THE NEW YORK TIMES – Um ano atrás, quando Washington e grande parte da Europa ainda inundavam-se de otimismo considerando que a Ucrânia estava prestes a repelir a Rússia de seu território, parecia inconcebível os Estados Unidos voltarem as costas para a vítima da agressão de Vladimir Putin.
Agora, mesmo que os senadores democratas tentem preservar um pacote de ajuda para a Ucrânia, essa possibilidade permanece real. E o momento político parece imensamente diferente do ambiente de 14 meses atrás, quando o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, compareceu a uma sessão conjunta do Congresso trajando seu característico suéter verde-musgo, em que os congressistas o aplaudiram de pé, numa ovação de um minuto.
A reviravolta surpreendeu a Casa Branca. Mesmo que o Senado consiga prover a ajuda militar, ainda há várias razões para duvidar que o dinheiro sairá, incluindo uma profunda oposição entre os republicanos na Câmara dos Deputados e a pressão do ex-presidente Donald Trump por uma posição mais isolacionista.
Os conselheiros do presidente Joe Biden insistem que ainda não consideram outras opções. “Nosso foco não está no Plano B”, afirmou o conselheiro de segurança nacional do presidente, Jake Sullivan, em Bruxelas, na quarta-feira, depois de uma reunião da Otan com seus homólogos. “Nosso foco é o Plano A”, disse ele, que significa aprovar um pacote de ajuda bipartidário que possibilitará à Ucrânia “defender-se eficazmente e recuperar território que a Rússia ocupa atualmente”.
Mas nos bastidores há muita discussão, em Washington e na Europa, sobre outras opções, incluindo confiscar mais de US$ 300 bilhões em ativos do Banco Central russo depositados em nações ocidentais — um processo que está se mostrando mais complicado do que pareceu inicialmente.
Ainda assim, autoridades americanas reconhecem que não há nada no horizonte capaz de se equiparar ao poder de uma nova dotação de US$ 60 bilhões do Congresso, que poderia permitir a Kiev comprar defesas aéreas reforçadas, mais tanques e mísseis e uma enorme provisão de munições.
E, acrescentaram as fontes, o simbolismo dos EUA se retirarem neste momento poderia ser profundo.
Autoridades europeias que temem a possibilidade de Trump ser eleito novamente e cumprir sua promessa de retirar os EUA da Otan estão começando a questionar, pelo menos privadamente, a confiabilidade dos EUA não importando quem seja seu presidente.
Se os republicanos estiverem dispostos a acatar a exigência de Trump para que eles votem contra a continuidade da ajuda à Ucrânia, questionou um graduado diplomata em Berlim, na quarta-feira, por que a Europa confiaria na garantia de Biden afirmando que os EUA “defenderiam cada centímetro” de território da Otan? Mesmo alguns dos ex-conselheiros de segurança nacional de Trump — aqueles com quem ele rompeu há muito — estão começando a afirmar que a ausência do financiamento à Ucrânia representaria uma vitória estratégica enorme para Putin.
“Os EUA têm uma escolha clara: armar os ucranianos com os armamentos que eles precisam para se defender ou cortar a ajuda e abandonar a Ucrânia democrática em sua luta por sobrevivência nacional contra a agressão de Putin”, disse na segunda-feira H.R. McMaster, que serviu por um ano como o segundo dos quatro conselheiros de segurança nacional de Trump. Ele notou que enquanto o Congresso debatesse, “o abandono de Kiev seria um presente para o eixo Moscou-Teerã-Pequim-Pyongyang de agressores. Aliados e parceiros perderiam a confiança nos EUA conforme esses agressores fossem encorajados”.
Curiosamente, a ameaça do Congresso de terminar a ajuda ocorre justo no momento em que a Europa empenhou US$ 54 bilhões para a reconstrução da Ucrânia ao longo dos próximos quatro anos, e países como Noruega e Alemanha estão determinando uma nova ajuda militar a Kiev. “Foi notável a rapidez com que a Europa se movimentou no sentido de um novo e substantivo apoio de vários anos para a Ucrânia”, afirmou Christoph Trebesch, que dirige o banco de dados Ukraine Support Tracker, do Instituto Kiel para Economia Mundial, no norte da Alemanha. “Pela primeira vez, agora os EUA estão atrás por uma grande margem” em comparação com a ajuda europeia, afirmou ele.
“Não se trata de caridade; isso atende ao nosso próprio interesse de segurança”, afirmou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, na sede da aliança, na quarta-feira, numa conferência de imprensa concedida juntamente com Sullivan. Uma vitória da Rússia, acrescentou ele, seria “um problema para a segurança da Europa e para a segurança dos EUA”.
