As torres gêmeas de Santo Estanislau, uma gigantesca igreja católica de tijolos vermelhos, são visíveis a quilômetros de distância nos campos de milho e pastagens desta área conservadora do leste da Polônia, um bastião de apoio aos nacionalistas que governam o país.
“Esse partido é conservador e católico, e as pessoas aqui são muito apegadas às tradições nacionais e à Igreja”, disse Dariusz Sikorski, representante eleito de um distrito que deu mais de 90% dos votos ao candidato vitorioso do partido governista na eleição presidencial no ano passado.
Eles também estão profundamente apegados, no entanto, ao dinheiro da União Europeia. Os contribuintes do bloco deram quase US$ 150 milhões para construir uma rodovia e outros milhões para financiar um parquinho infantil, estações de bombeamento de água, sistema de esgoto, projetos de energia limpa e melhorias na escola local.
Com a Polônia em guerra contra a Europa pelo estado de direito – e a possibilidade, embora remota, de o país deixar o bloco – o governo se equilibra entre instintos nacionalistas impregnados de fé religiosa e a realidade do interesse econômico. A solução dessa tensão definirá a maior crise da UE desde o Brexit.
Desgaste
As relações com Bruxelas tornaram-se tão desgastadas que o partido governante da Polônia, o Lei e Justiça (PiS), e seus apoiadores em Varsóvia lançam ataques verbais cada vez mais incendiários, ameaçando “atear fogo na Europa” e insultando a UE como uma força “colonial” de intimidação. O primeiro-ministro polonês chegou a falar de uma “terceira guerra mundial”.
Mas lugares como Kobylin-Borzymy não têm disposição para uma luta até a morte. A Polônia recebeu mais de US$ 225 bilhões da UE desde que aderiu, em 2004. A precisão é que receba isso novamente em subsídios e empréstimos até 2027, além de outros US$ 47 bilhões como parte do programa de recuperação da covid.
“Quanto às alegações de nacionalistas em Varsóvia de que a UE é uma força de ocupação semelhante à União Soviética e à Alemanha nazista, ninguém acredita nisso”, disse Sikorski, chefe do conselho local, cujos 15 membros eleitos apoiam o PiS. “Muitos agricultores da área, a espinha dorsal da economia local e reduto do governo, teriam problemas para se manter sem os subsídios de Bruxelas. Quase todos aqui se beneficiam da UE. Deixar o bloco não é uma opção realista.”
‘Polexit’
Mas um “Polexit” (versão polonesa do Brexit), de repente, se tornou uma possibilidade depois que o Tribunal Constitucional da Polônia decidiu, neste mês, que as leis nacionais estavam acima da lei europeia. Altos funcionários em Bruxelas e políticos europeus denunciaram a decisão como uma ameaça intolerável, que não pode persistir se a Polônia quiser continuar no bloco.
O confronto da Europa com a Polônia envolve liberdade de imprensa, direitos LGBT, independência do Judiciário e outras questões. Mas a crise se agravou após a decisão do tribunal. “Você está caminhando como um sonâmbulo em direção à saída da UE”, disse Moritz Körner, eurodeputado alemão, ao premiê polonês, Mateusz Morawiecki, durante um debate na semana passada, em Estrasburgo. “A UE não é uma loja de autoatendimento. Se não quiser cumprir a legislação europeia, não pode continuar a ser membro.”
Os simpatizantes do PiS em Kobylin-Borzymy, geralmente, rejeitam os rumores de Polexit como uma ameaça arquitetada por liberais estrangeiros e poloneses, uma visão promovida com entusiasmo na semana passada pela TV estatal. Ou pelo menos eles esperam que seja.
Leszek Mezynski, um fazendeiro aposentado e vice-diretor do conselho regional, disse que o distrito conservador queria manter distante os imigrantes e ideias liberais como o casamento gay para evitar um “suicídio civilizacional”.
Mas ele está muito mais preocupado em perder os benefícios econômicos que fluem dos subsídios agrícolas europeus, o financiamento para novas estradas e outras grandes quantidades de dinheiro. “O Polexit é algo que ninguém aqui realmente quer”, disse Mezynski. Até que o Reino Unido votasse pela saída em um referendo, em 2016, no entanto, o Brexit não era algo que muitos britânicos pareciam querer ou esperavam que acontecesse.
Ao contrário do Reino Unido, onde a hostilidade à UE apareceu como uma força poderosa na política interna muito antes da votação de 2016, a Polônia nunca teve um lobby significativo para que ela se retirasse do bloco. Em contraste com os britânicos, antes do Brexit, a Polônia tira muito mais dinheiro do pote da Europa do que coloca nele.
Oposição
Um referendo polonês de 2004 sobre a adesão ao bloco foi aprovado com 77% dos votos e o apoio para permanecer nele aumentou para quase 90%, de acordo com pesquisas recentes.
