luz em um lado do que no outro.
Infelizmente não vemos todas as partes, faltam os jatos que saem do buraco negro perpendiculares à sua rotação. Isto por que os materiais que caem no buraco negro em alta velocidade colidem um com o outro, fazendo com que uma parte seja projetada em grande velocidade e dirigida pelos potentes campos magnéticos do objeto, algo semelhante aos espirros que saem de uma laranja se a pressionamos até que a casca se rompa. Esta parte terá que ser deixada para uma nova foto.

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/10/ciencia/1554906802_123817.html

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