The Economist: O momento de ascensão de Mike Bloomberg

Numa tarde chuvosa em Chattanooga, a fila para o comício de Mike Bloomberg dava volta no quarteirão. Onze semanas desde que começou sua campanha, o ex-prefeito de Nova York e o 12.º homem mais rico do mundo, já é bem conhecido no Tennessee.

Esta foi sua quarta visita ao Estado, um dos 14 onde votações primárias serão realizadas em 3 de março. Ele também vem dominando as transmissões via rádio e TV com anúncios que se repetem sem parar, tecendo críticas a Donald Trump, falando do seu mandato como prefeito de Nova York, do apoio filantrópico ao controle de armas e políticas de combate ao aquecimento do clima. “É quase similar ao que ocorreu com Obama”, disse um aposentado de Chattanooga, maravilhado com o tamanho da multidão.

A singularidade da campanha de Bloomberg atraiu muito desdém. As primárias presidenciais tradicionalmente são decididas pelos primeiros quatro Estados onde elas são realizadas, em razão de sua entrada tardia na disputa, ele aguarda este ciclo terminar sem poder fazer muita coisa. Sua posição política, como ex-republicano, que outrora foi sinônimo de um policiamento racialmente desumano, também é inadequada para muitos comentaristas de esquerda. Mas bilionários que enriqueceram pelo próprio esforço tendem a não ser ruins em reconhecer suas probabilidades. E, enquanto seus rivais se digladiavam em Iowa e New Hampshire, sua campanha agressiva nos Estados participantes da Super Terça tem produzido o maior e mais rápido aumento nas pesquisas.

Bloomberg está em terceiro lugar na pesquisa nacional da Economist, com 16%. E com Joe Biden perdendo espaço, ele em breve pode se tornar o segundo candidato mais votado, depois de Bernie Sanders, que venceu em New Hampshire. 

Bloomberg já obteve uma série surpreendente de endossos, incluindo de três membros do Black Caucus esta semana – até agora o grande ganhador era Joe Biden. E se as primárias começarem a mostrar um possível confronto entre Bloomberg e Sanders, que desperta muita desconfiança do público, muita gente mais vai aderir ao ex-prefeito. 

Com seu discurso compacto, antiquado e pobre, Bloomberg não se compara em quase nada com Barack Obama – salvo, potencialmente, num aspecto. Ao contrário dos oponentes mais uniformes, a principal preocupação dos democratas é encontrar um líder capaz de unir a coalizão do seu partido etno-politicamente dividida. 

Obama conseguiu isso de maneira magnífica – e esta é a razão pela qual Biden, que foi seu vice, tenta assumir o papel. O entusiasmo por Bloomberg, que vem crescendo antes de disputar uma primária ou debater com algum dos seus rivais democratas, sugere que ele logo poderá ser posto à prova.

Ascensão.

Há duas razões para sua ascensão. Em primeiro lugar, os enormes gastos que vem fazendo. Estima-se que ele já injetou mais de US$ 300 milhões em publicidade na rádio e TV. A título de comparação, Amy Klobuchar, sua rival moderada, até há pouco tempo tinha US$ 5 milhões em mãos. Bloomberg também montou uma equipe de campanha talentosa e enorme, de 2.100 pessoas, muitas delas ganhando um salário duas vezes maior do que qualquer um nas outras campanhas. Os recursos e o profissionalismo de seus comícios estão num nível diferente em relação a seus rivais: quando ficou claro que o espaço em Chattanooga não comportaria nem 200 pessoas daquela enorme fila, seus técnicos montaram um sistema de som fora do prédio em questão de minutos. Num evento posterior, em Nashville, às mais de mil pessoas presentes foi servido um churrasco e todas receberam camisetas e um crachá com os dizeres “I like Mike”.

O segundo aspecto que favorece Bloomberg é que o veredicto dos primeiros Estados está longe de ser decisivo. A centro-esquerda está atualmente dividida entre Pete Buttigieg, Amy Klobuchar e um enfraquecido Joe Biden. O que torna Bernie Sanders, que domina uma facção de esquerda menor, um candidato frágil. Para desafiá-lo ou Biden teria de congregar seus eleitores não brancos, ou Buttigieg ou Klobuchar teriam de conquistar o apoio deles. Mas Biden parece fustigado. E apesar dos atributos de Pete Buttigied e Amy Klobuchar os eleitores ainda estão refletindo sobre ambos. 

Nunca um prefeito gay ou uma mulher chegaram à Casa Branca. O fato de o próprio Bloomberg ser um “bilionário judeu divorciado, baixinho, de Nova York”, como se qualificava, depreciativamente, agora não parece ser algo que possa desqualificá-lo.

Nenhum candidato parece capaz de unir os democratas como ocorreu com Obama, mas Bloomberg certamente afastaria muitos devotos de Bernie Sanders. Mas o melhor argumento em favor da sua candidatura pode ser o de que ele é capaz de concentrar as mentes errantes dos democratas no inimigo comum: Donald Trump. 

Milionários.

As muitas simetrias entre os dois nova-iorquinos são clara e infalivelmente a favor de Bloomberg. Ele é um milionário que enriqueceu pelo próprio esforço. Trump herdou sua riqueza e levou à falência suas empresas. Bloomberg tem a reputação de melhorar o governo com ações eficientes similares às de uma empresa; o presidente Trump é um vândalo. Bloomberg é um dos mais generosos filantropos dos EUA. Trump usou a fundação da sua família para comprar um retrato dele mesmo para pendurar num dos seus clubes de golfe. E se os democratas duvidarem que essas comparações são importantes, devem pensar que, se Bloomberg for o seu oponente, Trump pensará um pouco mais a respeito. Uma piada recente que Bloomberg fez sobre a menor riqueza de Trump (ao ser indagado sobre a perspectiva de dois bilionários disputarem a presidência, ele perguntou: “quem é o outro?”) teve por alvo seu público.

Existem ainda enormes dúvidas sobre sua candidatura. Seu apoio tem sido inflado pelo forte reconhecimento do seu nome em lugares onde os adversários estão ausentes. Se seu desempenho for ruim nos primeiros confrontos com eles – a começar com o debate pela TV em Las Vegas na quarta-feira, esse reconhecimento pode murchar. Tendo sido, até agora, amplamente ignorado por seus rivais, daqui para frente ele também deverá despertar uma atenção potencialmente maligna. A revelação esta semana de algumas observações agressivas que fez no passado em apoio a sua polêmica política de policiamento já foi um primeira mostra.

Mas o maior temor é que, em vez de tirar proveito do campo dividido dos democratas, Bloomberg venha fraturá-lo ainda mais. Ele pode capturar o apoio dos não brancos a Joe Biden para conter Buttigieg, ou Amy Klobuchar talvez não consiga unir a centro-esquerda, mas não vai conseguir isso por si mesmo. 

Talvez suas qualidades valham o risco, mas se o seu tiro sair pela culatra, ele, mais do que ninguém, contribuirá para Sanders ser o indicado para disputar a eleição presidencial pelo Partido Democrata.

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