Vírus deixa exposta debilidade na saúde pública de asiático

A morte de um chinês nas Filipinas infectado com o novo coronavírus (agora denominado Covid-19) deixou a população cética quanto à capacidade do governo de lidar com emergências de saúde pública – um sentimento que também pode ser percebido em outros países do Sudeste Asiático. 

O homem de 44 anos morreu de pneumonia no Hospital San Lázaro no dia 1o, tornando-se a primeira vítima do vírus fora da China – e o segundo caso confirmado de infecção nas Filipinas. O sentimento de nervosismo nas Filipinas, em parte, é resultado dos cortes no orçamento de saúde feitos pelo presidente do país, Rodrigo Duterte, nos últimos três anos. 

 “O orçamento da saúde foi cortado em favor da segurança pública, então, o que o Departamento da Saúde poderá fazer quando isso realmente se tornar uma epidemia”, perguntou Raven Lingat, de Manila. “Ao contrário da China, não temos condições de construir hospital em uma semana.” 

Ante a probabilidade de que a situação se agrave, as atenções agora se voltam para a capacidade de reação dos asiáticos. Há grande diferença na saúde pública de cada país na região, o que levanta dúvidas sobe a capacidade dos governos de lidar com o vírus. “Ninguém investe o suficiente em saúde até que aconteça uma catástrofe como esta”, disse Laurie Garrett, ex-pesquisadora do Council on Foreign Relations, em Nova York. 

Especialistas alertam que a cifra real de morte e infectados na crise pode ser muito maior do que o que tem sido divulgado, já que alguns países não dispõem dos recursos para monitorar, diagnosticar e analisar os casos adequadamente. Se mais casos vierem à tona, alguns serviços de saúde poderiam rapidamente ficar sobrecarregados. 

“É um grande teste para as instituições e principais agentes políticos na região”, disse Richard Coker, professor emérito de saúde pública na London School of Hygiene and Tropical Medicine. “Caso se dissemine na região de forma parecida a como está se disseminando na China, então acho que o Sudeste Asiático vai ter dificuldades.” 

Pesquisadores da empresa de segurança sanitária Metabiota dizem que a falta “sistemática” de investimento tornou os sistemas de saúde na região mal preparados. “Quando os ministérios tomam decisões, eles tentam equilibrar entre a necessidade imediata, especialmente na Ásia, onde há bolsões de pobreza críticos, e a proteção contra ameaças futuras”, disse Ben Oppeinheim, diretor de produtos da Mebabiota. 

Como a Ásia representa uma proporção cada vez maior da economia mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem alertado para o fato de que as repercussões econômicas do Covid-19 serão piores do que as da epidemia de síndrome respiratória aguda grave (Sars, na sigla em inglês) do início dos anos 2000. 

As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam que os países incrementem suas capacidades de resposta, diagnóstico e vigilância da doença. Os laboratórios nas Filipinas precisaram esperar que testes de reagentes do Covid-19 chegassem do Japão, segundo o porta-voz do Departamento de Saúde do país, Eric Domingo. 

Na Indonésia, país de 270 milhões de habitantes, não há casos confirmados oficialmente e a população vem questionando a capacidade das autoridades de detectar infecções. Na semana passada, o representante da Indonésia da OMS, N. Paranietharan, disse que a instituição não tinha “preocupação específica” com as medidas do governo para verificar o vírus, mas analistas pensam diferente. 

O professor de saúde pública Ascobat Gani, da Universidade da Indonésia, disse que o país tem uma estrutura reguladora para lidar com a doença, mas que o problema “é a execução”. Ele destacou que não há suficientes técnicos de vigilância, epidemiologistas e sanitaristas para monitorar e lidar adequadamente com uma epidemia no arquipélago. Há preocupações parecidas no Camboja, onde o primeiro- ministro Hun Sen declarou o país “livre” do coronavírus depois que o único paciente confirmado – um turista chinês em férias – se recuperou. 

“O número de casos registrado, sem dúvida, está subestimado”, disse Coker, sobre a disseminação do vírus na região como um todo. Os governos asiáticos têm sido criticados pela forma com lidaram com o surto. Alguns foram acusados de reações exageradas, outros, de fazer pouco. Mais de 50 países impuseram restrições a pessoas provenientes da China. O Japão, por outro lado, permitiu que dois habitantes retirados de Wuhan, epicentro do vírus, voltassem ao país sem passar pela quarentena recomendada de 14 dias. 

Oppenheim destacou a Tailândia pelos investimentos no sistema de saúde, que estão ajudando a administrar o surto de coronavírus. “A Tailândia fez investimentos significativos em medidas de vigilância e saúde pública contra este tipo de ameaça”, disse Oppenheim. “Isso ficou visível na atual crise -eles receberam casos e lidaram com isso de forma hábil.” Ainda assim, diante da dinâmica da infecção por vírus, bons sistemas de saúde pública não são garantia de que epidemias podem ser evitadas. 

“Durante a crise da Sars, o país que a conteve mais rapidamente foi o Vietnã”, disse Garrett. “Você não pode supor que um país vai fazer um melhor ou pior trabalho com base em seu PIB. O Canadá, um país muito rico, com cobertura universal de saúde, lutou por meses para eliminar a Sars dos hospitais de Toronto.” 

Japão e Cingapura, duas das maiores economias da Ásia, ambas com coberturas universais de saúde, confirmaram mais casos fora da China do que muitos países do Sudeste Asiático. “Tudo isso depende da capacidade de comunicar qual é o risco e como lidar com ele, para que as pessoas não fiquem exageradamente ansiosas”, disse Oppenheim. “O próprio medo causa prejuízos econômicos e pode não levar às mudanças comportamentais certas para limitar o risco 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/02/17/virus-deixa-exposta-debilidade-na-saude-publica-de-asiaticos.ghtml

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