Apagões explicam disputa sectária no Líbano

Examinando as ruas destruídas de Beirute, na semana passada, o presidente francês, Emmanuel Macron, ofereceu apoio e enviou uma mensagem à elite política libanesa. O que o Líbano precisa, segundo Macron, é de uma mudança estrutural. Na segunda-feira, 10, diante da fúria popular, o primeiro-ministro, Hassan Diab, renunciou. 

Há anos, o Líbano sofre com apagões. Para muitos libaneses, a incapacidade do Estado de fornecer eletricidade se tornou uma metáfora para falhas mais amplas. A frase “a luz acabou” é a mais falada pelas crianças do país. A falta de modernização da rede esbarra na política sectária do Líbano, presa entre muçulmanos e cristãos.

O maior partido cristão, o Movimento Patriótico Livre (MPL), quer construir uma usina em uma área cristã no norte do país, em uma faixa rochosa da costa do Mediterrâneo, perto de um vilarejo chamado Selaata. Segundo o MPL, a usina é essencial para a segurança energética do Líbano. Outros partidos políticos e doadores internacionais desconfiam do plano, porque Selaata não está conectada à rede. Alguns suspeitam que por trás do projeto estejam outros motivos, incluindo a localização em parte predominantemente cristã.

Com o impasse em torno da usina, os apagões pioraram. Desde outubro, milhares de libaneses tomaram as ruas para protestar contra a classe política, com a questão energética no topo da agenda. A explosão da semana passada agravou o problema, tornando a limpeza de Beirute mais difícil e perigosa, com ruas escuras cobertas com cacos de vidro e destroços, com o risco sempre presente de escombros caindo. 

A falta de dinâmica política do Líbano ocorre em razão de o país ser governado por um sistema sectário de compartilhamento de poder desde a independência da França, em 1943: o chefe de Estado deve ser um cristão maronita, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita, e o chefe do Parlamento, um muçulmano xiita. Embora projetado para garantir a representação de 18 comunidades religiosas, o sistema ajuda a provocar crises – incluindo a guerra civil, de 1975 a 1990.

Os críticos do sistema dizem que ele impediu o estabelecimento de um Estado central eficaz, uma vez que ex-senhores da guerra e líderes sectários são movidos por agendas regionais e interesses próprios. Os principais partidos que dominam o Líbano – sunitas, xiitas, drusos e cristãos – criaram esferas de influência no Estado que exploraram os próprios objetivos, enquanto culpam uns aos outros pela bagunça. O mais poderoso desses grupos é o movimento xiita Hezbollah, apoiado pelo Irã, fortemente armado. O EUA o rotularam de organização terrorista e consideram uma ameaça global. O Hezbollah está hoje mais envolvido nos assuntos de Estado do que nunca.

No centro da disputa energética está o MPL, fundado pelo presidente libanês, Michel Aoun, que se julga protetor dos cristãos. O partido é liderado por Bassil – genro de Aoun –, ex-ministro da Energia, cargo que ocupou por uma década, além da chefia da estatal Electricité du Liban (EdL). 

Os problemas da EdL são graves e incluem um déficit de produção de pelo menos 1.500 megawatts, uma rede de transmissão com desperdício, roubo de energia, adulteração de medidores e problemas de faturamento. As tarifas não são reajustadas desde a década de 90, contribuindo para o sucateamento do serviço. Governos seguidos prometeram uma solução, mas nunca cumpriram. Os grupos políticos culpam uns aos outros pelo fracasso. 

Quando a luz cai, as famílias recorrem a fornecedores privados, a um custo alto. 

Economistas estimam que os libaneses gastem cerca de US$ 1,5 bilhão ou mais por ano com distribuidores privados de energia, que fornecem pequenos geradores e cabos pendurados precariamente em postes. No ano passado, o governo tentou regular esse mercado para reduzir os preços, mas nunca conseguiu.

O Banco Mundial encarregou a Electricité de France (EDF) de elaborar um plano para o setor elétrico. Um rascunho do estudo indicou que os melhores locais para uma usina seriam em Zahrani, área xiita no sul do país, e Deir Ammar, vila sunita no norte. Selaata, segundo o estudo, foi rejeitada porque não faz sentido técnico.

O MPL considerou o plano como uma tentativa de engavetar o projeto em Selaata. Aoun exigiu uma revisão, insistindo na construção da usina na região cristã, criando um novo impasse com os doadores internacionais. E, assim, o projeto não sai do papel. 

Os investidores reconhecem o direito do Líbano de escolher onde colocar a nova usina, mas afirmam que o país precisa do financiamento externo. “Financiar duas usinas já é difícil, e eles querem que financiemos uma terceira sem nenhuma explicação”, disse um dos doadores. 

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