Os avisos de que a Polônia está colocando em risco sua adesão deixaram o PiS vulnerável às acusações do líder da oposição, Donald Tusk, de que o governo, com toda a sua arrogância patriótica, se alinhou com Moscou ao minar a unidade europeia. Essa é uma acusação poderosa em um país com um medo permanente da Rússia.
Na semana passada, Tusk, um ex-primeiro-ministro polonês e até 2019 presidente do Conselho Europeu, atraiu dezenas de milhares de pessoas gritando “Nós ficaremos!”, em um protesto pró-Europa barulhento no centro de Varsóvia.
Em uma manifestação separada na cidade de Gdansk, no norte, o ex-líder sindical do Solidariedade Lech Walesa, que ganhou o Nobel da Paz por liderar a oposição ao regime comunista da Polônia, na década de 80, denunciou o governo por colocar em risco a adesão da Polônia ao bloco. Os centros urbanos poloneses há muito se opõem ao Lei e Justiça. Muito mais preocupante para o partido no poder, no entanto, é o desconforto sentido em sua base rural.
Conservadorismo
O saguão de entrada da escola primária em Kobylin-Borzymy, em homenagem a um padre jesuíta polonês do século 16 celebrado por seu patriotismo, é adornado com crucifixos e uma homenagem ao papa João Paulo II, nascido na Polônia. A escola também foi beneficiada por dinheiro europeu.
Apesar das declarações do premiê Morawiecki, de que a Polônia é um “país orgulhoso” que nunca se submeterá à pressão financeira da UE, essa pressão às vezes funciona, mesmo no reduto do partido. Dezenas de cidades polonesas dominadas pelo PiS causaram indignação na Europa, em 2019, declarando-se zonas “livres de gays”. Depois, um por um, ameaçados com cortes no financiamento europeu, recuaram discretamente.
Na semana passada, Morawiecki, logo depois de prometer nunca se render, em um discurso desafiador ao Parlamento Europeu, abriu um caminho claro para uma rendição parcial. Ele disse aos eurodeputados que seu governo eliminaria uma câmara disciplinar para juízes que o tribunal superior da Europa e seus funcionários mais graduados veem como uma forma de comprometer a independência do Judiciário polonês. Eles exigiram que a Polônia o desmantelasse e revertesse outras mudanças promovidas pelo PiS.
O poder de decisão final em Varsóvia, no entanto, não cabe ao primeiro-ministro, mas a Jaroslaw Kaczynski, de 72 anos, o líder profundamente conservador e imprevisível do partido governista. Kaczynski, um católico fervoroso e solteiro convicto, é insultado pelos liberais como um excêntrico reacionário. Mas ele tem um senso político estranho que o tornou a figura dominante da Polônia, embora esteja sendo testado pelo confronto de Varsóvia com Bruxelas.
Eurocéticos
Kaczynski precisa se preocupar com a alienação de eleitores que dependem de dinheiro europeu, à medida que as eleições marcadas para 2023 se aproximam. Ao mesmo tempo, ele está lutando para manter um governo de coalizão frágil que depende de uma facção de extrema direita liderada pelo ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro, o arquiteto das mudanças no Judiciário que agora estão no centro do conflito com a Europa.
Em entrevista na semana passada para a Sieci, uma revista semanal conservadora, Kaczynski descartou a possibilidade de um Polexit como “um disparate completo” inventado por seus oponentes. Mas ele também deixou claro que não quer uma eleição antecipada, algo que será difícil de evitar, a menos que estenda a mão para Ziobro e para outros eurocéticos.
Embora ainda não haja nenhum sinal de deserção em massa de seus apoiadores, alguns eleitores estão tendo dúvidas. Piotr Perkowski, agricultor de 43 anos que recebe subsídios europeus e costumava votar no PiS, foi seco. “Não vou votar neles agora”, disse. “O governo tirou dinheiro da UE para construir um novo sistema de bombeamento de água, mas não o conectou à minha casa, deixando minha família sem água encanada. O Lei e Justiça fez muitas promessas que não cumpriu.”
Sem saída
Mas o partido, com a ajuda da TV estatal, convenceu muitas pessoas em Kobylin-Borzymy de que a oposição, e não o governo, é a culpada por suscitar dúvidas sobre a adesão da Polônia ao bloco ao divulgar as disputas internas do país na frente de estrangeiros.
“As pessoas devem resolver suas disputas em casa e não gritar para que seus vizinhos possam ouvir”, disse Kazimierz Kloskowski, cuja fazenda familiar produz milho e trigo. Ao mesmo tempo, como beneficiário de subsídios em dinheiro da Europa, ele não está totalmente convencido de que a escalada da tensão com Bruxelas seja uma boa ideia. “Não há outra opção para nós, exceto a Europa”, disse. “A única alternativa a Bruxelas é Moscou. E já sabemos como funciona isso.”