A bolha está ficando enorme. Pela minha linha tempo, camisetas anunciam que ler é sexy, que café e livros são tudo o que precisamos para um dia perfeito. Na minha linha do tempo, tem um monte de gente compartilhando trechos de livros, lançando livro, falando de livro, comprando livro, participando de clubes de leitura.
A comunidade BookTok viraliza com a força que só a mais frenética das redes sociais, o TikTok, poderia alcançar. Meus algoritmos andam tão dóceis. Em vez de me aprisionarem, passaram a me levar para um lugar sem limite: o da leitura. Vocês estão vendo a mesma coisa que eu, além da polêmica do IOF?
A Bienal do Livro do Rio este ano traz uma grande novidade: patrocínio de empresas de fora do mercado editorial. Elas não vendem livros, não fazem livros, mas querem estar no meio dos livros, das pessoas que escrevem e leem livros. Sabe por quê? Porque esse negócio de ler nunca foi tão promissor. Estarão as feiras de livro deixando de ser reduto para se tornarem plataformas onde as marcas precisam estar? Como aconteceu com festivais de música, tipo o Rock in Rio, que foi da lama ao luxo, um lugar onde as marcas querem estar?
Minha alma otimista espera que sim. Num país com poucos leitores, o fortalecimento do mercado editorial beneficia todo mundo. Gera demanda para mais escritores competentes e nacionais, o que tende a elevar a qualidade da oferta de livros. Democratiza o conhecimento.
Viabiliza o acesso a cultura, à diversidade, à criatividade. Ajuda a formar crianças e jovens mais capazes e sensíveis. Mão de obra culta agrega valor aos negócios, enriquece o seu time. Interpretar é “soft skill” de primeira necessidade e isso se adquire lendo. Muito.
A importância da leitura na nossa formação e saúde mental vem sendo estudada há décadas. Da infância à terceira idade, sobram benefícios.
Uma pesquisa acompanhou mais de 2 mil taiwaneses com mais de 64 anos por 14 anos e constatou uma melhora cognitiva maior em quem lia mais. A pesquisa foi publicada no International Psychogeriatrics em 2020.
Quem lidera, ou ambiciona liderar, precisa de empatia, coisa que a leitura ajuda a desenvolver ao nos colocar em contato com situações que nunca passaremos. Tanto a ficção como a não ficção literária ampliam nossa visão de mundo, dos relacionamentos, dos sentimentos. Lendo, ainda nos protegemos temporariamente dos barulhos de fora para ouvir os de dentro.E não é apenas sobre autoconhecimento. É sobre fazer bons negócios.
No artigo “Your strategy needs a story”, publicado na Harvard Business Review em 2023, os autores sustentam que transformar uma estratégia em história pode ser “uma fonte importante de vantagem competitiva no mundo acelerado de hoje”.
Um plano de negócios bem-feito está ancorado por fatos, projeções, análises. O processo é racional. A história cuida do engajamento, daquilo que vai tocar as pessoas para elas agirem. Servem, portanto, “como ponte entre estrategistas e implementadores”, escreveram os autores do artigo. Afirmam isso, claro, porque há um sem-número de pesquisas comportamentais provando que nossas ações dependem das emoções, coisa que nem o plano de negócio nem o texto bem escrito sobre a origem da sua empresa vai conseguir sem uma história. Numa história, algo acontece com alguém. Problemas são superados. Surpresas surgem no caminho.
Pegando uma carona num exemplo tirado deste artigo, poucas pessoas passarão a dirigir de forma mais cuidadosa porque foram apresentadas a estatísticas sobre acidentes em estradas. A chance disso acontecer é maior quando elas entram em contato com uma história real de uma família que sofre um acidente numa estrada perigosa.
Com histórias, as pessoas não precisam ter ligação emocional com sua empresa para curtir o que você faz. A conversa da firma para dentro, do “somos incríveis e nosso time, imbatível”, é chata. Esse, aliás, é um alerta que Chris Anderson, o curador do TED Talk, faz sobre palestras que fracassam. A comunicação sobe degraus na escala do sucesso quando mostra sem explicar demais – desde que você forneça as informações necessárias de forma clara. Eis o que as histórias fazem.
Talvez – e isso é só uma hipótese – o incentivo à leitura que corre pelas redes sociais seja mesmo o sintoma de uma revolução, de uma moda com potencial de virar hábito. Talvez o interesse das empresas pelo mundo da literatura ajude a desenvolver uma sociedade leitora mais sensível e crítica, impermeável a verdades absolutas e “fake news”, aponto de a bolha ficar tão grande e acolhedora que ninguém vai se importar de ficar nela.