The Economist; Por que o cristianismo pende para a Ásia

O impeachment do ex-presidente Yoon Suk-yeol revelou muitas falhas na sociedade sul-coreana. Uma delas permeia a considerável comunidade cristã do país. Os evangélicos emergiram como alguns dos maiores apoiadores de Yoon após sua tentativa fracassada de impor lei marcial. O pastor de extrema direita Jeon Kwang-hoon organizou manifestações em sua honra sob o lema “Salve a Coreia”. Em contraste, o Conselho Nacional de Igrejas da Coreia, um órgão ecumênico mais tradicional, saudou a “decisão histórica” do tribunal constitucional de restaurar a democracia.

O cristianismo é, há muito tempo, uma força poderosa na sociedade da Coreia do Sul e em suas batalhas por democracia. A Coreia do Sul está entre os países mais cristãos da Ásia, com cerca de 30% da população se identificando como cristã. Grupos protestantes tenderam a se alinhar estreitamente com os regimes autoritários do pós-guerra no país, enquanto os católicos apostólicos romanos apoiaram o movimento de democratização na década de 80. Hoje em dia, as divisões são menos evidentes, mas mais pronunciadas. Os cristãos são “nosso próprio eixo no espectro de uma sociedade polarizada; não nos alinhamos perfeitamente”, afirma Cho Seung-hyeon, da Catholic Peace Broadcasting Corporation.

De muitas maneiras, o status minoritário do cristianismo contradiz a amplitude de sua influência no país — assim como em grande parte da Ásia. Apenas as Filipinas e o Timor-Leste são nações majoritariamente cristãs na região. No entanto, à medida que a população cristã diminui na Europa e na América do Norte, “o centro de gravidade do cristianismo está mudando”, argumenta Mathews George Chunakara, da Conferência Cristã da Ásia, um organismo regional ecumênico. África e América Latina são as principais fontes de novos fiéis, mas a Ásia também desempenha uma função. Sua população cristã cresceu em média 1,6% ao ano entre 2020 e 2025. Em novembro do ano passado, num sinal da crescente importância da região para o cristianismo, o papa Francisco visitou o Sudeste Asiático.

Líderes cristãos emergem cada vez mais na Ásia, observa Todd Johnson, do Seminário Teológico Gordon-Conwell, em Boston. O Movimento de Lausanne, um grupo evangélico fundado pelo pastor americano Billy Graham, é liderado por um coreano-americano que trabalha extensivamente no Japão. Líderes recentes da Pentecostal World Fellowship e da World Evangelical Alliance, dois outros grandes movimentos evangélicos, incluem um malaio e um filipino, respectivamente. Missionários sul-coreanos estão entre os mais ativos no mundo. O cardeal sul-coreano Lazarus You Heung-Sik é mencionado como possivelmente um próximo papa.

Pode haver mais gente praticando o cristianismo na Ásia do que normalmente se acredita. Fenggang Yang, da Universidade Purdue, em Indiana, argumenta que muitas pesquisas subestimam a parcela da população cristã nos países asiáticos, forçando os entrevistados a escolher entre as religiões quando as práticas espirituais na região são frequentemente híbridas. Vejamos o Japão, que reprimiu violentamente o cristianismo até abrir suas fronteiras, no fim do século 19. Acredita-se que apenas 1% da população japonesa seja cristã, mas se os entrevistados puderem escolher entre várias religiões, o número de pessoas adeptas do cristianismo pode subir para 3% a 4% da população, afirma Yang.

O cristianismo também se destaca na educação e, consequentemente, entre as elites da região. Nove dos 65 primeiros-ministros japoneses do pós-guerra (ou cerca de 14%) eram cristãos, incluindo o atual líder do país, Ishiba Shigeru. “Se você quiser encontrar uma linha transversal nesse fenômeno, é a educação”, diz Levi McLaughlin, da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Muitas das principais escolas particulares do Japão têm raízes cristãs. Entre as cerca de 600 universidades privadas do país, cerca de 10% são instituições cristãs, afirma Yamaguchi Yoichi, reitor da Universidade Cristã de Tóquio. A influência desproporcional do cristianismo é especialmente pronunciada na Coreia do Sul. Cerca de 70% dos presidentes do país no pós-guerra eram cristãos, assim como cerca de um terço de suas universidades, diz Kim Eun-gi, da Universidade da Coreia.

Mostre-me o homem

A comunidade cristã contemporânea da Coreia do Sul é incrivelmente diversificada. “Há todo o espectro da extrema direita à esquerda presente não apenas na sociedade coreana, mas também dentro das igrejas coreanas”, afirma Kim. Os fiéis às vezes se alinham com os progressistas do país em questões econômicas, como direitos trabalhistas, ao mesmo tempo que apoiam os conservadores em questões sociais.

As igrejas evangélicas sul-coreanas lideraram a resistência aos direitos LGBT+ na Coreia do Sul. Essas megaigrejas têm fortes laços com igrejas evangélicas dos Estados Unidos. No verão passado, Donald Trump Jr, filho do presidente americano, discursou na Igreja Yoido Full Gospel, a maior megaigreja do mundo, em Seul. “Continuaremos lutando por todos os valores judaico-cristãos nos quais acreditamos e que vocês compartilham conosco”, declarou ele. As igrejas evangélicas são capazes de exercer uma “influência massiva” sobre a política sul-coreana, congregando grandes grupos de eleitores em potencial, diz Lee Dong-hwan, pastor que foi excomungado pela Igreja Metodista da Coreia do Sul por seu apoio aos direitos de pessoas gays.

No entanto, Lee também observa que um número pequeno, mas crescente, de padres progressistas se manifestou em apoio às paradas do orgulho gay na Coreia do Sul nos últimos anos. Sua conversão ao apoio à comunidade LGBT+ ocorreu depois que um de seus fiéis se assumiu gay para ele. “Jesus aceitou todas as pessoas”, diz Lee. “Do lado de quem ele estaria hoje?”

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