“Hola!” exclamou Stacey Abrams, candidata democrata ao governo da Geórgia, no sul dos Estados Unidos, ao subir ao palco de uma festa mexicana na capital, Atlanta, no fim de setembro.
Sem segurar o espanhol, Abrams logo mudou para seu idioma materno e apresentou suas propostas em inglês. “Mesmo quem não puder votar conhece alguém que vota”, acrescentou, em discreta alusão a imigrantes em situação irregular. O vídeo do discurso compartilhado pelas redes sociais da candidata traz legendas em castelhano.
O movimento de Abrams se repete em todo o país à medida que se aproximam as midterms, as eleições de meio de mandato marcadas para 8 de novembro. O pleito vai renovar as cadeiras da Câmara, um terço do Senado e uma série de governos estaduais.
Com mais de 62 milhões de pessoas segundo o último censo, hispânicos e latinos são o segundo maior grupo étnico dos EUA, atrás apenas da população branca. Nativos ou descendentes de pessoas da América Latina compõem cerca de 19% do total de pessoas no país e são o grupo demográfico com maior índice de crescimento.
É um contingente de peso, com 35 milhões de eleitores que equivalem a 14% do eleitorado, e que ganha mais força ainda em alguns dos chamados estados-pêndulo, aqueles que não têm preferência explícita por democratas ou republicanos.
No Arizona, por exemplo, latinos são cerca de 32% da população e 25% dos eleitores. Para se ter uma ideia de como cada voto importa por lá, em 2020, Joe Biden ganhou de Donald Trump com apenas 10 mil votos de vantagem —0,3 ponto percentual do total. Em Nevada, outro estado-pêndulo onde a margem de vitória foi de 2 pontos, a população de latinos passa de 30%.
O voto latino foi jogado ao centro das midterms deste ano, porém, menos por seu tamanho na população geral e mais pelo abalo na fidelidade do grupo no Partido Democrata ao longo das últimas décadas.
Pesquisa deste mês do instituto Ipsos e do jornal The Washington Post mostrou que a preferência dos latinos ainda é pelos democratas: 63% dizem que vão votar na legenda, contra 36% que preferem republicanos. A diferença de 27 pontos, porém, era de 40 nas eleições de 2016 e 2018.
A vantagem reduzida tira o sono dos estrategistas democratas e é vista como a grande oportunidade dos republicanos. Enquanto a legenda de Biden ainda tem esperança de manter o controle do Senado, os partidários de Trump devem tomar o controle da Câmara, fortalecendo a oposição ao governo.
É nesse caldeirão que entram iniciativas como o Libre. A plataforma de difusão de ideias conservadoras voltada para a comunidade hispânica surgiu dentro da Americans for Prosperity, fundação libertária que tem laços com republicanos financiada pela bilionária família Koch.
Republicanos, porém, ainda gastam menos dinheiro com latinos em anúncios no rádio e na TV. Dados compilados pelo portal americano Politico apontam que, desde o ano passado, o partido gastou US$ 19 milhões em propagandas em espanhol; democratas usaram quase o triplo, US$ 54 milhões.
Para o cientista político Ken Kollman, professor da Universidade de Michigan, algumas posições republicanas atraem parcelas conservadoras dos latinos, principalmente no que diz respeito a direitos sociais, reprodutivos, da comunidade LGBTQIA+ e à preocupação com violência e imigração irregular.
“À medida que a comunidade latina ascende para as classes média e média-alta, pode começar a mimetizar preferências de outros grupos da sociedade americana baseados em seus níveis de [acesso a] educação e riqueza”, afirma Kollman.
A pesquisa do Ipsos mostra que no topo da lista dos temas mais importantes para latinos estão a inflação (31%), o aborto (20%) e a violência armada (10%). O último item disparou depois do atentado a uma escola infantil na cidade de Uvalde, no Texas, que deixou 22 mortos —muitos deles latinos—, aponta a Equis Research, grupo que pesquisa essa parcela do eleitorado nos EUA.
“Não se esqueça de Uvalde”, diz análise da entidade sobre o cenário atual das midterms. “Para os eleitores latinos, uma questão-chave nesta eleição é quem me protegerá e protegerá minha família. Uma expressiva maioria dos latinos e quase todas as mulheres latinas estão alinhados às posições progressistas em relação a armas.”
O voto latino, no entanto, nunca foi monolítico. Ao mesmo tempo que há uma comunidade expressiva de expatriados cubanos anticomunistas na Flórida, dos quais 57% votam no Partido Republicano, a preferência de descendentes de mexicanos pelos democratas chega a 66%.
Andra Gillespie, pesquisadora de eleições e raça e professora da Universidade de Emory, em Atlanta, aponta que cresceu o apoio a Trump entre latinos entre 2016 (28%) e 2020 (32%), segundo pesquisas de boca de urna.
É preciso ter em perspectiva, porém, que quase 70% da população latina não vota em republicanos, afirma Gillespie. A especialista avalia que esse pode ser um movimento em ondas: em 2004, o republicano George W. Bush, que governou o Texas antes de se tornar presidente, chegou a angariar apoio de 44% dos latinos.
Para a Equis, o cenário também ainda não está favorável aos opositores de Biden. “Eleitores que no passado votaram com os democratas hoje podem mudar de ideia, mas os republicanos falharam até agora em conquistá-los.”
Enquanto isso, os candidatos continuam batalhando pelo grupo, ainda que com alguns soluços. “Gracias for having me”, disse Stacey Abrams misturando inglês e espanhol no fim de seu discurso na fiesta mexicana em Atlanta.