Mas o argumento de que o Ocidente deve fazer a Rússia recuar na Ucrânia ou encarar a possibilidade de enfrentar Moscou no território da Otan parece estar perdendo eficácia no Congresso. E alguns congressistas republicanos ainda estão acusando a Europa de não assumir responsabilidades que lhe cabem mesmo que os comprometimentos financeiros mais recentes alterem a equação.
Mas nenhum desses argumentos, afirmam autoridades americanas e europeias, é capaz de superar a seguinte realidade: se os EUA encerrarem seu apoio financeiro para a guerra, muitas das necessidades militares cotidianas desapareceriam — começando pelas defesas antiaéreas contra as barragens de mísseis quase diárias, os ataques de drones e as ofensivas com outros armamentos mirando centros urbanos e infraestruturas críticas, como a rede de transmissão de eletricidade. E se a economia ucraniana ruir, um esforço de dois anos para salvar uma democracia recente, mesmo que repleta de imperfeições, se encerrará.
Os republicanos que se opõem à ajuda não argumentam diretamente com essa lógica, mas muitos insistem que despejar bilhões de dólares em um país com um histórico profundo de corrupção é um convite à prevaricação. Em vez disso, o argumento primário é que o dinheiro deveria ser gasto domesticamente, na fronteira sul, e não nas terras ucranianas fronteiriças à Rússia. Os oponentes mais expansivos, incluindo os congressistas Marjorie Greene, da Geórgia, e Matt Gaetz, da Flórida, argumentam que a Ucrânia “coloca os EUA em último”.
Por meses, a Casa Branca considerou-os um grupo periférico. Mas pesquisas mostram que a porcentagem de eleitores republicanos afirmando que os EUA gastaram demais na defesa da Ucrânia foi às alturas. E agora muitos republicanos ficaram mais resistentes, alinhando suas próprias visões com a posição defendida há muito por Trump, que na campanha de 2016 afirmou que não defenderia a Ucrânia. Oito anos depois, ele insiste — sem fornecer nenhum detalhe — que poria fim à guerra em 24 horas.
Agora essa oposição se consolidou tanto que até o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, do Kentucky, que declarou em diversas ocasiões que financiar a guerra na Ucrânia era uma de suas prioridades, parece estar voltando atrás.
Enquanto isso, os conselheiros de Biden tentam descobrir como pagar pelas armas se o Congresso seguir paralisado. O plano de confiscar ativos russos tem complicações. Não está claro se essas reservas poderiam ser usadas para pagar por defesa antiaérea e artilharia. Até isso, afirmam autoridades do governo, poderia requerer aprovação no Congresso — apesar de presumivelmente haver mais votos na Câmara e no Senado favoráveis a gastar dinheiro da Rússia do que dinheiro dos EUA.
Há também uma discussão a respeito da condução de trocas de armamentos complexas, similares às que Japão e Coreia do Sul fizeram, em que os países forneceram seus projéteis de artilharia para os EUA permitindo a Washington dar mais para a Ucrânia. (Ambos os países afirmaram que não poderiam exportar diretamente para uma zona de guerra.) Ou talvez fazer os países europeus pagar por armamentos americanos e os transportar para a Ucrânia.
Mas a Europa claramente não tem capacidade de fornecer muito mais munição. Durante os 30 anos de uma relação crescentemente intranquila com a Rússia, a Europa desmantelou grande parte de sua capacidade de produção. A presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou em um discurso recente que “nós teremos entregado mais de meio milhão de projéteis de artilharia até o próximo mês” e “mais de um milhão até o fim do ano”, mas ela reconheceu que “isso certamente não é suficiente”.
A Europa também tem pouco a contribuir na fabricação de drones. E a Alemanha continua relutante em entregar seus mísseis de cruzeiro Taurus, seus projéteis de longo alcance mais poderosos de lançamento aéreo, por temer que o armamento seja usado para atingir alvos profundos dentro do território russo. O papel da Alemanha deverá estar no centro da reunião entre o chanceler Olaf Scholz e Biden na Casa Branca, na sexta-feira.
Sullivan, de sua parte, insiste que, se seguir com sua estratégia, o governo triunfará. “Sair da Ucrânia neste momento, nesta hora, seria fundamentalmente equivocado do ponto de vista da nossa segurança nacional básica nos EUA e também para os nossos aliados da Otan”, afirmou ele na quarta-feira. “E nós achamos que continuaremos a vencer essa discussão.”