A promessa da União Europeia (UE) de proibir a importação da maior parte do petróleo russo está forçando o bloco a reformular uma economia voltada a funcionar com petróleo russo barato, enquanto ameaça privar Moscou das receitas de seu produto de exportação mais valioso.
Autoridades da UE devem assinar um acordo de embargo de petróleo nos próximos dias, intensificando as sanções do bloco contra a Rússia em razão da guerra na Ucrânia. Líderes dos Estados-membros da UE disseram na segunda-feira que concordaram em princípio em banir o petróleo russo e os combustíveis refinados que chegam em navios, produtos que respondem por dois terços das exportações da Rússia.
A UE também deverá chegar a um acordo para proibir operações de seguros de navios que transportam petróleo russo, segundo disseram autoridades e diplomatas, em uma iniciativa para estrangular o acesso da Rússia aos mercados internacionais de petróleo.
Grécia, Chipre e Malta, nações com grandes marinhas mercantes, levantaram preocupações durante as semanas de negociações, sobre a proposta envolvendo os seguros. Para aplacar suas preocupações, a proibição será implementada gradualmente em mais de seis meses, segundo fontes a par das discussões. É uma extensão da proposta inicial de um mês. Traders de petróleo e donos de navios afirmam que impedir as companhias europeias de fornecer seguro a navios-tanque que transportam petróleo russo está entre as mais severas armas financeiras que a UE dispõe para castigar a economia russa.
Poucas companhias estão disposta a transportar petróleo em navios não segurados e uma proibição dos seguros foi eficaz para conter as exportações de petróleo iranianas como parte dos esforços para forçar Teerã a negociar seu programa nuclear dez anos atrás.
O combustível importado via oleodutos ficou isento do acordo para obter a aceitação da Hungria. A proibição será implementada ao longo de vários meses. Até o fim do ano, o embargo cobrirá 90% das importações de petróleo russo, segundo autoridades da UE.
O acordo provocou ontem uma alta no preço do petróleo, com os traders se preparando para uma perda de fornecimento do produto russo para os mercados internacionais. O petróleo do tipo Brent, a referência internacional, subiu 1,9% para US$ 119,84 o barril, sendo negociado perto de seu nível mais alto em mais de dois meses. O petróleo do tipo West Texas Intermediate (WTI) subiu 3,5% para US$ 119,06 o barril – já que o mercado americano estava fechado na segunda-feira por conta de feriado.
A proibição encerrará décadas de dependência europeia do petróleo russo e forçará o bloco a encontrar novas fontes de combustíveis. Isso pode estimular a inflação global, que já é a maior em décadas nas grandes economias, e agravar o problema da falta de combustíveis nas regiões mais pobres, que competirão com a Europa para importar petróleo.
Em 2020, 29% das importações de petróleo da UE vieram da Rússia, com os EUA sendo o segundo maior fornecedor, com 9%. A Rússia também é uma grande exportadora de combustíveis refinados para a Europa, fornecendo 10% do diesel consumido na região em 2021, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
Muita coisa está em jogo para a Rússia, que depende de suas exportações de energia para financiar os gastos do governo, já que as sanções internacionais isolaram grande parte de sua economia do Ocidente. Atualmente a UE paga cerca de US$ 10 bilhões por mês pelo petróleo e derivados da Rússia, segundo o centro de estudos Bruegel de Bruxelas.
A isenção do oleoduto não dará muito alívio a Moscou. Antes da guerra, a UE importava cerca de 2,5 milhões de barris de petróleo russo por dia, dos quais 800 mil barris por meio do oleoduto de Druzhba, o mais longo do mundo, de 5.500 quilômetros de extensão.
Até o fim do ano, os fluxos de petróleo russo para a UE serão de 500 mil barris/dia, 20% dos níveis anteriores à guerra, segundo Amrita Sen, fundadora da firma de consultoria Energy Aspects. Isso equivale a cerca de US$ 170 milhões por dia em receita perdida para a Rússia, com os atuais preços com desconto do petróleo russo.
A Europa já se afastou do petróleo russo nos últimos meses, reduzindo as compras de Moscou e buscando petróleo no oeste da África, nos EUA e outros países. A Alemanha, que importa petróleo russo através do ramo norte do oleoduto de Druzhba, rapidamente reduziu suas compras depois da eclosão da guerra, reduzindo sua dependência de Moscou de 35%, antes da invasão, para 12%.
A busca por novos exportadores tem um preço. A corrida da Europa para estocar petróleo de outros produtores elevou o preço do petróleo de alta qualidade produzido em locais que vão da África Ocidental ao Azerbaijão a níveis não vistos em anos. Com a China saindo dos “lockdowns” da covid-19, que derrubaram a demanda por energia, a Europa enfrentará uma competição maior por petróleo.
Para a Europa, substituir o diesel russo será ainda mais difícil do que encontrar novas fontes de fornecimento de petróleo. Segundo analistas e operadores, o combustível, que é usado por uma parcela maior de automóveis europeus do que americanos, provavelmente chegará dos EUA, do Oriente Médio e da Índia. Sen disse que no fim do ano a oferta de óleo diesel será escassa em todo o mundo.
A perda da maior parte do mercado europeu será um duro golpe para o orçamento russo, mesmo que Moscou já tenha redirecionado alguns de seus fluxos para clientes na Ásia. As vendas de petróleo e gás contribuíram com quase 42% das receitas de Moscou no primeiro trimestre do ano.
A proibição da UE aumenta os problemas para o setor de petróleo da Rússia, que já vê os grandes traders optando por evitar transportar seu produto e sendo obrigado a vender seu petróleo com um grande desconto em relação aos preços internacionais.
O presidente russo, Vladimir Putin, ordenou que seu governo amplie a infraestrutura de exportação de energia para a Ásia, o que inclui a construção de oleodutos e gasodutos na Sibéria e o desenvolvimento da Rota do Mar do Norte, uma passagem marítima ao longo da costa ártica russa. Mas em sua maioria esses projetos ainda estão em fase de planejamento e demorarão anos para serem concluídos.
A Índia tem comprado volumes recordes de petróleo russo nas últimas semanas, mas analistas dizem que isso não será suficiente para compensar o embargo da UE. “Isso significa que, com o tempo, o espaço de armazenagem russo será todo ocupado e a produção vai se enfraquecer”, escreveram estrategistas da RBC Capital Markets em uma nota aos clientes.
Autoridades russas dizem que a produção de petróleo neste ano pode cair em até 17% por causa das sanções ocidentais. Isso representa um problema de longo prazo para a Rússia, já que grande parte de sua infraestrutura de petróleo não está equipada para cortes de produção rápidos e profundos. O clima frígido da Sibéria significa que os oleodutos podem estourar se não tiverem com petróleo. Segundo analistas, uma parte considerável da produção que a Rússia começar a suspender agora seria perdida de forma permanente.
Outro aspecto negativo para o Kremlin é que o embargo da UE provavelmente empurrará os preços do petróleo russo ainda mais para baixo. Simone Tagliapietra, pesquisadora sênior da Bruegel, acrescenta que as distâncias maiores para transportar petróleo para a Ásia significam que as margens da Rússia serão ainda mais reduzidas.