Para evitar a catástrofe climática

É um sinal da mudança de perspectiva do establishment da política pública mundial o fato de que um capítulo do Panorama Econômico Mundial de outubro do FMI se concentrar em “mitigar a mudança climática”- ou seja, evitá-la – por meio de “estratégias amigáveis ao crescimento e à distribuição”. Em resumo, o FMI insiste que a humanidade pode fazer o omelete sem quebrar os ovos: ter tanto renda maior quanto um clima seguro. 

Em decorrência das crescentes concentrações de gases-estufa na atmosfera, as temperaturas médias globais já estão 1°C superiores aos níveis pré-industriais. Com base nas tendências atuais, elas poderão alcançar cerca de 1,5°C em uma década e de 2°C meia década depois. Nesse estágio, advertem os cientistas do clima, pontos críticos climáticos perigosos e irreversíveis tendem a ser ultrapassados. A maioria dos governos pelo menos finge concordar. Em vista disso, nos acordos de Paris, eles se comprometeram a manter as temperaturas abaixo desses níveis, apesar de suas promessas não comportarem os requisitos necessários para conquistar a meta. 

Como observa o FMI: “Reduções consideráveis e aceleradas em emissões de carbono são necessárias para que essa meta seja cumprida; especificamente, as emissões líquidas de carbono precisam cair para zero até meados do século”. Para que isso aconteça, as emissões têm de cair acentuadamente nesta década e continuar caindo depois. Isso representaria uma enorme mudança de direção. 

Que tipo de programa poderia produzir esse resultado? A resposta, sugere o Fundo, é uma combinação de investimentos verdes, financiamento agressivo de pesquisa e desenvolvimento e um compromisso confiável de longo prazo de elevar os preços do carbono, todos sobrecarregados na primeira fase. Isso se harmoniza com outros estudos, notadamente um relatório de setembro de 2020 da Comissão de Transições Energéticas mundial, um órgão multissetorial que reúne empresas e organizações da sociedade civil de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Este último também enfatiza uma regulamentação complementar, a fim de acelerar mudanças de comportamento. Indenizar os perdedores mais pobres pela elevação dos preços dos combustíveis também será necessário. 

Será que uma mudança na direção de emissões líquidas zero até 2050 é viável? A resposta é: surpreendentemente sim, especialmente em vista do ponto de partida deprimido, sob o aspecto econômico, da pós-covid. O FMI estima que a obtenção desse objetivo poderá baixar a produção mundial em 1%, em relação ao seu “parâmetro” sob políticas inalteradas, quando se soma essa baixa às vantagens proporcionadas pelos danos evitados. Mesmo assim, isso tem de ser situado no contexto do crescimento mundial acumulativo previsto de 120% durante os próximos 30 anos. E também ignora as vantagens de uma poluição local muito mais baixa. 

Algumas estimativas sugerem que os aumentos de temperaturas de nada menos que 5°C até 2100, na ausência de mitigação, poderão reduzir a produção mundial em 25%. Isso não leva em consideração as enormes desestabilizações não econômicas sobre a humanidade, ou melhor, sobre toda forma de vida, a serem esperadas de um distúrbio do clima de tamanha rapidez sem precedentes. 

Em vista dessas estimativas sobre o custo de curto prazo modesto da mitigação, em contraposição aos custos de longo prazo muito maiores decorrentes de sua não realização, o argumento em favor da ação é irresistível. E fica mais irresistível ainda quando se considera a escala de incerteza criada pela mudança climática não mitigada, ao lado de sua irreversibilidade. 

Partir para ação pode fazer sentido mesmo que os custos sejam muitas vezes maiores que os previstos atualmente. Então por que não ocorre? Uma das explicações é o fato de envolver mudanças dos estilos de vida, coisa de que não gostamos. Outra é o fato de que exige pensar em décadas, coisa antinatural. Mas a explicação mais importante é o fato de que requer cooperação de longo prazo, coisa que normalmente consideramos impossível. 

A cooperação entre cinco participantes – China, EUA, a União Europeia, a Índia e o Japão – geraria uma parcela enorme do total necessário. Infelizmente, ela parece pouco provável neste momento. Uma mudança na Presidência dos EUA na direção de alguém mentalmente são seria de grande ajuda.

Para que as alterações necessárias de política pública ocorram cedo o suficiente, será necessário um grau realmente elevado de habilidade política. Em nível nacional, os programas têm de indenizar os perdedores mais vulneráveis, o que é um bom motivo para lançar mão de um imposto sobre o carbono. Em nível internacional, os dirigentes têm de cooperar com muito mais eficiência do que cooperaram, mesmo em torno do Acordo de Paris. Se quiserem fazer o que é necessário, os dirigentes terão de transpor dois outros obstáculos à ação inteligente: a resistência dos para sempre apegados aos combustíveis fósseis; e os fanáticos da ecologia, que argumentam pela derrubada revolucionária do capitalismo e pelo fim do crescimento – para amanhã, por favor. 

A única esperança realista é a solução de problemas tecnocrática e a política de cooperação. Essas últimas têm de ser orientadas pela finalidade moral, mas não inspiradas em fantasias ou transformações revolucionárias. Gritos de “arrependam- se, pois o fim do mundo está próximo!” não solucionarão esta emergência. A humanidade está no seu melhor potencial quando usa a cabeça. O clima é, basicamente, uma crise de tecnologia e de comportamento; pode ser administrado apenas por meio da mudança dos incentivos que permeiam o sistema. 

Como argumentei antes, isso agora é extremamente urgente. Se quisermos evitar uma mudança perigosa do clima do planeta, temos de agir de maneira muito mais decidida do que agimos até agora. Estamos nos embebedando exageradamente de combustíveis fósseis na Terra. Chegou a hora de a humanidade voltar à sobriedade. (Tradução de Rachel Warszawski) 

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/para-evitar-a-catastrofe-climatica.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação