Pressão sobre cadeias produtivas muda estratégia de grupos

A desarticulação das cadeias produtivas de equipamentos e insumos no setor de energia está impondo novos desafios às empresas, que já buscam alternativas e mudam estratégias para manterem o ritmo de produção sem comprometer as margens de lucro. A forte demanda global por componentes, guerra da Rússia na Ucrânia, escalada de preços do frete internacional, volatilidade do câmbio e das commodities e o lockdown na China criaram um nebuloso cenário de incertezas.

Companhias já carregam em estoques, apostam na regionalização das cadeias de valor, na ampliação do número de parceiros e na produção cada vez mais verticalizada. O vice-presidente sênior para o hub América Latina da Siemens Energy e general manager da Siemens Energy Brasil, André Clark, conta que não há visibilidade de quando exatamente isso se reacomoda em um novo patamar. 

“Atualmente, cadeias de fornecedores globais estão enfrentando profundos revezes. Esse sistema, que foi desenhado durante décadas para ser ultra eficiente e integrado, está tendo que se adaptar ao fechamento abrupto de fábricas por causa da covid, aos desafios logísticos por conta da guerra, entre tantos outros fatores”, afirma. 

Dentro desse cenário, e em especial quando se fala de ativos energéticos, Ckark aponta uma tendência do investimento no conceito de nearshoring, ou seja, uma regionalização das cadeias de valor. 

“Trata-se de uma mudança na estratégia das cadeias de valor para reduzir a volatilidade, tanto dessas cadeias, quanto também das moedas, uma vez que quando cria-se custos na mesma moeda na qual você serve o mercado, seus riscos são menores. Na Siemens Energy é isso que nós estamos fazendo, tentando trazer mais para perto os suprimentos e diminuindo a dependência de grandes transportes, como os de contêiner”, conta. 

A empresa importava da Alemanha todos os materiais isolantes para equipamentos voltados ao mercado de transmissão de energia. Agora, além desta alternativa, a fabricante está desenvolvendo parcerias com empresas nacionais para suprir a demanda. O mesmo acontece com sistemas de refrigeração, em que a Siemens Energy está comprando localmente.

O sócio da Solve Shipping, Leandro Barreto, faz um relato sobre o impacto do congestionamento nos portos asiáticos e a dificuldade para escoar produtos na rota Brasil-Ásia. O custo do frete está cerca de US$ 2.600 o contêiner, impactando na viabilidade do embarque de commodities e contribuindo com a escalada da inflação global. 

“Como o mundo não conseguiu acabar com as filas e congestionamentos nos pátios dos principais portos do mundo, a gente entra no período de alta temporada de carga com boa parte da capacidade mundial da oferta presa. E isso deve permanecer ao longo de 2022”, diz Barreto.

Nestas situações, o diretor de vendas de Modernização da Voith Hydro América Latina, Ricardo Lee, diz que a empresa usa a estratégia de aquisição de bens e serviços em outros países que possuem condições mais competitivas. 

“Utilizamos a estratégia de global sourcing, apostando no trabalho conjunto do grupo Voith. Nosso planejamento intercompany aumentou a produção interna entre as unidades fabris pelo mundo. Assim, conseguimos garantir o fornecimento para os clientes”. 

Em 2021, a Vestas instalou cerca de 2 gigawatts (GW) de capacidade no Brasil e para manter o ritmo, a fabricante de aerogeradores busca parceiros próximos. A empresa dinamarquesa tem uma unidade fabril no Nordeste e conta com rede de fornecedores locais diretos, integrada à estrutura global. 

O CEO da companhia na América Latina, Eduardo Ricotta, diz que a empresa trabalha para duplicar os fornecedores em áreas mais sensíveis, com contratos de longo prazo e capacidade fixa para evitar que atrasos voltem a ocorrer. 

“Temos insumos que a gente importa da Dinamarca, tem a cadeia de suprimentos local com mais de 80 fornecedores que desenvolvemos ao longo dos anos e fazemos toda a montagem no Ceará, que fica mais próxima dos parques”, diz. A Vestas tem ainda uma fábrica no México para a estratégia de regionalização. 

Já a catarinense WEG, desde os primeiros sinais de disrupção das cadeia de desenvolvimento, reforçou estoques estratégicos de matéria- prima e buscou fornecedores em diversas geografias. A verticalização do processo produtivo também trouxe alívio. 

“No curto prazo não temos preocupação. A gente reforçou ao longo de 2021 os estoques estratégicos, obviamente isso teve um preço, que foi carregar o capital de giro na linha de estoques além da necessidade, mas que nos dá certo conforto neste momento de incertezas. A WEG está abastecida neste momento para as entregas, mas se isso perdurar, pode trazer preocupação lá na frente”, afirma o diretor financeiro, André Rodrigues. 

Outro ponto de atenção do executivo é o lockdown na China, pois o país asiático é um dos principais mercados da WEG. “E enquanto houver essa política de covid zero na China, a cadeia global de suprimentos do mundo vai estar pressionada (…). Por outro lado, nosso modelo de produção verticalizada é uma vantagem competitiva”, avalia Rodrigues. 

Há ainda um desequilíbrio grande no preço das commodities, que compõem parte significativa da estrutura de custos das empresas. O diretor-presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, traz uma análise importante. 

“Para a indústria há ainda três fatores complicados: o balanço entre oferta e demanda de energéticos, que impacta o preço das commodities, e é exacerbado pela guerra na Ucrânia. O preço das matérias-primas e insumos para a cadeia produtiva também aumentou e, no Brasil, temos tudo isso impactado por um câmbio que está com muita volatilidade. Isso tem travado algumas operações e trazido novos elementos de incerteza para a mesa”. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/05/02/pressao-sobre-cadeias-produtivas-muda-estrategia-de-grupos.ghtml

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