Alta das commodities dá impulso à recuperação econômica global

Os preços mais altos das commodities têm proporcionado ganhos econômicos inesperados aos países que fornecem metais vitais para a recuperação global, embora esse boom ainda possa mascarar problemas como as altas taxas de infecções de covid- 19 e o lento ritmo das vacinações. 

Na semana passada os preços do minério de ferro e do cobre atingiram recordes, com os trilhões de dólares de estímulo econômico disponibilizados em todo o mundo elevando a demanda por metais. É um caso de história que se repete para exportadores como Austrália e Chile, que se beneficiaram dos gastos com infraestrutura da China e de outros países que lutavam para se recuperar da crise financeira mundial de 2008-09. 

O aumento dos preços ajuda países produtores de commodities ao elevar a receita tributária, que pode ser usada para pagar serviços de saúde e outras medidas de apoio econômico que se tornaram necessárias por causa da pandemia. Ao tomar menos empréstimos, os países podem ficar mais protegidos contra choques futuros. Os preços mais altos das commodities podem ser um motor para os mercados de ações locais e aumentar lucros de empresas de mineração como o BHP e a Rio Tinto. 

Os produtores de petróleo, dos EUA à Rússia e aos países do Oriente Médio, podem se beneficiar de uma tendência semelhante. Embora os preços do petróleo não estejam perto de seus níveis recordes, eles subiram recentemente, em meio a previsões otimistas para a demanda global, à medida que as vacinações avançam e as restrições para viagens diminuem. Uma das principais referências do mercado de petróleo, o tipo Brent já subiu mais de 30% neste ano. 

Por outro lado, apostar na continuidade das receitas extraordinárias obtidas com os altos preços das commodities para aumentar seus gastos de curto prazo pode deixar os governos vulneráveis à uma queda dos preços. Um boom nos preços das commodities também eleva o risco de alimentar a inflação ao redor do mundo. Os governos podem precisar intervir para evitar a formação de bolhas, até mesmo com a elevação das taxas de juro, mesmo com recuperações econômicas ainda frágeis. 

Os altos preços das commodities também podem ser um desafio para os países que precisam importar petróleo, gás ou metais. E mesmo para os países produtores, os preços mais altos nem sempre são uma solução rápida que pode turbinar o crescimento econômico. A economia do Brasil, por exemplo, tem enfrentado dificuldades com a pandemia de covid-19, apesar de o país ser um grande exportador de minério de ferro. 

Mas a Austrália, que responde por mais de 50% das exportações mundiais de minério de ferro, é um exemplo de como a sorte pode melhorar quando há uma alta nos preços das commodities. Na terça-feira, o país anunciou uma previsão de déficit orçamentário para os 12 meses até junho de 161 bilhões de dólares australianos, o equivalente a US$ 126 bilhões. Seis meses antes, a expectativa era de um déficit de quase 200 bilhões de dólares australianos. 

A melhora nas finanças da Austrália deve muito à supressão da covid-19 dentro de suas fronteiras – o país registrou menos de 30 mil casos desde o início da pandemia – e ao impacto das medidas de estímulo econômico, que incluíram um subsídio salarial aos trabalhadores. Mas a alta do preço do minério de ferro para um recorde de US$ 233,10 a tonelada na quarta-feira, com as siderúrgicas chinesas comprando mais da commodities, teve um papel significativo. 

“O preço do minério de ferro está muito mais alto do que o que tínhamos previsto inicialmente”, disse o secretário do Tesouro da Austrália, Josh Frydenberg. 

Os planos de gastos da Austrália para os próximos 12 meses se baseiam no preço do minério de ferro retornando a US$ 55 a tonelada. Se ficar em US$ 230 a tonelada, a Austrália terá US$ 15,5 bilhões a mais de receita anual, na estimativa do economista do UBS, George Tharenou. Isso amorteceria o impacto econômico de as fronteiras da Austrália permanecerem fechadas por mais tempo, incluindo setores como turismo e educação para estrangeiros, e um início lento de sua campanha de vacinação. 

Na semana passada, o Banco Central da Austrália elevou sua previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 para 4,75% – em fevereiro, sua estimativa era de 3,5%. 

“Os lucros maiores da mineração também impulsionam os preços das ações, o que ajuda a fortalecer os orçamentos das famílias em um momento em que os investimentos tradicionais em depósitos a prazo estão rendendo quase zero”, disse Kieran Davies, estrategista-chefe da Coolabah Capital. 

Há outro benefício ainda para a Austrália, já que a alta do minério de ferro reduz a pressão comercial chinesa. O governo chinês impôs uma série de restrições de importação e tarifas sobre produtos australianos – como a cevada e a carne bovina – no ano passado, quando o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, pediu uma investigação internacional sobre o surto inicial da covid-19 na China. Mas como depende do minério de ferro da Austrália, Pequim não incluiu a commodity entre seus alvos. 

“O maior comprador do planeta compra do maior vendedor do planeta”, disse Stephen Halmarick, economista-chefe do Commonwealth Bank of Austrália. “Não há mais ninguém que possa vender a qualidade e a quantidade que a China exige.” 

A expectativa do Banco Mundial é que os preços dos metais subam quase 30% neste ano, antes de caírem em 2022, quando o crescimento impulsionado pelo estímulo econômico diminuir e as restrições de oferta forem resolvidas. Ainda assim, o Banco Mundial ressalva que muito dependerá dos grandes programas de estímulo, com o plano de infraestrutura de US$ 2,3 trilhões dos EUA possivelmente dando um novo impulso aos preços dos metais, como alumínio, cobre e minério de ferro. 

Outros exportadores de commodities também estão vendo uma recuperação do crescimento. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia do Chile vai crescer 6,2% neste ano – um desempenho melhor do que a média da América do Sul -, com as suas exportações se beneficiando dos preços mais altos do cobre e da forte 

recuperação econômica nos países desenvolvidos e na China. O preço do cobre dobrou nos últimos 12 meses e na terça-feira chegou ao recorde de US$ 4,7785 por libra na Comex, em Nova York. 

A alta nos preços das commodities coincidiu com o rápido avanço do Chile em sua campanha de vacinação, embora o país tenha sofrido recentemente uma disparada nos novos casos de covid-19 – alguns especialistas em saúde pública têm dito que o país reabriu rápido demais sua economia. Segundo o FMI, tanto a trajetória dos preços do cobre como o curso da pandemia podem afetar sua previsão, mas o ritmo acelerado da vacinação no Chile deve conter os riscos relacionados à pandemia. 

Para muitos países, porém, o aumento da receita com as exportações de commodities significa mais um raio de esperança enquanto enfrentam os graves desafios econômicos e de saúde pública causados pela pandemia. Em grande parte da África e da América do Sul, o número de novos casos de covid-19 continua alto, enquanto as taxas de vacinação são ainda muito baixas. 

A atividade econômica no Brasil, o segundo maior exportador mundial de minério de ferro em volume, sofreu um golpe nos últimos meses, uma vez que os governos estaduais e locais precisaram reimpor medidas de distanciamento social mais rigorosas em face dos números recordes para os novos casos e mortes por covid-19. O Instituto 

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disse que a produção industrial caiu 2,4% em março em relação a fevereiro, após uma queda menor em fevereiro. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/05/17/alta-das-commodities-da-impulso-a-recuperacao-economica-global.ghtml

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