Financial Times; Pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Vladimir Putin se reuniu com Xi Jinping em Pequim. Logo depois, os dois países anunciaram uma parceria “sem limites”.
Se a parceria entre China e Rússia é realmente sem limites é coisa que talvez fique clara nos próximos dias, após notícias de que Moscou pediu ajuda militar a Pequim. Se Xi aprovar esse pedido, a China estará, na prática, ingressando indiretamente numa guerra com os EUA e os países da Otan que apoiam a Ucrânia. Essa decisão pode significar o fim do sistema econômico globalizado que alimentou a extraordinária ascensão da China nos últimos 40 anos..
Rússia e China compartilham de uma hostilidade profunda ao poder global dos EUA. Mas dão tratamentos muito diferentes a essa rivalidade com os EUA. A China pode se dar ao luxo de “abraçar uma estratégia de longo prazo”, em que conta com seu poder econômico para mudar a correlação de forças mundial. Mas a Rússia, com posição econômica mais frágil, apostou a força bruta na Ucrânia.
A aposta de Putin agora ameaça a estratégia de longo prazo chinesa. Pequim pode até ter vislumbrado uma ruptura final nas relações com os EUA no futuro, mas, por causa da Rússia, enfrenta agora o confronto com o Ocidente num cronograma altamente acelerado.
Se a China ajudar Moscou a driblar as sanções ocidentais, provavelmente será alvo de sanções secundárias. Fornecer armas à Rússia alimentaria apelos em favor da imposição de sanções ocidentais, boicotes de consumidores e da saída de empresas ocidentais da China.
Uma guerra russa curta, vitoriosa, teria agradado à China. A narrativa preferida de Pequim sobre a queda inexorável do poder americano pareceria mais confiável. Poderia estar aberto o caminho para um ataque chinês a Taiwan.
Em vez disso, a Rússia se atolou em dificuldades. A aliança ocidental se revigorou, e os EUA e aliados lançaram um novo arsenal de sanções econômicas que será visto como muito ameaçador em Pequim.
A China tem agora de digerir que, devido às sanções ocidentais, a Rússia perdeu acesso à maior parte de suas reservas externas. Como diz o economista Barry Eichengreen, um dos principais motivos pelos quais os países mantêm reservas externas é para ter “fôlego financeiro a ser usado num conflito geopolítico”. Mas a China, que tem as maiores reservas externas do mundo, acaba de descobrir que poderá perder o acesso a seu fôlego financeiro da noite para o dia.
De maneira frustrante para a China, não existe saída fácil para esse problema. A solução óbvia seria o país usar cada vez mais sua própria moeda, o yuan, nas transações externas. Mas Pequim evitou tornar o yuan plenamente conversível, por temer que isso geraria uma perigosa fuga de capital.
O fato de que União Europeia (UE), Reino Unido, Suíça, Coreia do Sul, Japão e Cingapura aderiram às sanções financeiras à Rússia criou uma frente unida de países desenvolvidos que deve preocupar Pequim. A China mediu forças várias vezes com os EUA, tornando-se: a maior potência de comércio exterior, a maior economia (se medida por poder de compra), a maior Marinha. Mas, se tiver de medir forças não só com os EUA, como também com UE, Reino Unido, Japão, Canadá e Austrália, sua posição relativa parecerá muito menos poderosa.
Está claro que tentar isolar a China economicamente será muito mais árduo do que impor sanções à Rússia- que, por si só, dificilmente é indolor. A China está profundamente integrada às cadeias de suprimentos ocidentais. Muitas multinacionais ocidentais colocaram a China no centro de suas estratégias comerciais.
Por esse motivo, mesmo parte da linha-dura americana em relação à China aceita que a interdependência econômica entre EUA e China é um pressuposto inquestionável. Mas uma crise global faz as pessoas reexaminarem suposições básicas. A ideia de uma ruptura econômica entre China e Ocidente, no passado impensável, começa a parecer mais plausível. Pode até atrair o crescente grupo de nacionalistas econômicos ocidentais que atualmente encara a globalização como erro desastroso.
Os cálculos militares da China também parecem mais complicados. Se o experiente Exército russo não consegue invadir facilmente a Ucrânia, como a China poderia ter sucesso numa invasão por mar, muito mais complexa, de Taiwan? A experiência ucraniana sugere que as forças de Taiwan revidariam e que a China teria de aceitar um pesado saldo de vítimas à medida que o Ocidente inundasse Taiwan de ajuda militar. O presidente dos EUA, Joe Biden, sempre descartou lutar pela Ucrânia, mas sugeriu que os EUA defenderiam Taiwan.
Supunha-se que a China seria o parceiro principal da parceria “sem limites” com a Rússia, mas a decisão de Xi de abraçar Putin agora parece um erro de cálculo. É difícil ter estratégia de longo prazo ao se aliar a um apostador temerário.