Arrumar a Itália será muito difícil até para super- Mario

Como presidente do Banco Central Europeu (BCE) de 2011 a 2019, Mario Draghi teve um papel decisivo em salvar a união monetária da Europa de uma crise da dívida soberana quase fatal e de uma emergência bancária. Ele mostrou habilidades políticas excepcionais ao persuadir alguns líderes da zona do euro, especialmente na Alemanha, de que medidas heterodoxas do BCE eram essenciais para o resgate. Draghi deixou o cargo com uma reputação mundial reluzente. Mas, se seus talentos serão suficientes para tirar a Itália de seus problemas atuais, é outra história. 

O fato de presidente Sergio Mattarella ter se sentido compelido a pedir que Draghi assuma o cargo de primeiro-ministro é em si uma denúncia contra a classe política italiana. O governo de coalizão de Giuseppe Conte entrou em colapso em janeiro por causa de intrigas políticas em Roma, ligadas apenas tangencialmente ao desafio de controlar a pandemia de covid-19 e reviver a economia com a ajuda do fundo de recuperação de € 750 bilhões da União Europeia (UE). 

Em uma crise grave, o sofrido povo italiano merecia coisa melhor de seus políticos, que se recusaram a assumir a responsabilidade por um problema que eles mesmos criaram. Em vez de se concentrar no interesse nacional, muitos políticos manobram para conseguir vantagens pessoais e partidárias com vistas às eleições parlamentares previstas para 2023. 

Agora que aceitou a tarefa de arrumar a desordem deixada por partidos briguentos e egoístas, Draghi começará com alguns fatores a seu favor. Sua autoridade e experiência servirão como garantia aos mercados financeiros, à comunidade empresarial italiana e a grande parte da população de que uma mão firme está no comando. 

Ele buscará redesenhar o plano de recuperação econômica da Itália de forma a obter a aprovação da Comissão Europeia, responsável por supervisionar como os governos da UE gastarão sua parte do fundo. Isso não é pouca coisa, já que a Itália deve receber cerca de € 200 bilhões, ou 10% de seu Produto Interno Bruto (PIB), em doações e empréstimos ao longo de cinco anos – o maior valor em termos absolutos entre os países da UE. 

Mas o perigo para Draghi é que o cargo de premiê se revele tóxico. Pela Constituição da Itália, os premiês têm menos poder do que presidentes franceses, premiês alemães ou do Reino Unido, e são especialmente fracos se não tiverem um apoio sólido no Parlamento. Numa era de populismo e sem base partidária própria, Draghi um tecnocrata não eleito, estará vulnerável a críticas de que suas políticas não expressam a vontade popular. 

Com eleições no horizonte, ele corre o risco de se tornar refém de partidos políticos antes de que seu governo tenha a chance de incorporar as reformas econômicas e administrativas de que a Itália tanto precisa há décadas. Foi o que ocorreu com Mario Monti, o ex-comissário da UE que se tornou premiê no auge da crise da zona do euro, em 2011. Ele tomou medidas urgentes, que estabilizaram a situação, mas depois tornou-se vítima de disputas partidárias. 

A expectativa é que um governo comandado por Draghi introduza reformas destinadas a elevar a produtividade, melhorar os serviços públicos, simplificar o sistema judiciário e combater a corrupção. Mas o sucesso de tais medidas exige mais do que a liderança de um tecnocrata talentoso, em especial se ele for ficar apenas dois anos no cargo. Elas exigem coragem e compromisso de longo prazo dos políticos italianos de todo o espectro. 

O que outros governos da UE temem é justamente que a classe política da Itália não tenha tais qualidades. E, se o novo governo fracassar em fazer o melhor uso possível do dinheiro da UE que ficará à sua disposição, as consequências para a Europa, assim como para a própria Itália, serão profundas. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/04/arrumar-a-italia-sera-muito-dificil-ate-para-super-mario.ghtml

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