The Economist: O que esperar de uma economia aquecida nos EUA

Quando os Estados Unidos espirram, o resto do mundo fica resfriado. Mas o que acontece quando fica febril? Depois de um difícil 2020 em que o PIB apresentou uma queda de 3,5%, os EUA deverão desfrutar de uma forte recuperação em 2021 simplesmente voltando para algo semelhante ao normal com o avanço da vacinação. Entretanto, é possível que consiga mais do que isso. Se o projeto de lei sobre a ajuda no combate à covid elaborado pelo presidente Joe Biden for aprovado, o estímulo em sua totalidade, este ano, poderá superar os US$ 2,5 trilhões. 

Isso impulsionaria a produção acima do que o Departamento do Orçamento do Congresso calcula que seja o seu patamar “potencial”: ou seja, o total que a economia pode produzir sem aumentar a pressão inflacionária. Essa possibilidade faz com que alguns economistas americanos fiquem atentos aos sinais de uma aceleração do crescimento dos preços e dos salários.

Caso ocorra um superaquecimento, seus efeitos não se deteriam nas fronteiras americanas. Dependendo de como se dará a recuperação, o aquecimento da economia americana poderá ser uma bênção para o resto do mundo – ou então outra fonte de preocupação.

Em uma economia fechada que não tem laços comerciais com o resto do mundo, gastos limitados podem levar à perda de empregos e pressionar para baixo os preços. Já em excesso, impulsionariam o emprego e, por fim, os preços. Em uma economia aberta, entretanto, alguns dos efeitos das alterações da demanda se propagam para o resto do mundo. Uma queda abrupta dos gastos, por exemplo, pode estar associada à queda da demanda por importações, e parte do sofrimento de uma crise é exportada para o exterior. Durante a crise financeira global de 2007-09, os problemas nos mercados financeiros provocaram o caos no mundo inteiro, mas mesmo países relativamente isolados desses males foram afetados em razão dos laços comerciais com os EUA e a Europa. Segundo uma estimativa, cerca de 25% da queda da demanda americana e 20% da demanda europeia foram sentidas por outras economias e transmitidas por meio do comércio.

A aceleração da demanda deveria funcionar de maneira semelhante, mas na outra direção. Como os americanos gastam mais, parte disso vaza para o exterior por meio das compras de bens estrangeiros, por exemplo, ou pelos gastos em serviços – incluindo o turismo, que deverá começar a se recuperar à medida que as restrições em razão da pandemia forem levantadas.

Uma análise das repercussões da política fiscal publicada pelo Fundo Monetário Internacional em 2017 observou que um estímulo americano, que consiste principalmente de gastos (ao contrário do corte de impostos), correspondente a 1% do PIB, eleva a produção de um país médio em 0,33% no primeiro ano. Os países com vínculos comerciais mais estreitos experimentam efeitos maiores. O estímulo para a economia do Canadá é calculado em quase três vezes a média, por exemplo. Se a combinação da reabertura com o estímulo revigorar o consumidor americanos, os efeitos poderão ser sentidos rapidamente no mundo inteiro.

Entretanto, o grau em que serão sentidos depende da resposta da política, tanto interna quanto externamente. Os efeitos externos na área fiscal são mais poderosos quando os países que os recebem também estão operando abaixo do potencial. Os gastos americanos, portanto, terão impacto mais provavelmente no resto do mundo se a sua recuperação for mais forte do que a dos seus parceiros comerciais. 

Em geral, os efeitos fornecem um forte incentivo para que os governos coordenem os seus esforços na questão dos estímulos – para que algumas economias comedidas (por exemplo, as da Europa) peguem carona na magnanimidade das mais generosas. De fato, no dia 12 de fevereiro, Janet Yellen, a secretária do Tesouro dos EUA, instou os seus colegas do G-7 a também serem “generosos” no estímulo. Os países que pegam carona poderão encontrar-se em uma situação complicada com Yellen: o governo Biden prometeu ser intransigente com os que registram consideráveis e persistentes superávits comerciais.

A maior incerteza a respeito dos efeitos globais de uma economia americana aquecida é a reação do Fed. Um recente trabalho de Kristin Forbes, do Massachusetts Institute of Technology, sugere que a inflação interna se tornou mais sensível ao longo do tempo a fatores globais. Entretanto, a inflação dos salários parece ainda em grande parte sensível às condições internas. 

O Fed poderá, portanto, minimizar a questão dos aumentos dos preços, mais tarde este ano, considerando que a pressão sobre os preços no curto prazo não se traduzirá em uma inflação sustentada até que o mercado de trabalho nos EUA e a economia mundial estejam plenamente recuperados. Um Fed mais tolerante em relação aos juros favorecerá um dólar mais fraco e condições financeiras mais fáceis no mundo todo, influindo no impulso proporcionado pelo fato de que os americanos compram mais bens do exterior. 

Mas o fantasma americano das altas dos juros poderia assustar os mercados globais e forçar as economias emergentes a adotarem políticas fiscais e monetárias menos estimulantes. A possibilidade de o Fed repentinamente tornar-se intransigente parece improvável. Mas se a temperatura dos Estados Unidos subir o suficiente, o resto do mundo poderá se apavorar. 

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