Pandemia faz disparar onda de ‘fake news’

Notícias falsas não são novidade na internet, mas o surto de covid-19 está produzindo o que muitos consideram como a onda mais grave de “fake news” já registrada, desde que o termo se popularizou em 2016. A escalada cresce tão rapidamente que está levando companhias de internet a rever suas políticas de acesso e criar mecanismos para tentar deter os boatos eletrônicos. As redes sociais, em especial, nunca foram tão restritivas – e há espaço para que espremam ainda mais esses limites, dizem observadores. 

É difícil quantificar o fenômeno por causa de seu caráter viral: as “fake news” se espalham rapidamente, têm origem difícil de rastrear e ressurgem depois de aparentemente erradicadas. Com a pandemia, essas características parecem amplificadas. Mesmo as histórias mais duvidosas passaram a receber crédito de parte do público, com consequências inesperadas. 

No Reino Unido, mais de 30 torres de celular foram incendiadas ou vandalizadas neste mês por causa dos boatos de que o 5G, o mais recente padrão de comunicação sem fio, ajuda a disseminar a doença. O vírus poderia “trafegar” por suas ondas, segundos grupos de internet. Funcionários de operadoras passaram a ser hostilizados, com o registro de uma centena de incidentes até agora, segundo o jornal “The New York Times”. 

As empresas de internet, frequentemente acusadas de não fazer o suficiente para deter as “fake news”, têm reforçado suas defesas. Na quinta-feira, o Facebook anunciou que nas próximas semanas colocará no ar um sistema para notificar os usuários que comentarem ou “curtirem” notícias falsas sobre a covid-19, inclusive vídeos. A nova ferramenta, anunciada por Mark Zuckerberg, diretor-presidente do Facebook, vai redirecionar essas pessoas a fontes autorizadas, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). 

A medida é a mais recente de uma série de providências tomadas pelo Facebook. A companhia lançou um centro de informações para a covid-19, que passou a ocupar o topo de seu “feed” de notícias. É o “feed” que determina que notícias aparecerão na página do usuário, com base em suas conexões. 

A companhia informa já ter direcionado mais de 2 bilhões de pessoas a fontes autênticas de notícias no mundo, desde janeiro, em duas de suas redes – o próprio Facebook e o Instagram. Mais de 350 milhões de usuários clicaram nos links indicados, segundo a companhia. Em ambos os serviços foram proibidos anúncios de produtos que prometem cura ou imunização em relação à covid-19. No Brasil, a empresa está oferecendo créditos para que o Ministério da Saúde promova campanhas publicitárias sobre o coronavírus. 

O WhatsApp, que é controlado pelo Facebook desde 2014, restringiu o número de vezes que uma mensagem pode ser compartilhada. Desde o dia 7, mensagens repassadas cinco vezes ou mais só podem ser enviadas para uma conversa por vez. Antes eram até cinco conversas. A companhia também testa uma nova versão de seu aplicativo, que trará o ícone de uma lupa em mensagens muito compartilhadas. Ao clicar no desenho, o usuário poderá pesquisar na internet sobre sua veracidade. 

Em seu blog oficial, o Twitter informa que desde 18 de março já removeu mais de 1,1 mil tuítes com conteúdo enganoso. “Os efeitos da covid-19 superaram qualquer momento que já vimos e é possível que, à medida que a pandemia continue, tenhamos uma sobrecarga em nosso serviço”, afirma a empresa. Cerca de 1,5 milhão de contas foram advertidas, informa a companhia, devido a comportamentos considerados manipuladores. 

No dia 29 de março, o Twitter apagou duas mensagens publicadas pelo presidente Jair Bolsonaro em sua conta oficial. Foi a primeira vez que isso ocorreu. Na ocasião, a empresa afirmou, em nota, que suas regras passaram a abranger conteúdo contrário a orientações de saúde pública de fontes oficiais e que pudessem colocar as pessoas em risco de transmitir a covid-19. 

O avanço das “fake news” tem ressaltado o trabalho das agências de checagem de notícias. O Facebook, que informa ter 55 parceiros de verificação no mundo, lançou um programa internacional de subsídio de US$ 1 milhão para aumentar a capacidade de checar informações. 

Em um intervalo de três semanas, o Fato ou Fake, serviço de checagem do Grupo Globo, ao qual pertence o Valor, analisou mais de 50 notícias falsas sobre a covid-19. É um movimento muito acima do normal. “No ano passado, publicávamos em média uma verificação a cada dois dias. Agora, já chegamos a publicar sete checagens em um dia”, diz Thiago Reis, coordenador do Fato ou Fake. 

Uma das preocupações centrais, diz Reis, é com notícias falsas que podem induzir o público a se descuidar em relação à doença. “Temos visto muitas receitas milagrosas”, afirma. Na lista estão desde sugestões caseiras, como tomar chá com alho fervido, até a indicação de tratamentos profissionais como sonoterapia e hemoterapia, cuja aplicação à doença também já foi contestada por conselhos profissionais. 

Em São Paulo, epicentro da covid-19 no Brasil, o governo do Estado montou um centro de combate às “fake news”. Foi aberto um canal de informações no aplicativo Telegram, que na primeira semana reuniu 21 mil inscritos, e um site especial, que tem recebido cerca de 2 milhões de visitantes. A equipe encarregada de analisar as notícias reúne profissionais de comunicação e técnicos de saúde. 

“As ‘fake news’ entraram no senso comum”, diz o secretário executivo da Secretaria de Comunicação de São Paulo, Eduardo Pugnali. O apelo das notícias falsas é que a complexidade dos fatos é ignorada. Em seu lugar, entram teorias da conspiração, de lógica simplificada. “E elas sempre mexem com medos das pessoas, como morte, perda do emprego, comunismo etc”, diz o secretário. 

Como nas companhias de internet, a maior preocupação das autoridades é com boatos que estimulem comportamentos arriscados em relação à doença. Mas há outras categorias danosas de “fake news”, como as tentativas de estelionato. Recentemente, foi descoberto um golpe on-line que visava tirar dinheiro das pessoas com uma falsa “vaquinha” virtual. Os recursos seriam supostamente destinados a ajudar o governo do Estado. Quando detectada, esse tipo de ocorrência é encaminhada para investigação pela Delegacia de Crimes Eletrônicos, informa Pugnali. “[Combater as ‘fake news’] é como tirar areia da praia”, diz ele. “Mas é um trabalho que precisa ser feito.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/04/20/pandemia-faz-disparar-onda-de-fake-news.ghtml

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