Em 2002, numa época em que os Estados Unidos estavam tomados pelo medo de uma bomba nuclear iraquiana, um grupo de oposição iraniano realizou uma coletiva de imprensa para revelar uma descoberta dramática. O Irã, segundo eles, havia construído uma instalação para enriquecer urânio que poderia eventualmente se tornar combustível para bombas.
O local ficava perto da cidade de Natanz, na província de Isfahan. Em 13 de junho, explosões ecoaram em Natanz, um dos muitos alvos em todo o país atingidos por bombas israelenses. “Nos últimos meses”, afirmou Israel, o Irã “aumentou seu envolvimento no avanço da preparação de todos os componentes necessários para montar armas nucleares”.
O Irã nega veementemente que tenha alguma vez buscado armas nucleares. Isso não é verdade. Na década de 1980, a República Islâmica começou a importar equipamentos e materiais nucleares do Paquistão e da China. E, na década de 1990, aprovou e alocou fundos para um plano de fabricar cinco armas nucleares e realizar um teste nuclear subterrâneo, de acordo com documentos obtidos por Israel e analisados por especialistas do Belfer Centre da Universidade de Harvard. Essa decisão foi aprovada por um comitê que incluía Ali Shamkhani, então ministro da Defesa. Shamkhani, que atuava como conselheiro político de Ali Khamenei, o líder supremo, foi morto por um ataque israelense em 13 de junho.
Este programa formal de armas nucleares, o Projeto AMAD, foi suspenso pelo governo iraniano em 2003, de acordo com uma “estimativa da inteligência nacional” americana publicada em 2007. Não está claro o motivo. Pode ter sido porque Saddam Hussein, a principal ameaça do Irã, acabara de ser derrubado no Iraque; ou porque as tropas americanas estavam posicionadas em ambos os lados do Irã, no Iraque e no Afeganistão. Também estava ficando claro que as agências de inteligência ocidentais haviam penetrado profundamente nas cadeias de abastecimento das quais o Irã dependia e que as instalações nucleares do Irã estavam sendo expostas. Mas a jornada nuclear do Irã não parou por aí.
O Irã limitou sua capacidade de enriquecimento e seu estoque de urânio enriquecido em um acordo firmado com os Estados Unidos e outras potências importantes em 2015. Mas Donald Trump abandonou esse acordo em 2018. O programa nuclear do Irã cresceu dramaticamente desde então.
Em maio, a Agência Internacional de Energia Atômica, órgão fiscalizador da ONU, disse que o Irã havia adquirido mais de 400 kg de urânio enriquecido a 60% de pureza, o que está a um passo do nível necessário para armas nucleares. Isso seria suficiente para dez bombas, se o material fosse enriquecido ainda mais.
Em paralelo, o Irã continuou a fortificar suas instalações nucleares contra ataques. Em 12 de junho, logo após ser repreendido pelo conselho de governadores da AIEA, o Irã disse que abriria uma nova instalação de enriquecimento. Isso poderia explicar as recentes escavações perto de Natanz.
Jeffrey Lewis, um especialista em armas nucleares, afirma que o Irã tem escavado uma instalação subterrânea a 80 a 100 metros abaixo de uma montanha. O tamanho estimado da instalação, com base no material removido, é de mais de 10.000 metros quadrados — maior do que Fordow, a usina de enriquecimento mais profundamente enterrada do Irã.
Mais importante ainda, apesar de ter interrompido seu programa formal de armas, o Irã continuou a realizar algumas pesquisas relacionadas a armas mesmo após 2003. “Houve uma decisão… de continuar alguns trabalhos para preencher lacunas técnicas”, observa a avaliação de Belfer, “alguns deles abertos, com histórias de cobertura civil, e outros secretos”.
Cerca de 70% do pessoal da AMAD foi transferido para um novo programa, o SPND, liderado por Mohsen Fakhrizadeh, um cientista nuclear, de acordo com documentos israelenses. A AIEA também apontou evidências de modelagem computacional iraniana do processo de implosão, parte do projeto de uma bomba, ainda em 2009. Esse também foi o ano em que os Estados Unidos, o Reino Unido e a França revelaram publicamente a construção de Fordow pelo Irã.
No entanto, as evidências sobre o que aconteceu mais recentemente são obscuras. Autoridades israelenses, justificando seu ataque, afirmam que houve uma “grande aceleração” no programa nuclear do Irã, aproximando o país “significativamente” de uma bomba. Eles apontam para o trabalho iraniano em núcleos de urânio, fontes de nêutrons (que provocam uma explosão) e explosivos plásticos.
Mas não está claro o quanto disso é realmente novo. E os aliados de Israel parecem menos preocupados. Em março, Tulsi Gabbard, diretora de inteligência nacional dos Estados Unidos, disse ao Congresso que as agências de inteligência americanas acreditavam que o programa anterior a 2003 permanecia em suspenso: “O Irã não está construindo uma arma nuclear”.
As atividades nucleares do Irã certamente se tornaram mais fragmentadas e desorganizadas após o assassinato de Fakhrizadeh, provavelmente por Israel, em 2020, com o uso de uma metralhadora controlada de maneira remota. Não há uma única figura coordenando o que restou da pesquisa sobre armas nucleares. Acredita-se que algumas unidades do programa iraniano estejam conduzindo pesquisas sem informar os formuladores de políticas.
Uma fonte israelense disse à revista The Economist no início deste ano que “há agora pelo menos cinco ou seis Fakhrizadehs e eles são muito mais difíceis de alcançar”. Isso certamente não sugere uma ressurreição do Projeto AMAD ou a busca obstinada por uma bomba a qualquer custo. É mais consistente com as conclusões da avaliação da inteligência americana em 2007: que o Irã estava mantendo suas opções em aberto.
A questão é se Israel pode causar danos duradouros. Os ataques de 13 de junho podem ter tido como alvo muitos desses seis Fakhrizadehs. As forças armadas israelenses afirmam ter danificado a sala de centrífugas de Natanz, a câmara subterrânea onde as centrífugas enriquecem urânio, embora não esteja claro o grau dos danos. Até o momento, Israel não atacou Fordow ou outro local de pesquisa nuclear na cidade de Isfahan, embora ambos os locais possam ser atingidos em ondas posteriores.
Uma questão crucial, diz Ian Stewart, do James Martin Centre for Nonproliferation Studies, é se Israel encontrou e destruiu o estoque de urânio enriquecido a 60% do Irã. “Esconder quantidades modestas permitiria ao Irã concluir a etapa de enriquecimento modesto em segredo com um pequeno número de centrífugas”, alerta ele. “O Irã também poderia alegar que parte do urânio enriquecido foi perdido nos ataques”. O interesse do Irã em armas nucleares tem aumentado e diminuído há mais de 40 anos. Mas nunca desapareceu completamente. E agora pode ser empurrado ainda mais para a clandestinidade.
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