Diante da escalada militar russa nos arredores da Ucrânia e das crescentes tensões entre Otan e Moscou, voltou a ganhar força a ideia de negociar um acordo de paz para encerrar o conflito entre separatistas pró-Rússia e militares ucranianos no leste do país – que alterna períodos de cessar-fogo e de confrontos no front.
Autoridades de alto escalão de Rússia, Ucrânia, França e Alemanha – parte do grupo de contato diplomático conhecido como Formato da Normandia – estão se reunindo nesta quinta-feira, 10, em Berlim, para discutir formas de implementar os termos dos Acordos de Minsk, estabelecidos em 2014 e 2015, forjados depois que os rebeldes separatistas atacaram e tomaram territórios no leste da Ucrânia.
Apesar do esforço diplomático para selar a paz, os acordos são notoriamente ambíguos e as divergências sobre a interpretação de seus termos – principalmente entre as visões russa e ucraniana – acendem uma dúvida sobre a chance real dos termos garantirem uma paz duradoura na região.
O conflito que nunca acabou no leste da Ucrânia
A atual disputa na Ucrânia tem origem em 2014. Após o presidente ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovich ser deposto, forças russas invadiram o país vizinho, em uma ofensiva militar que terminou com a anexação da Península da Crimeia. Após a invasão, o governo russo passou a apoiar de maneira mais firme grupos separatistas, principalmente de língua russa, conhecida como Donbas – fato negado pelo Kremlin.
Com o conflito aberto no leste do país, o governo ucraniano reuniu militares e batalhões voluntários no esforço de guerra. Combates devastadores foram travados com os rebeldes, envolvendo artilharia pesada, blindados e aeronaves de combate.
A Ucrânia e o Ocidente acusaram a Rússia de apoiar os separatistas com tropas e armas. Moscou rejeitou as acusações, dizendo que todos os russos que lutaram no conflito eram voluntários.
Em meio aos combates, o voo 17 da Malaysia Airlines foi derrubado, em 17 de julho de 2014, matando todas as 298 pessoas a bordo. Uma investigação internacional concluiu que o avião foi destruído por um míssil disparado de uma área controlada pelos rebeldes, e que a arma utilizada teria sido levada à Ucrânia de uma base militar na Rússia. Moscou também negou qualquer envolvimento.
Negociações e acordos em meio aos combates
Com o avanço dos conflitos, autoridades da França e da Alemanha iniciaram esforços para a negociação de uma trégua com a Rússia e a Ucrânia. Em junho de 2014, representantes dos quatro países se reuniram na Normandia, criando o chamado Formato da Normandia, grupo que ainda hoje tenta intermediar uma solução de pacífica para a guerra.
O primeiro tratado entre ucranianos e rebeldes separatistas foi assinado meses depois, após uma derrota maciça de tropas do governo. O documento, batizado de Minsk 1, previa um cessar-fogo monitorado pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), uma retirada de combatentes estrangeiros, troca de prisioneiros e reféns, anistia para os insurgentes e uma promessa de que regiões rebeldes poderiam ter um certo grau de autogoverno.
Mas acordo entrou em colapso rapidamente e as batalhas em larga escala foram retomadas. Entre janeiro e fevereiro de 2015, as tropas ucranianas sofreram outra grande derrota na batalha de Debaltseve. Com milhares de soldados cercados e alegando o objetivo imediato de salvar vidas, o ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko aceitou termos políticos geralmente considerados desfavoráveis no acordo conhecido como Minsk 2.
Apesar da declaração de apoio assinada por líderes de Rússia, Ucrânia, França e Alemanha, os pactos de cessar-fogo jamais foram mantidos. Mais civis e soldados de ambos os lados morreram nos sete anos após seu anúncio do que no ano de guerra que os precedeu.
Os termos do Acordo de Minsk 2
O acordo de Minsk 2 incluía um cessar-fogo monitorado pela OSCE, uma retirada de armas pesadas e combatentes estrangeiros da linha de contato e uma nova troca de prisioneiros.
