Streaming ao vivo leva o e-commerce a uma nova era

A empreendedora tecnológica Dan Dan Li espera há anos que a geração do smartphone redescubra um venerável passatempo americano: o canal de compras. A ideia de vender produtos por meio de demonstrações de vídeo data dos anos 80, quando a Home Shopping Network e a QVC surgiram na televisão americana. 

Salto rápido para 2021 e as “lives” de vídeo se tornaram o principal recurso dos maiores aplicativos de e-commerce da China, como Taobao Live, JD.com e Pinduoduo. O ato de comprar também está se tornando uma parte integral dos aplicativos sociais de vídeo chineses, como o Kuaishou e o Douyin, a versão chinesa da Bytedance do TikTok. 

Ainda assim, os consumidores da América do Norte e Europa acabam sempre ficando com lojas on-line estáticas e sem graça que se parecem mais com versões miniaturizadas de seus websites para computadores de mesa. “Quase tudo prioriza as versões móveis”, diz Li, que vive e trabalha em Hollywood. “O entretenimento é ‘mobile- first’, as redes sociais são ‘mobile-first’, mas o e-commerce está na Idade da Pedra.” 

Isso é algo que Li espera mudar com sua startup Popshop Live, de uma nova geração de aplicativos que tenta aproveitar as características mais essenciais do smartphone – câmeras e comunicação – no comércio eletrônico. 

Inspirados na expansão acelerada do comércio móvel na China, novos empreendimentos como o Popshop, Verishop, OOOOO e NTWRK estão competindo com o Instagram e o TikTok para redefinir o varejo on-line para uma nova geração de consumidores. 

Imran Khan, um ex-banqueiro e executivo do Snapchat, quer que a Verishop, sua startup de varejo on-line baseada nos EUA, se torne um “shopping digital”. 

A Amazon é excelente para se encontrar itens de “conveniência”, afirma ele, mas para as categorias do e-commerce que estão crescendo mais rapidamente, como moda, produtos de beleza e utensílios domésticos, “as pessoas querem ouvir as opiniões dos outros e entender a história do produto”. 

No Reino Unido, o aplicativo OOOOO está se apresentando como a “QVC da geração TikTok”, com canais de vídeo dedicados a bolsas, cosméticos e perfumes. 

Li da Popshop foi estimulada a “reiniciar” o canal de compras para a era das redes sociais, depois de participar do festival South by Southwest em Austin, em 2016. Os frequentadores de festivais estavam transmitindo eventos, apresentando pessoas como Barack Obama pelo Snapchat e do Periscope, o aplicativo de streaming ao vivo do Twitter. 

Ela começou a trabalhar para transformar o que era um aplicativo de comércio de itens de segunda mão em uma experiência centrada no vídeo. Mas ainda decorreriam vários anos até que a ideia de usar uma live interativa começasse a cair nas graças dos consumidores americanos. “Levou um tempo para a experiência de produto ser percebida”, diz Li. 

Hoje, de pequenos varejistas de Nova York até o Mall of America de Minnesota, o maior shopping center dos EUA, agendam programas do Popshop para exibir suas mercadorias, responder dúvidas de clientes, fazer performances ao vivo ou simplesmente conversar com os telespectadores. 

Com frequência eles são donos de lojas que precisaram fechar as portas para os clientes do mundo real no último ano, transformando suas lojas vazias em estúdios. 

“Acho que a covid está ajudando muita gente a antever melhor o futuro”, afirma Li. Em novembro a Popshop foi avaliada em US$ 100 milhões numa rodada de financiamento liderada pela Benchmark, um investidor inicial do Uber, Instagram e Snapchat. O tempo gasto em aplicativos de varejo no mundo aumentou 30% em 2020, segundo a App Annie, que monitora o uso de aplicativos móveis. 

Muito do interesse renovado dos investidores pelo streaming ao vivo, além de grandes empresas como o Facebook, é motivado por uma crença de que os hábitos de compras desenvolvidos durante os “lockdowns” impostos pelo coronavírus em breve irão se parecer com os aplicativos de e-commerce da China no mundo todo. 

A lógica desses investidores e empresas é de que se a Amazon atende as necessidades básicas, as startups e as redes sociais que oferecem chats de vídeo e compras virtuais com amigos motivarão um e-commerce mais recreativo – o que Connie Chan, da firma de venture capital Andreessen Horowitz, chamou de “shopatainment” [em inglês, junção das palavras compra e entretenimento]. 

A Taobao Live tornou-se um dos ramos de crescimento mais rápido da Alibaba, gerando mais de 400 bilhões de yuans (US$ 62 bilhões) em gastos do consumidor ao longo de 2020, segundo informou o grupo chinês de e-commerce. Modelos parecidos vêm surgindo no Japão, Coreia do Sul e sudeste da Ásia, onde um smartphone é o primeiro e único dispositivo de computação de muitos consumidores. 

Mas as empresas da internet dos EUA e Europa estão ficando para trás. “A exploração com curadoria é o futuro do comércio nas redes sociais e no momento as grandes empresas dos EUA simplesmente não são boas, uma vez que não possuem carimbo comercial”, afirma Steve Sarracino, fundador da Activant Capital dos EUA, especializada em investimentos em e-commerce. “A China está muito à frente de nós quanto a isso.” 

Entretanto, nem todos estão convencidos. Estudar a China para as tendências de varejo é “superinteressante”, diz Harley Finkelstein, presidente do grupo canadense de e- commerce Shopify, mas nem sempre fica claro quais ideias “pegarão” em outros mercados. “Ainda não estou certo de que as lives de vídeo serão uma delas.” 

Mesmo assim, os americanos ainda parecem preferir fazer suas compras numa tela maior. Um estudo feito pela Adobe no ano passado constatou que 39% dos gastos com e-commerce nos EUA se deram por meio de smartphones, com a maioria em laptops e outros dispositivos. Uma visita a um site de compras em laptops e PCs tem uma probabilidade duas vezes maior de se converter em venda, do que em smartphones, diz a Adobe. 

https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2021/05/17/streaming-ao-vivo-leva-o-e-commerce-a-uma-nova-era.ghtml

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