A monotonia acabará com o Instagram?

Quando foi que o Instagram ficou tão chato? O aplicativo de compartilhamento de fotos, outrora o queridinho dos olhos do Facebook, passou anos concentrando-se em rebater as acusações de que tinha impacto nocivo nos usuários. Agora, no entanto, depara-se com um novo e doloroso problema, o tédio. Essa transformação do panorama representa uma ameaça para a capacidade de lucro do Instagram, no momento em que o valor de mercado de seu controlador se aproxima do trilhão de dólares. 

É difícil saber se o Instagram mudou ou se seus usuários simplesmente amadureceram. Afinal, agora a geração Y, que fez do Instagram um fenômeno, se aproxima da meia idade. Carregar autorretratos exige tempo e esforço que eles não têm mais de sobra como antes. Publicar “selfies” agora pode até dar certa sensação de constrangimento para eles. 

Minha própria alimentação de conteúdo afinou rapidamente. As publicações de amigos vêm desaparecendo, substituídas por campanhas de marcas. O aplicativo foi tomado de assalto pelos influenciadores, uma nova cepa de celebridade virtual criada para despejar coisas em cima de seus seguidores. 

A pandemia parece ter acelerado uma tendência que já existia. Ficar se vangloriando, a motivação para a maioria das publicações no Instagram, não é algo que se encaixa bem em um mundo de férias canceladas ou restaurantes fechados. Max Read, ex-editor- chefe do blog Gawker, escreveu em 2020 que havia deixado o Instagram no início daquele ano, depois de o aplicativo ter se tornado “perturbadoramente chato” em tempos de confinamento. 

A tentativa embaraçosa da atriz Gal Gadot de animar as massas subindo um vídeo no Instagram com seus amigos famosos cantando conseguiu unir o público, só que contra todos os envolvidos no vídeo. A questão existencial, sobre para que servem as redes sociais on-line performáticas, ficou difícil de responder. 

O declínio na atratividade do Instagram se reflete no tempo em que as pessoas passam na plataforma. No Reino Unido, em cada dia de setembro de 2020, os usuários na faixa de 18 a 24 anos passaram em média dez minutos e meio por dia no Instagram. No mesmo período de 2019, o tempo havia sido de 15 minutos, segundo um informe da Ofcom, a agência supervisora das comunicações no Reino Unido. A mesma faixa etária passou meia hora no TikTok e mais de uma hora no YouTube. 

Com o passar do tempo, toda plataforma de mídia social cede poder às rivais. Por muitos anos, no entanto, o Instagram praticamente definiu o setor. Lançado em 2010 por Mike Krieger e Kevin Systrom, seu principal fator de atratividade eram os filtros de fotos. De uma hora para a outra, porém, imagens impecáveis passaram a ficar ao alcance de qualquer um que tivesse telefone celular. 

O aplicativo também conquistou uma reputação de positividade: proporcionava um refúgio para seus usuários escaparem dos tiroteios e das discussões no Facebook ou Twitter. No verão americano de 2018, tinha mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais, o que fazia sua aquisição pelo Facebook por US$ 1 bilhão, seis anos antes, parecer uma pechincha. Seu sucesso foi tão onipresente que provocou ressentimento interno no Facebook, segundo a revista “Wired”. 

Com o tempo, contudo, a perfeição fabricada pelo Instagram se transformou em algo que poderia ser mais prejudicial. O aplicativo tornou-se notório por insuflar sentimentos de inadequação entre seus usuários. Mark Zuckerberg, cofundador e CEO do Facebook, gosta de dizer que o cerne de todos os produtos do Facebook é a “conexão” entre os usuários, mas o verdadeiro motor é a atenção. 

Os usuários do Instagram direcionaram suas câmeras para si mesmos, subindo uma quantidade sem precedente de “selfies”. A ubiquidade dos autorretratos aperfeiçoados com o uso de filtros levou a um aumento nas cirurgias plásticas, em busca do chamado rosto Instagram. 

Olhando em retrospectiva, 2018 pode ter sido o ápice do aplicativo. Naquele mesmo ano, os fundadores do Instagram deixaram o Facebook, porque não conseguiam chegar a uma visão consensual sobre seu futuro. O Facebook aproveitou a oportunidade para incluir mais vídeos e links de compras no aplicativo, com a ideia de buscar mais formas de ganhar dinheiro na plataforma. 

O design minimalista do Instagram foi substituído por uma grande bolsa de surpresas, mais parecida ao próprio aplicativo do Facebook. O aplicativo não dá atualizações sobre seu número de usuários há três anos, o que sugere desaceleração em seu crescimento. 

Por sua vez, foi se formando aos poucos uma reação contrária à imagem de perfeição “vendida” pelo aplicativo. Há uma tendência no aplicativo de vídeos curtos TikTok que mostra uma foto aparentemente natural carregada no Instagram e, depois, conta a história real por trás dela. Aquela imagem supostamente casual levou 20 tentativas até ficar daquele jeito. As águas no lago mostrado no Instagram estavam, na verdade, poluídas. Aquele jatinho privado mostrado na foto nunca decolou do aeroporto. 

Acontece que o restante do mundo, na realidade, não estava passando por momentos melhores, mais especiais e mais cheios de cores do que você. 

Talvez as rachaduras tenham começado a aparecer em janeiro de 2019, quando a foto de um simples ovo superou uma postagem de Kylie Jenner como a mais curtida na história do Instagram. A campanha foi uma travessura deliberada dos usuários. No mesmo ano, o TikTok decolou nos Estados Unidos, repleto de piadas irreverentes e com uma legião de criadores de conteúdo mais jovens. O Reels, um produto equivalente lançado pelo Instagram, até agora não conseguiu afetar o sucesso do TikTok. 

A esperança do Instagram é que sua base de usuários seja grande o suficiente para evitar uma decaída à irrelevância no estilo do MySpace. O Facebook mostrou ser habilidoso em extrair mais receitas do mesmo conjunto de usuários mesmo quando seu impacto cultural vai definhando. 

O crescimento da base de usuários no Canadá e EUA se estancou, mas a receita média por usuário do Facebook subiu quase 20% em 2020. A empresa terá que repetir o truque com o Instagram. Caso contrário, o tédio sentido pelos usuários começará a impactar os resultados da empresa. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/06/22/ft-muito-influenciador-para-poucos-olhos-a-monotonia-acabar-com-o-instagram.ghtml

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