Em um grande golpe diplomático da Rússia, o documento também obrigava a Ucrânia a conceder status especial às regiões separatistas, permitindo-lhes criar sua própria força policial e ter voz na nomeação de promotores e juízes locais. Também exigia que Kiev oferecesse uma ampla anistia aos separatistas e negociasse os detalhes da realização de eleições locais com os líderes rebeldes.
O acordo estipulou que a Ucrânia só poderia recuperar o controle sobre a fronteira com a Rússia em regiões rebeldes depois das áreas obterem o autogoverno e realizar eleições locais monitoradas pela OSCE – votação que quase certamente manteria os rebeldes pró-Moscou no poder.
Em outro ganho para o Kremlin, o documento não continha nenhuma obrigação por parte da Rússia, que insistiu que não é parte do conflito e o colocou como parte dos assuntos internos da Ucrânia.
Muitos na Ucrânia se ressentiram do acordo, vendo-o como uma traição aos interesses nacionais e um golpe na integridade do país. A consternação pública generalizada bloqueou efetivamente a implementação do acordo.
Troca de acusações entre Moscou e Kiev
Embora o acordo de Minsk tenha ajudado a encerrar batalhas em grande escala, combates frequentes continuaram, com os dois lados culpando um ao outro. As partes negociaram uma longa série de novos cessar-fogo, mas todos foram rapidamente violados.
A Ucrânia acusa a Rússia de não retirar suas tropas das áreas de conflito. Moscou nega manter alguma presença no território e apontou para o envio de instrutores militares ocidentais à Ucrânia.
Embora negando qualquer envolvimento militar no leste da Ucrânia, a Rússia ofereceu apoio político e econômico aos rebeldes e concedeu cidadania a mais de 700 mil moradores da região.
Os líderes da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha prometeram aderir ao acordo de Minsk quando se encontraram pela última vez em Paris, em dezembro de 2019, mas não fizeram nenhum progresso visível.
Novas negociações
O presidente ucraniano Volodimir Zelenski pressionou por outra reunião de cúpula com os quatro países, mas o Kremlin disse que não serviria para nada até que a Ucrânia concordasse em cumprir as obrigações do acordo.
Em meio às crescentes tensões sobre a escalada militar russa, França e Alemanha intensificaram esforços para intermediar novas negociações sobre o conflito, como uma maneira possível de aliviar as tensões.
Representantes dos quatro países se reuniram em Paris em 26 de janeiro, não garantindo nenhum progresso, mas concordaram em realizar a sessão em Berlim nesta quinta-feira, com o objetivo de chegar a uma interpretação comum dos acordos de Minsk.
O presidente francês Emmanuel Macron procurou reviver o acordo de Minsk durante suas visitas a Moscou e Kiev durante a semana, descrevendo-o como “o único caminho que permite construir a paz… e encontrar uma solução política sustentável”.
Pressão sobre a Ucrânia
Enfrentando apelos ocidentais para a implementação do acordo de Minsk, as autoridades ucranianas tornaram-se cada vez mais críticas ao documento.
Oleksiy Danilov, secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, disse à Associated Press na semana passada que o acordo foi assinado “sob um cano de arma russo” e alertou que “o cumprimento do acordo de Minsk significa a destruição do país”.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, argumentou que Moscou pretende usar o acordo para reintegrar as regiões rebeldes à Ucrânia e usá-las para bloquear as aspirações pró-ocidentais do país, prometendo: “Isso não vai acontecer”.
Zelenski foi mais diplomático, mas observou que não gosta de todos os pontos do documento de Minsk, um comentário que provocou um comentário insultuoso e grosseiro do presidente russo, Vladimir Putin.
“Goste ou não, você tem que aguentar, minha linda”, brincou Putin, usando um verso grosseiro do folclore russo. “Você tem que cumprir. Não funcionará de outra forma.”/ AP e NYT