A estranha semelhança entre as economias do Brasil e EUA

Pessoas devem se lembrar do “efeito Orloff”, ou também conhecido nos anos 80 como “o que acontecia na Argentina logo depois acontecia no Brasil”. Baseado em popular comercial de bebida da época, em que o ator dizia “eu sou você amanhã”, o termo ganhou uso logo depois que o Brasil deflagrou o Plano Cruzado seguindo o Plano Astral argentino (não por acaso ambos os planos de estabilização fracassaram). 

Estaríamos vivendo hoje um episódio do “efeito Orloff” quando olhamos os EUA e o Brasil? Tal pergunta, à primeira vista, não parece ter sentido algum: nada hoje parece mais diferente que a exuberante economia americana e a semi-recessiva economia brasileira. 

Mas e se as atuais diferenças entre as duas economias não são devidas a suas conhecidas diferenças, mas sim a diferenças de velocidade do ciclo econômico? Poderia a “ressaca” que o Brasil está vivendo hoje, com crescimento baixo e inflação alta, apontar para o que pode vir a acontecer com a economia americana? 

Tal pergunta ganha mais importância com o choque econômico causado pelo conflito na Ucrânia, que representa, pelo menos inicialmente, um choque estagflacionário que pode acelerar dinâmicas negativas já presentes na economia americana. 

Essa possibilidade vem da natureza do choque da pandemia, que abateu toda a economia global ao mesmo tempo, e do fato que vários países – inclusive os EUA e o Brasil – adotaram uma resposta relativamente igual: a de agressivamente expandir as políticas fiscais e monetárias. Assim, talvez as grandes diferenças atuais entre o Brasil e os EUA se manifestam na intensidade e amplitude do ciclo nas duas economias, mas não nos seus resultados. 

Olhando para a dinâmica relativa entre as duas economias desde o início de 2020 há muitas diferenças, mas uma importante semelhança: a dinâmica da inflação em relação as metas do Federal Reserve e do Banco Central (veja o gráfico). A inflação no Brasil tem sido mais forte que a inflação americana, mas a dinâmica tem sido basicamente a mesma. 

A única questão hoje não é se o Fed está atrás da curva, mas se está disposto a pagar o preço para debelar a inflação 

Essa semelhança não foi verdade em duas outras dimensões: crescimento econômico (e fatores subjacentes como renda, poupança e mercado de trabalho) e a dinâmica das políticas monetárias e fiscais. 

Na questão do PIB, vemos um forte movimento “em V” no início da pandemia, com o Brasil até performando melhor que os EUA no final de 2020. Mas em meados de 2021, quando a economia brasileira basicamente recupera o nível de atividade pré-pandemia, o nível de atividade entra em estagnação, enquanto a economia americana continua a crescer. 

Vemos outra grande diferença na política monetária. Medido contra estimativas da taxa neutra de juros, inicialmente o Banco Central derruba a taxa Selic mais do que o Fed, mas no início de 2021 a Selic começa a subir, ficando acima do nível neutro no terceiro trimestre de 2021, enquanto o Fed manteve sua taxa de juros nominal em zero por todo este período. 

Essencialmente a mesma coisa acontece com a política fiscal. Olhando o lado das despesas, ambos os países aumentam seus gastos, com o pico de gastos no Brasil ocorrendo antes do final de 2020 e caindo durante 2021, enquanto os gastos nos EUA continuam a aumentar, mostrando uma leve queda no segundo semestre de 2021. 

O que explica essas diferenças? Certamente não foi a semelhante performance da inflação, mas sim a reação dos mercados ao longo do tempo. Com o início da pandemia o real brasileiro cai fortemente contra o dólar americano, e permanece nesses níveis mais fracos durante toda a pandemia, até a inesperada recuperação neste início de ano. A forte queda de juros promovida pelo Banco Central inicialmente afrouxa as condições financeiras, mas ao longo de 2021 isso se reverte, e ao final do mesmo ano as condições financeiras se encontravam tão apertadas como nos piores momentos de 2020. 

A meu ver essas diferenças e semelhanças foram principalmente uma demonstração do maior grau de liberdade da política econômica americana devido ao lugar central da sua moeda no sistema financeiro internacional. Tendo o dólar como moeda reserva global, em momentos de crise há um fluxo de recursos entrando em seus mercados, deixando o Fed e o Tesouro americano livres para (se quiserem) captarem esses recursos em políticas anticíclicas sem pagar um prêmio de risco aos investidores. O caso brasileiro é exatamente o contrário, dadas nossas conhecidas fragilidades monetárias e fiscais. 

Desta forma, apesar de enfrentarem dinâmicas inflacionárias relativamente iguais, os mercados impõem ao Brasil a necessidade de apertar a política monetária, ou enfrentar a ameaça de uma ainda pior desvalorização cambial, enquanto nos EUA foi o Fed que sinalizou no final de novembro de 2021 a intenção de iniciar a normalização da política monetária, pegando boa parte do mercado de surpresa. 

Ter maior grau de liberdade é algo bom, mas pode ser abusado. Com a inflação no maior patamar dos últimos 40 anos, e isso sem ainda sofrer os efeitos do choque sendo causado pela guerra na Ucrânia, a única questão hoje não é se o Fed está ou não “atrás da curva” e bem atrasado no seu processo de ajuste, mas sim qual a sua disposição política de pagar o preço para debelar a inflação. No nosso caso, esse preço já está sendo pago, e assim os mercados podem já olhar para o outro lado da corcova, e uma eventual recuperação cíclica, o que em parte explica a surpreendente boa performance dos mercados brasileiros neste início de ano. 

Tony Volpon é estrategista-chefe da WHG e autor de ‘Pragmatismo com Coação: petismo e economia em um mundo de crises’, da Alta Books. 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-estranha-semelhanca-entre-as-economias-do-brasil-e-eua.ghtml

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