As empresas de design de chips chinesas, cujos negócios prosperaram abrigados pelo desejo de Pequim de contar com um setor local de semicondutores, alertam que será impossível cumprir a meta nacional de um setor viável e independente sem o acesso à tecnologia dos EUA.
“Há alternativas na China, mas a discrepância tecnológica é grande demais”, disse um executivo de uma das principais fabricantes de chips de inteligência artificial (IA) da China, que depende de tecnologia dos EUA na área de design de chip. “Se perdermos o acesso ao software dos EUA ou não pudermos mais receber atualizações, nosso desenvolvimento de chips entrará num um beco sem saída.”
Um executivo da NextVPU, fabricante de dispositivos de IA de Xangai e fundada por ex-engenheiros da Advanced Micro Devices (AMD), também expressaram essas preocupações. “Sem atualizações vindas de fornecedores de software americanos, a investida da China para desenvolver seus próprios chips chegará num limite impeditivo”, disse ele ao “Nikkei”.
A exemplo de outros citados neste artigo, os executivos falaram sob a condição de não terem seus nomes divulgados, devido a temores de se indispor com Pequim, que fixou uma meta de que 70% de todos os chips usados pela
indústria chinesa em 2025 sejam produzidos internamente. Mas suas avaliações foram corroboradas por especialistas e fornecedores do setor.
“Usaríamos os chips e materiais chineses se o desempenho deles fosse bom o suficiente”, disse um gerente da Semiconductor Manufacturing Internacional, maior fabricante de chips terceirizada. “Mas ainda precisamos dos equipamentos, materiais e software de processamento de imagem e de design de chips [americanos]. Não é provável que qualquer fabricante de chips do mundo… se livre tão cedo dos fabricantes americanos.”
Cici Zhang, analista da empresa de pesquisa TrendForce, em Taipé, também se mostrou pessimista. “A taxa geral de autossuficiência no setor de design de chips na China era de apenas 15% em 2018”, disse Zhang. “Não prevemos que a investida da China para substituir rapidamente muitos atores na área de semicondutores ocorra tão cedo, já que a cadeia de suprimentos mundial é tão interconectada.”
Pequim está enredada em uma feroz batalha com Washington em torno do futuro de seu setor de tecnologia após os EUA passarem a restringir a transferência de tecnologia americana. Em maio, o país proibiu vendas de produtos com 25% de tecnologia americana à gigante chinesa Huawei Technologies. No fim de semana Washington ampliou seu ataque à indústria tecnológica do país asiático, acrescentando cinco outras entidades chinesas – entre as quais a fabricante de supercomputadores Sugon e duas joint-ventures chinesas com a americana AMD – à sua lista de empresas com acesso restrito à tecnologia americana.
As medidas ocorrem num momento em que Pequim pressiona sua indústria doméstica a comprar semicondutores de produção nacional a fim de cumprir sua meta de suprir 40% do abastecimento internamente até 2020 e 70% até 2025. Mas executivos do setor dizem que essa meta está fora do alcance, ao mesmo tempo que muitas empresas chinesas se mostram relutantes em migrar para semicondutores de origem local.
“Para ser sincero, os chips chineses são ainda menos eficientes que os da Intel “, disse um diretor de vendas da Inspur, terceira maior fabricante de servidores do mundo e a maior da China. Empresas que executam processos mais delicados, como transações financeiras, também hesitam em confiar no nascente setor de chips chinês.
“Nossos clientes são bancos, e ter um sistema estável é a prioridade máxima deles”, disse um executivo da Siecom – desenvolvedora de software de Shenzhen especializada em produzir terminais de telecomunicações para bancos chineses. “Mesmo se os chips da Huawei funcionarem tão bem quanto os da Qualcomm, sentimos que a Qualcomm é uma aposta mais segura devido à experiência de décadas na fabricação de chips.”
A produção de chips na China – incluindo as estrangeiras – respondeu por 15% do mercado do país, de US$ 155 bilhões no ano passado, segundo a IC Insights. O grupo de pesquisa de mercado está prevendo uma produção interna chinesa de 20,5% até 2023.
As ambições da China para 2025 já foram obstruídas pelas medidas restritivas dos EUA.
A AMD restringiu o compartilhamento de conhecimento com sua parceira chinesa de joint-venture, a Tianjin Haiguang, à luz das medidas e disse estar “reavaliando as especificidades da ordem, a fim de determinar os próximos passos referentes às nossas joint-ventures… na China”.
A Intel, a maior concorrente da AMD, também encerrou sua parceria com a fabricante de telefones celulares Unisoc Communications, respaldada pelo governo chinês, no começo deste ano. Anteriormente, as duas empresas tinham planejado colaborar no desenvolvimento de modens 5G.
“A investida em direção à independência [da China] não está gerando resultados com a rapidez esperada e foi, de fato, muito prejudicada pela proibição americana”, disse Arisa Liu, analista do setor de chips do Instituto de Pesquisa Econômica de Taiwan.
A estremecida parceria tecnológica também tolheu o crescimento das empresas chinesas de design de chips, dizem analistas. A receita gerada pelo setor deverá crescer 17,9% neste ano, segundo previsões, para aproximadamente 296,5 bilhões de yuans (US$ 42,9 bilhões), a primeira vez em que a taxa cai abaixo de 20% desde 2014, quando Pequim lançou um fundo multibilionário para elevar sua capacidade em semicondutores, de acordo com a TrendForce.
Além disso, para chips de ponta, que são usados para centros de dados e outras aplicações sofisticadas, as empresas chinesas ainda preferem chips importados em detrimento de produtos nacionais. Os chips chineses não apenas ficam a dever em desempenho como também são significativamente mais caro – às vezes chegam a custar 50% a mais, devido à sua limitada escala de produção, disse o executivo da principal fabricante de IA. Essa hesitação em usar os chips domésticos dificulta a tarefa de aprimoramento da tecnologia pelas companhias chinesas.
“O que falta às fabricantes de chips chinesas não é potencial de mercado, e sim confiança do mercado”, disse Jiang Yijie, executivo da fabricante de chips Montage LZ, de Xangai, meses atrás num simpósito do setor em Shenzhen.
Mesmo com o apoio do governo há dúvidas sobre a possibilidade de atingir as metas ambiciosas para 2025. “O setor de chips da China está em ascensão, mas ainda está muito atrás de seus rivais ocidentais”, diz Michael Guo, diretor de venda da Zhejiang Shijing Sensor Technology, que produz chips para a indústria de automóveis. “Provavelmente vamos demorar outra década para alcançá-los.”
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