Planeta pode perder 40% de suas espécies de plantas

“Nunca antes a biosfera, esta fina camada de vida que chamamos de casa, esteve sob tão intensa e urgente ameaça”. É com esta clareza que começa o relatório “Estado Mundial das Plantas e Fungos”, do Royal Botanic Gardens que será divulgado hoje. O estudo aponta pela primeira vez que duas a cada cinco espécies de plantas estão ameaçadas de extinção nas próximas décadas. 

“Dito de outra forma: 40% de todas as espécies de plantas estão em risco de extinção. Isso é um número gigantesco”, disse ao Valor o biólogo brasileiro Alexandre Antonelli que há um ano e meio assumiu a direção científica do Kew Gardens. 

Outro risco apontado no estudo é a forte dependência da humanidade a uma pequena fração de plantas e fungos. Existem 7.039 plantas comestíveis com potencial para cultivos futuros. Mas apenas 15 plantas fornecem 90% da ingestão de energia alimentar global. Quatro bilhões de pessoas dependem de apenas três cultivos – arroz, milho e trigo -, o que indica a vulnerabilidade do sistema alimentar. 

Da mesma forma, existem 2.500 plantas que poderiam fornecer energia limpa para milhões de pessoas, mas só seis cultivares (milho, cana de açúcar, soja, dendê, colza e trigo) produzem 80% do biocombustível industrial global. Há 840 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade na África Subsaariana, Ásia e Oceania. Três bilhões de pessoas não têm acesso a combustíveis de cozinha não-poluentes. O estudo diz que novos cultivares bioenergéticos “são urgentemente necessários”. 

O Kew Gardens é o maior jardim botânico do mundo, considerado o principal centro global de pesquisas em plantas e fungos. Suas origens recuam a 1772, quando foram construídas as primeiras estruturas para abrigar as espécies. 

É a primeira vez que a instituição faz um diagnóstico único entre o estado mundial de plantas e fungos. Também é a primeira vez que 12 artigos científicos serão publicados hoje com mais informações sobre o relatório. 

No estudo colaboraram 210 pesquisadores de 97 instituições em 42 países, entre eles o Brasil. “Existem muitas interações entre plantas e fungos. São os fundamentos dos ecossistemas”, diz Antonelli, que coordenou o relatório. Os pesquisadores indicam que é preciso acelerar avaliações de risco para que áreas-chave da biodiversidade global possam ser identificadas e protegidas imediatamente. A inteligência artificial pode ajudar a identificar prioridades. 

Estima-se que existam em torno a 350 mil espécies de plantas no mundo. Algo próximo a 140 mil espécies de plantas e fungos podem estar ameaçados. “Isso é um desastre”. Na história toda da humanidade, a nossa geração é a que está causando o maior nível de destruição ao ambiente. Temos que romper esta tendência”, diz. “Uma das melhores formas de proteger as plantas é usá-las de maneira sustentável”, segue. 

Plantas e fungos são negligenciadas em estudos, despertam menos interesse e são menos preservadas se comparadas a vários grupos de animais, como mamíferos ou aves. “A maioria dos parques naturais e das reservas foram delimitados levando em consideração a fauna e não a flora”, segue Antonelli. “Temos muito pouca noção da biodiversidade dos fungos e dos benefícios que podem trazer.” 

Ele diz que as estimativas são de que existam três milhões de espécies de fungos no planeta. Uma colher de chá de solo da Amazônia pode conter até 400 espécies de fungos diferentes. “Acredito que a próxima fronteira de conhecimento e pesquisa da biodiversidade serão os fungos”, continua. 

“O que emerge deste estudo é um quadro onde o mundo deu as costas ao potencial de plantas e fungos ao tratar de questões globais fundamentais, como segurança alimentar e mudança do clima”, diz Antonelli. “Em momento de rápida perda de biodiversidade não estamos conseguindo acessar o baú do tesouro da diversidade biológica. Estamos perdendo uma grande oportunidade”. 

A demanda global por medicamentos de origem natural está ameaçando algumas espécies. Cerca de quatro bilhões de pessoas dependem de medicamentos fitoterápicos como sua principal fonte de saúde. Na China representam 40% dos serviços de saúde. A África do Sul está entre os maiores consumidores de plantas medicinais e a colheita excessiva e o uso insustentável estão entre as causas da redução na diversidade das plantas. 

O estudo indica caminhos de soluções baseadas na natureza para que empresas e formuladores de políticas possam enfrentar a crise climática e a subnutrição. 

O estudo diz ainda que falta estratégia no plantio de árvores nas cidades. As árvores urbanas plantadas agora precisam ser capazes de resistir às mudanças climáticas globais e a pouca diversidade as torna vulneráveis a secas e pragas. 

Outro ponto em destaque é o que discute os danos que o nível atual de apicultura nas cidades está causando às abelhas selvagens. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/09/30/planeta-pode-perder-40-de-suas-especies-de-plantas-diz-estudo.ghtml

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